O ensino híbrido se consolidou como uma alternativa educacional no Brasil durante a pandemia da Covid-19. À época, segundo pesquisa da Undime (União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação), 52,7% das redes de ensino nos primeiros anos do ensino fundamental adotaram o modelo misto de aulas remotas e presenciais. Nos últimos anos do ensino fundamental o índice chegou a 53%.
Com a flexibilização das restrições sanitárias, o modelo continua sendo aplicado em algumas redes de ensino. O MEC (Ministério da Educação) anunciou recentemente um curso de formação para docentes voltado à educação híbrida, além do lançamento do guia “Educação Híbrida: conceito e orientações pedagógicas”.
O curso, elaborado pela Rieh (Rede de Inovação para a Educação Híbrida), busca capacitar professores para lidar com ferramentas digitais e novos métodos pedagógicos.
“O MEC tem feito uma força-tarefa para que a gente avance com a formação continuada dos docentes. Esse guia é uma forma de trabalhar melhor os conceitos de educação continuada e híbrida”, afirmou Valdirene de Oliveira, coordenadora-geral de ensino médio, durante webinário de lançamento do curso.
Para os docentes, a adoção do ensino híbrido trouxe desafios, especialmente na adaptação das metodologias tradicionais para o ambiente virtual. Igor Andrade, professor da rede pública de São Paulo, relatou que precisou modificar a forma como conduzia as aulas para manter os alunos engajados.
“O principal desafio foi adaptar as metodologias. Tentar trazer uma abordagem mais ativa e aulas dinâmicas para o virtual é difícil sem o contato direto com o aluno”, disse à CNN.
Nesse modelo, na visão do docente, os professores precisam criar novas estratégias para incentivar a participação dos estudantes. Apresentações e questionamentos orais, para ele, ajudam nessa missão.
“Trabalhar com materiais mais atrativos e que permitissem aos alunos expressar suas opiniões também funcionou bem”, analisou o professor. “Para funcionar, o sistema educacional precisa estar bem estruturado para oferecer aulas on-line com qualidade, considerando as especificidades desse contexto.”
A adoção do ensino híbrido também levanta questões sobre desigualdade de acesso. No Brasil, hoje, pelo menos 29 milhões de brasileiros não têm acesso a internet, de acordo com pesquisa do Cetic.br (Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação).
Para André Aguiar, especialista em educação e fundador da Rede Inspira Educadores, o modelo híbrido tem potencial para reduzir desigualdades se bem implementado.
“As ferramentas digitais, em conjunto com materiais físicos, permitem a personalização do ensino de acordo com as necessidades de cada aluno, evitando a abordagem padronizada do ensino tradicional”, argumentou. Segundo ele, porém, o desafio está na ampliação do acesso à internet e a dispositivos para garantir equidade.
Aguiar ressaltou que, além da infraestrutura, é fundamental a capacitação dos professores para que saibam como integrar o ensino digital ao presencial de forma eficiente. Modelos bem estruturados de ensino híbrido, de acordo com o especialista, podem trazer benefícios a longo prazo, permitindo que os alunos tenham mais autonomia e acesso a conteúdos diversificados.
“Cabe aqui destacar que o ensino de crianças nunca será à distância e que nunca teremos o ensino à distância no ensino básico, justamente pela necessidade de socialização”, explicou. “A palavra-chave aqui é o equilíbrio. É essencial que a criança tenha o momento de socialização respeitado e incentivado.”
No inicio do ano, uma proposta de lei que previa a implementação de um modelo de ensino apenas remoto para comunidades indígenas foi revogada do Pará após protestos. A falta de diretrizes para a construção de um modelo inclusivo, que respeitasse as particularidades da cultura dos povos originários, foi apontada como o ponto central da discordância das lideranças indígenas em relação ao governo do estado.
Diante dos desafios que professores e gestores educacionais enfrentam na implementação do ensino híbrido, o MEC tem buscado soluções por meio de políticas públicas e programas de formação continuada.
Procurada pela CNN, a coordenadora da Rieh, Daniela Lima, reconheceu que a falta de infraestrutura e formação são problemas, mas falou também que a “resistência à mudança por parte de professores e estudantes” do ensino médio é um entrave para consolidar o modelo nas escolas.
“A formação de docentes é uma estratégia essencial para garantir a implementação da educação híbrida com qualidade”, comentou a coordenadora. “O curso que desenvolvemos tem como objetivo capacitar os professores para planejar e aplicar metodologias participativas, garantindo que o ensino digital e presencial se complementem de forma significativa.”
Para Daniela, o ensino híbrido tem como objetivo também enfrentar a evasão escolar, promovendo um ensino mais flexível e conectado à realidade dos estudantes. Ela destaca, ao defender o modelo, que a Política Nacional de Ensino Médio e a Política Nacional de Educação Digital, estabelecidas pela Lei nº 14.945/2024, preveem o uso de tecnologias para fortalecer o processo de ensino e aprendizagem.
Na primeira implementação de um modelo híbrido ou remoto no Brasil, durante a pandemia de Covid-19, houve problemas de viabilização do sistema.
Naquele período, o acesso à alimentação foi privado de pelo menos 30% dos alunos da rede pública ao passo em que 25% disseram receber apenas uma cesta básica em um período de 15 meses. Os dados são de pesquisa da Dhesca (Plataforma de Direitos Humanos, Econômicos, Sociais, Culturais e Ambientais) e divulgados pela Câmara dos Deputados.
Ela explica que, além disso, programas como o Escolas Conectadas, que visa universalizar a conectividade nas escolas públicas, e o Pé-de-Meia, que auxilia financeiramente estudantes de baixa renda, fazem parte da estratégia governamental para reduzir desigualdades no acesso à educação digital.
“O universo de professores é diverso, e muitos ainda não tiveram contato aprofundado com o mundo digital em suas trajetórias profissionais. Nosso desafio é garantir que todos tenham acesso a formações que os preparem para esse novo cenário educacional”, enfatizou Daniela.