A guerra entre Israel e o grupo terrorista do Hamas completou um ano no dia 7 de outubro de 2024. De lá para cá, o mercado internacional tem sofrido com diversas consequências que afetam diretamente o cotidiano das pessoas ao redor do mundo.
O aumento do preço da gasolina, por exemplo, materializa as consequências do conflito no Oriente Médio, visto que grandes embarcações com barris de petróleo passam por essas regiões do confronto.
No que diz respeito à globalização e movimentação de mercadorias, uma das alas comerciais que mais sofreram com o imbróglio geopolítico foi a logística marítima.
Isso ocorre porque os navios responsáveis pelo transporte de petróleo, fertilizantes, alimentos e outros produtos ficaram vulneráveis à mudança de rotas, pirataria e zonas de combate.
Com o aumento das tensões no Oriente Médio, os cenários de riscos aumentaram exponencialmente o frete da embarcação, o seguro do navio e também a apólice da carga que está sob cruzeiro. Ou seja, os perigos afetaram diretamente o consumidor final — seja na bomba de gasolina, seja na gôndola do supermercado.
As consequências da guerra para o Brasil
Segundo Arthur da Anunciação Neto, sócio e diretor da agência marítima Alphamar, o maior risco para o Brasil é o petróleo.
“Se o preço do barril de petróleo aumenta, a gasolina e o diesel também aumentam”, afirmou Neto a Oeste. “Somos um país que tem uma altíssima dependência do transporte rodoviário. Quando a gente fala de aumento de petróleo no Brasil, na verdade, estamos falando de todo um risco em cadeia para a nossa economia.”
O executivo também afirmou que o agronegócio é afetado pelas zonas de risco da guerra. Isso ocorre porque o governo brasileiro tem um canal de negócios muito forte com o Oriente Médio para a exportação de carnes, aves congeladas e granel.
Neto explicou que a maioria dos produtores dessas commodities não possui embarcações próprias de transporte. As mercadorias são armazenadas em contêineres que transitam por zonas de combate, que colocam a carga e a tripulação em risco.
“O transportador vai cobrar mais caro para ir com um navio contêiner até o Oriente Médio”, explicou Neto. “Existe um risco inerente muito grande.”
O ataque terrorista contra navios comerciais e a morte de pessoas inocentes
Em novembro de 2023, o grupo rebelde Houthi, apoiado e financiado pelo Irã, passou a atacar navios comerciais que passavam pelo Mar Vermelho como forma de retaliação à defesa de Israel contra o Hamas.
Segundo os próprios xiitas, a missão é tentar afundar embarcações norte-americanas e britânicas, na operação que eles batizaram de “Batalha da Promessa e Jihad Sagrada”. Na cultura islâmica, o termo Jihad é usado para identificar “guerras santas” contra não muçulmanos.
Geograficamente, a área de atuação dos Houthis abriga uma das passagens marítimas mais importantes do mundo, o Estreito de Bab-el-Mandeb, na entrada do Mar Vermelho.
Junto do Canal de Suez, o Estreito de Bab-el-Mandeb é fundamental para a rota entre o Mar Mediterrâneo e a Ásia, que contribui para o barateamento do frete marítimo das embarcações e para o dinamismo da logística internacional.
“Quem controla um canal, ou qualquer ponto que limite a passagem, garante o fluxo de comércio de uma região”, afirmou o diretor da Alphamar. “Diz quais vão ser as exportações e as importações. Dita o ritmo de comércio.”
Com base no Iêmen, de onde operam mísseis e drones, os extremistas afirmaram que não vão cessar os ataques até que os soldados israelenses deixem a Faixa de Gaza.
Desde o começo da guerra, o Houthi conseguiu afundar dois navios, matar três tripulantes e danificar diversas embarcações.
A nova rota para evitar os ataques
Com as constantes ameaças dos Houthis, as grandes companhias de navegação prontamente desviaram as rotas para evitar o Estreito de Bab-el-Mandeb, visto que um navio cargueiro de grandes dimensões custa, em média, US$ 130 milhões (cerca de R$ 712 milhões). Além do valor da carga, que gira em torno de US$ 40 milhões (cerca de R$ 216 milhões).
Os cargueiros passaram a contornar a costa atlântica da África e acessar a Ásia pelo Cabo da Boa Esperança, no extremo sul do continente.
O novo trajeto, que prolonga a viagem em 15 dias, provocou um encarecimento de 121,59% no frete marítimo.
Segundo os dados do índice Freightos Baltic, o fretamento saiu de US$ 1,1 mil, no dia 1° de dezembro de 2023, para US$ 2,6 mil, no dia 12 de janeiro de 2024. Um dia depois do ataque, o barril do petróleo abriu o mercado a US$ 90. Durante o dia, chegou a custar US$ 93.
O eixo terrorista entre Hamas e o Houthi se estende para outras duas entidades: o Hezbollah, no sul do Líbano, e o próprio Irã. Uma aliança coordenada pelos próprios iranianos que a definem como o “Eixo da Resistência“.
“Tenho relatos de seguradoras que falam de viagens que deveriam ter durado uma média de 40 a 45 dias, que duraram quase 100 dias”, disse Arthur Neto. “Porque o navio chegou na metade do Canal de Suez, voltou e desceu a costa da África inteira para evitar toda essa situação. Isso aconteceu muito.”
O Estreito de Ormuz e o financiamento bélico do Irã
Os ataques contra Israel ocorrem de todos os lados, desde o combate corpo-a-corpo com terroristas do Hamas em Gaza até a ofensiva com drones por parte do Hezbollah e mísseis balísticos do Irã. Neste contexto, Teerã aparece como principal financiadora dos atos terroristas, mesmo se o Irã é uma potência xiita e persa e o Hamas é um grupo de árabes majoritariamente sunitas.
No dia 1° de outubro, o Irã deixou de atuar nos bastidores e atacou diretamente Israel pela primeira vez em sua história.
Teerã lançou 181 misses contra o território israelense como retaliação pela morte de líderes do Hamas e do Hezbollah. Um deles, Ismail Haniyeh, eliminado por Israel dentro do próprio território iraniano, logo depois de ter participado da cerimônia de posse do novo presidente iraniano.
Segundo as autoridades israelenses, eles conseguiram conter a maioria dos vetores com o sistema antimíssil “Domo de Ferro” e com um navio de guerra enviado pelos Estados Unidos, além de contar com a ajuda de países árabes vizinhos, como a Jordânia.
Dias depois da ofensiva, o Irã ameaçou fechar o Estreito de Ormuz, região por onde transita cerca de 30% do petróleo do mundo.
A região marítima conecta o Golfo Pérsico ao Oceano Índico e é vital para o comércio internacional petrolífero.
Segundo a Agência de Energia dos Estados Unidos (EIA, na sigla em inglês), ao menos 21 milhões de barris passam, diariamente, pelo estreito.
A porção de água tem 210 quilômetros de extensão e 100 quilômetros de largura no ponto mais aberto entre as costas.
A ameaça do governo iraniano prejudica o próprio país
Apesar das ameaças, o próprio governo iraniano tem uma dependência muito grande na logística do Estreito de Ormuz. Atualmente, o país é o quinto maior comprador de milho do Brasil.
“Temos mais de 1,5 milhão de toneladas de grãos, fertilizantes e açúcar, três grandes cargas de granel do Brasil, em exposição no Oriente Médio pelos próximos 45 dias”, explicou o agente marítimo.
No entanto, caso o estreito realmente seja fechado e as tensões tomem proporções maiores, a produção brasileira pode ser diretamente afetada.
“Pode trazer dificuldade para um ano já complicado, principalmente na área de carne e de milho”, alertou o especialista.
O que acontece se o Irã fechar o Estreito de Ormuz?
Caso o Irã decida fechar o Estreito de Ormuz, boa parte do fluxo de petróleo no mundo será afetado. No entanto, a passagem deve continuar em operação por meio de oleodutos — embora em escalas menores.
“Isso vai elevar o preço do barril de petróleo, que em consequência vai causar um escalonamento no preço do mundo todo”, explicou Arthur Neto. “Se fechar, o petróleo não sai. Apenas por oleodutos.”