quinta-feira, setembro 19, 2024
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O MST está descendo a rampa no Espírito Santo

Em 2 de agosto, um dos integrantes da coordenação do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), João Paulo Rodrigues, recebeu o título de cidadão capixaba da Assembleia Legislativa do Espírito Santo (Ales). A honraria foi uma iniciativa de Iriny Lopes (PT), ex-ministra da Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres do governo da ex-presidente Dilma Rousseff.

Cerca de 17 dias depois de João Paulo Rodrigues receber o título, militantes do movimento se instalaram em uma rodovia e invadiram uma fazenda localizada entre os municípios de Boa Esperança e Pinheiros, no norte do Estado. Desde o início do ano, o Estado já teve quatro invasões de propriedades privadas: três pelo MST e uma em uma fazenda da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes). Os responsáveis não foram identificados.

Em todas as ocorrências, não houve posicionamento claro por parte do governador Renato Casagrande (PSB), que está em seu terceiro mandato. Mesmo diante de várias ordens de emissão de posse por parte do Poder Judiciário do Espírito Santo, forças policiais não intervieram nas “ocupações”. Fizeram-se presentes nos locais apenas para “assegurar a segurança” dos invasores. Em um dos casos, um secretário do governo estadual foi visto entre os militantes. Houve ainda um caso em que os sem-terra relizaram uma missa na área invadida.

Os avanços do movimento em terras capixabas podem surpreender quem vê de fora, já que o Espírito Santo é pequeno, não tem latifúndios, é focado na agricultura familiar e registra poucas invasões de terras. No entanto, desde o retorno de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) à Presidência da República, o MST aparenta estar “descendo a rampa” para o sudeste. Saiu de sua base principal na Bahia, Estado vizinho, e conta com o apoio indireto do governo capixaba para espalhar o terror no campo de cidades capixabas.

As recentes invasões do MST

Entre 2023 e 2024, o MST invadiu fazendas em Aracruz, São Mateus, Ibitirama e Pinheiros, tentaram invadir uma propriedade produtiva em Muniz Freire e fizeram um acampamento na encosta de uma rodovia em Mimoso do Sul.

No caso de Pinheiros, os militares repetiram a mesma estratégia aplicada em Mimoso do Sul e montaram barracas à beira de uma estrada rural, próxima à fazenda que seria o alvo da invasão, já que ocupações em rodovias não podem ser denunciadas.

Mesmo com ordens de reintegração de posse, emitidas pelo Judiciário do Estado, a maioria das invasões durou mais de cinco dias. Na invasão da área da Suzano em Aracruz, ocorrida em abril de 2023, Casagrande criticou as ações do grupo invasor e afirmou que, a partir do momento que os militantes invadiram áreas públicas, eles perdiam a razão.

“Na hora em que o movimento ocupa uma sede da Embrapa, ele perde apoio político”, disse Casagrande, em pronunciamento. “Na hora em que ocupa a sede do Incra, também. E é um processo de reflexão, na hora em que ocupa propriedades produtivas. O momento exige uma reflexão e exige um processo mais acelerado de políticas públicas na área de política agrária.”

O governador demonstrou firmeza na ocasião, mas não nas invasões seguintes. Na invasão da Fazenda Coqueirinho, em São Mateus, ocorrida em abril deste ano, foi confirmado que a propriedade de 294 hectares era produtiva e abrigava uma fábrica ligada à Cooperativa Agroindustrial de Produtores de Noz de Macadâmia (Coopmac).

Entidades ligadas ao agro local repudiaram a invasão e a omissão do governo estadual. A Federação da Agricultura e Pecuária do Espírito Santo (Faes) emitiu uma nota informando que passou semanas alertando o governo do Estado sobre a iminente invasão. O gabinete do governador não deu nenhuma resposta.

“Esse cenário vai de encontro aos inúmeros ofícios e articulações da Federação que demonstravam extrema preocupação e reivindicação de posicionamento dos órgãos públicos diante das ameaças ocorridas no início do ano”, afirmou a Faes, por meio de nota, em abril deste ano.

Nos primeiros dias da invasão, o subsecretário de agricultura familiar do Espírito Santo, Rogerio Favoretti, foi visto ao lado dos militantes. Favoretti tomou posse em 19 de junho de 2023 e tem participado de vários eventos com lideranças do PT e do MST. Um dos eventos, inclusive, contou com a presença do ministro Paulo Teixeira.

A ordem de reintegração de posse foi expedida pela 1ª Vara Cível de São Mateus em 18 de abril, um dia depois da “ocupação”. Os invasores, no entanto, só deixaram a Fazenda Coqueirinho em 30 de abril, 12 dias depois da emissão da ordem.

Antes da invasão em Ibitirama, em 29 de maio, os militantes do MST tentaram invadir um terreno produtivo em Muniz Freire, mas desistiram ao perceber que era a “fazenda errada”. Em ambos os casos, as forças de segurança apenas monitoraram os militantes nas áreas invadidas. Mesmo com ordens de reintegração de posse, Casagrande não agiu.

Na invasão entre Boa Esperança e Pinheiros, em 17 de agosto, também não houve movimentação por parte do governo estadual. A invasão ao terreno da Suzano foi o único episódio recente em que o governador se manifestou sobre as ações do MST.

Por coincidência, as invasões ocorreram dias depois de Casagrande ter recebido Paulo Teixeira no evento de lançamento do programa Vida do Campo, em 4 de abril. O projeto é voltado ao “desenvolvimento da agricultura familiar”. À época, o ministro do Desenvolvimento Agrário elogiou o programa e chamou Casagrande de “amigo”, enquanto o governador, por sua vez, afirmou que a presença de Teixeira no evento fortalecia o “trabalho na agricultura familiar”.

Renato Casagrande ergue uma bandeira do MST | Foto: Reprodução/Redes sociais
Renato Casagrande ergue uma bandeira do MST | Foto: Reprodução/Redes sociais

Casagrande versus Bancada do Agro

A invasão da Fazenda Coqueirinho fez que um projeto de lei de autoria do deputado Lucas Polese (PL-ES), conhecido por valorizar o agronegócio capixaba, passasse a tramitar com urgência na Ales. 

O PL 166/2023 combina a proposta de Polese com outros quatro projetos de lei semelhantes, apresentados por deputados ligados ao agro, que aguardavam apreciação na Assembleia Legislativa. Na votação de 22 de abril, apenas três dos 30 parlamentares se opuseram à proposta, que prevê punições administrativas para quem invadir propriedade privada.

Trechos do projeto de lei vetado por Casagrande | Foto: Divulgação/Ales
Trechos do projeto de lei vetado por Casagrande | Foto: Divulgação/Ales
Trechos do projeto de lei vetado por Casagrande | Foto: Divulgação/Ales
Trechos do projeto de lei vetado por Casagrande | Foto: Divulgação/Ales

Em resposta, Casagrande vetou totalmente o projeto e embasou sua decisão em um parecer da Procuradoria-Geral do Estado, que se manifestou para barrar a medida. No documento enviado ao presidente da Ales, deputado Marcelo Santos (Podemos), o órgão alegou que, “sob o prisma jurídico constitucional, o autógrafo de lei incorre em diversos vícios de inconstitucionalidade de cunho material e formal”.

Casagrande, em seu posicionamento, disse que os “movimentos sociais” são respaldados pela Constituição Federal e argumentou que o projeto de lei de Polese poderia comprometer a “garantia do mínimo necessário para a vida humana”.

“A luta dos movimentos sociais pelo direito à terra e à moradia possui respaldo pela Constituição Federal”, argumentou Casagrande. “A Secretaria de Estado de Direitos Humanos se manifesta contrária a iniciativa legislativa do deputado Lucas Polese, tendo em vista a inconstitucionalidade do texto e por entendermos que sua implementação é capaz de impossibilitar o acesso à tutela do Estado para garantia do mínimo necessário para existência, o que descumpre o princípio da dignidade da pessoa humana.”

Segundo o governador, “é responsabilidade de cada proprietário de imóvel manter suas condições de regularidade, incluindo a guarda e a preservação de seus limites”.

No dia 26 de junho, a Casa Legislativa votou para decidir se o veto seria mantido ou derrubado. Para derrubá-lo, eram necessários 16 votos contrários, mas apenas 14 deputados votaram contra e sete a favor. 

Um dia antes da votação, cinco deputados que apoiavam o projeto foram convocados para uma viagem. Com a falta de votos, o veto foi mantido.

Dinheiro público para o MST

Escola no assentamento Zumbi dos Palmares, em São Mateus (ES) | Foto: Divulgação/MST
Escola no assentamento Zumbi dos Palmares, em São Mateus (ES) | Foto: Divulgação/MST

O veto do governador não foi a única ação recente que expôs o apoio velado da gestão estadual aos invasores. Em 2019, um ano depois de Casagrande retornar ao cargo de governador, a Secretaria de Educação do Espírito Santo (Sedu) retomou o diálogo com as escolas em áreas de assentamento. No dia 27 de julho daquele ano, houve uma reunião com professores para “dialogar e entender as demandas das unidades de ensino, que possuem características próprias”.

Um ano e cinco meses depois do encontro, em plena pandemia, a secretaria destinou cerca de R$ 900 mil para 25 escolas em áreas de assentamento. Cada uma recebeu R$ 35 mil para “despesas de manutenção geral”.

Em agosto de 2021, em parceria com a Superintendência Regional de Educação de São Mateus e a Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), a Sedu lançou um programa de formação por área de conhecimento para professores, coordenadores e diretores das escolas em assentamentos. 

O curso, com carga horária de 180 horas divididas em cinco módulos, incluiu encontros virtuais e presenciais, com certificação pela Ufes. A formação abordou pedagogia do movimento, contextualização por área do conhecimento, oficinas de estudo e círculos de cultura.

Na época, Valquíria Santos, chefe da Gerência de Educação, Indígena e Quilombola (Geciq), destacou que a iniciativa fazia parte das ações para “fortalecer pedagogicamente as políticas públicas da gestão”. O objetivo também era o “fortalecimento da Educação do Campo”.

A maioria dos assentamentos está no município de São Mateus, no norte do Estado. A cidade, que faz divisa com Mucuri, na Bahia, é considerada o “quartel general” dos invasores no Espírito Santo. Existem mais de cinco assentamentos, incluindo Vale da Vitória, Georgina, Córrego da Pratinha, Pontal do Jundiá e Zumbi dos Palmares.

Os assentamentos Vale da Vitória e Zumbi dos Palmares possuem “escolas do campo”. A escola de Vale da Vitória está na lista das unidades que receberam dinheiro do governo do Estado em 2021.

Avanço do MST no Estado gera preocupação

O deputado estadual Lucas Polese (PL-ES) é conheci por defender o agronegócio | Foto: Divulgação/Ales
O deputado estadual Lucas Polese (PL-ES) é conheci por defender o agronegócio | Foto: Divulgação/Ales

Mesmo com o veto, representantes da Bancada do Agro capixaba têm se movimentado para buscar soluções e tentar frear — sem o apoio estatal — o rápido avanço do MST no Espírito Santo. Muitos classificam o atual cenário como “preocupante” para os produtores rurais.

Em entrevista a Oeste, Lucas Polese, coordenador regional do movimento Invasão Zero e autor da proposta vetada pelo governador, explicou que um possível avanço do MST no Espírito Santo pode causar graves consequências socioeconômicas ao Estado. 

O deputado argumentou que a ausência de punição para as invasões do grupo não apenas prejudica a produção dos trabalhadores rurais, mas também pode levá-los a serem expulsos de suas casas e terem seus direitos de propriedade e movimentação violados. Essa observação é importante, porque 75% da produção agrícola do Espírito Santo vem da agricultura familiar.

“O avanço do MST no Espírito Santo tem um impacto direto na produção agrícola das famílias e também pode representar uma mudança direta na economia do Estado, visto que não temos grandes latifúndios e dependemos da agricultura familiar”, explicou Polese. “Com os episódios recentes, muitos produtores rurais têm deixado de investir em suas terras pois não sabem se poderão colher os frutos de seu trabalho ou se eventualmente terão de ceder o terreno para os invasores.”

Segundo o deputado, além dos fatores mencionados, a insegurança jurídica é um elemento que pode afetar indiretamente toda a sociedade, uma vez que o direito à propriedade privada é assegurado pela constituição — e não é respeitado pelos sem-terrra.

Dado que o Estado não possui latifúndios, um eventual avanço do MST no Espírito Santo poderia servir de exemplo negativo para o restante do país. Isso poderia levar os invasores a abandonarem a ideia de “reocupar” terras de grandes latifundiários e começarem a ocupar terras de agricultores familiares, o que afetaria suas residências e meios de subsistência.

Como Casagrande está em seu segundo mandato consecutivo, não poderá concorrer à reeleição em 2026. Há especulações nos bastidores de que ele poderá buscar uma vaga no Senado. Polese acredita que, caso o governador enfraqueça politicamente, será possível avançar na tramitação de projetos contra invasões de terra na Assembleia Legislativa. 

No entanto, até que isso ocorra, não seria injusto descrever o governo do Espírito Santo — que ignora o fato de o Estado ser um dos principais redutos eleitorais da direita no país — como quem trabalha para o MST.



Via Revista Oeste

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