(*) Por Bernardo Santoro
O ex-presidente norte-americano Harry Truman costumava dizer que “promessas de políticos são como um cheque em branco: fácil de dar, mas difícil de honrar”. Esse cenário fica ainda mais complexo quando a promessa envolve austeridade e responsabilidade fiscal.
A semana ficou politicamente marcada com a discordância pública entre o presidente Lula e seu ministro da Fazenda, Fernando Haddad, acerca da possibilidade de se zerar o déficit fiscal nas contas públicas em 2024. O chefe disse não ser possível cumprir a promessa feita ao mercado e à sociedade, e o ministro desmentiu seu superior hierárquico ao afirmar que vai sim conseguir cumprir essa meta.
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Metas nunca foram a especialidade petista. Já dizia a ex-presidente Dilma que o melhor a fazer é deixar a meta aberta e, caso seja atingida a meta fantasiosa que não foi estipulada, então ela seria dobrada (?!). É um exercício imaginativo de fazer inveja a qualquer artista que siga o realismo mágico.
Somente tolos acreditam em austeridade e responsabilidade fiscal em governos vermelhos. Neste mesmo veículo, já tive a oportunidade de demonstrar que o sério teto de gastos, aprovado no governo Temer, foi solapado e substituído por um arcabouço fiscal petista imaginário, em que são tantas as exceções excepcionando a regra de austeridade que não sobra praticamente nada da regra em si.
Existe um motivo lógico para governos socialistas gastarem além da conta.
A teoria da escolha pública, ramo da economia que examina o comportamento dos agentes políticos em um ambiente democrático, tenta explicar um pouco desse comportamento típico da esquerda.
E qual é essa teoria?
A primeira e mais evidente razão é que o aumento dos gastos públicos, principalmente em distribuição de renda, serviços públicos e obras para a base eleitoral, maximiza a quantidade de votos para esses governos em eleições periódicas típicas do sistema democrático. O aumento da qualidade de vida no curto prazo gera uma conta a ser paga por governos futuros, mas isso não é problema para quem não possui visão de longo prazo ou responsabilidade com princípios e valores sólidos e com o pacto intergeracional. Já dizia um grande economista social-democrata que, no futuro, “todos estaremos mortos” — à exceção, claro, das gerações vindouras que pagam a conta da irresponsabilidade presente.
Outra razão clara é a pressão de grupos de interesse que circundam os governos petistas, como sindicatos, grandes empresários de capitalismo de compadrio e organizações da sociedade civil. Essas organizações pressionam por mais gastos públicos em áreas que lhes são relevantes, seja para proveito político ou para proveito econômico próprio, abastecendo, em retroalimentação, as campanhas dos políticos de interesse dos petistas e seus aliados e contas bancárias de todos os envolvidos, em um círculo vicioso de corrupção que foi exposto com clareza pela Operação Lava Jato, antes condenadora de corruptos e hoje condenada à morte pelos mesmos corruptos que outrora condenou.
“Haddad com os dias contados?”, reportagem de Carlo Cauti publicado na Edição 189 da Revista Oeste
A última grande razão é que as instituições brasileiras não estão preparadas para impedir esse ciclo de horror fiscal. A Constituição fala em moralidade e eficiência apenas como princípios, que até possuem alguma eficácia, mas tem caráter mais programático. A Lei de Responsabilidade Fiscal tenta segurar gastos setoriais, mas suas punições são brandas e pouco efetivas. O teto de gastos, que tentava segurar a despesa geral, foi, como já dito, desmontado. Os órgãos de controle, como Tribunais de Contas e o Poder Judiciário, são controlados pelos próprios políticos ou estão em parceria com eles, gerando, na verdade, um novo motor de corrupção através de incentivos perversos na relação entre fiscalizadores e fiscalizados.
Embora as mesmas influências ruins do sistema também incidam sobre a direita política, ela tende a lidar melhor com esse fenômeno. Isso ocorre em virtude dos princípios e valores que carrega, como a busca por um estado leve e enxuto, com baixa carga tributária, gastos apenas em setores essenciais, desburocratização e descentralização administrativa. Eventualmente um ou outro político dessa estirpe sucumbirá às facilidades e prazeres desses vícios públicos, mas em menor proporção, em virtude da lógica em que opera e do mercado consumidor eleitoral a que procura agradar.
Boa parte do setor financeiro e da elite, embebida em uma narrativa de que a gestão presidencial anterior era o que havia de pior no mundo, comprou a promessa petista de que um eventual governo Lula respeitaria as contas públicas, sem se dar conta de que o escorpião sempre pica o sapo na travessia do rio, ainda que na famosa fábula morram os dois, simplesmente porque é da natureza do escorpião picar. Não haverá superávit fiscal, porque a sua existência não é do interesse dos governos petistas, ou de quem o apoia, já que a festa pressupõe gasto e ainda existe espaço para extorsão da população brasileira, avalizadora da própria espoliação pessoal feita em urna eleitoral certificada pelas instituições da república.
O resultado disso será, por óbvio, o desconto do “cheque em branco” da irresponsabilidade fiscal dado pela população ao movimento político vermelho. Ele virá preenchido com muitos zeros e será inexoravelmente pago às custas do nosso próprio sangue, que, coincidência ou não, tem a mesma cor da camisa e das bandeiras daqueles que nos sangram.
Bernardo Santoro é cientista político e advogado, mestre e doutorando em Direito. É Conselheiro do Instituto Liberal e sócio do escritório SMBM Advogados (www.smbmlaw.com.br).