segunda-feira, janeiro 6, 2025
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O fim de ano da família expulsa da própria fazenda pelo Incra

Há aproximadamente 70 anos, a família Bettim celebra as festas de fim de ano na Fazenda Floresta e Texas, na zona rural de São Mateus (ES). Entretanto, a perspectiva de serem expulsos do próprio lar trouxe uma carga de angústia para o Natal de 2024. E a virada de ano foi tão triste quanto.

Essa carga de tormento é fruto de uma decisão da Justiça do Espírito Santo, que deu aos Bettim o prazo até 13 de fevereiro para desocupar a terra — caso não saiam, serão retirados pela polícia. A fazenda é o lar de 16 pessoas, das quais a maioria é composta por crianças e idosos, e fonte de emprego para capixabas aptos a ajudar nas colheitas. 

A família foi informada sobre a desapropriação em 18 de dezembro. Viviane Bravim Bettim, mãe de duas crianças, não consegue mais dormir direito desde então. “Estamos sendo pressionados a desocupar a terra antes de uma sentença definitiva”, diz ela a Oeste. “Isso nos coloca em uma situação ainda mais angustiante.”

“O prazo é completamente insuficiente”, conta Viviane. “Não temos tempo nem para concluir nossas atividades na terra de forma digna.” Os Bettim têm na Fazenda Floresta e Texas sua fonte de renda, e os cerca de dois meses estabelecidos pelo governo federal, por meio do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), são inviáveis tanto para a devida execução da colheita quanto para a retirada do gado. 

A preocupação com um futuro incerto assombra o fim de ano dos Bettim, cuja casa e única fonte de renda está sendo arrancada pelo atual governo
Fazenda Floresta e Texas tem cerca de 100 mil pés de café, mas Incra alega que a terra é improdutiva | Foto: Reprodução/Arquivo pessoal

Atualmente, a fazenda tem 100 mil pés de café e 500 vacas leiteiras, além do cultivo de pimenta e árvores frutíferas e uma grande parte em reserva. “A produção agrícola e pecuária da nossa propriedade é a única fonte de renda para a nossa família”, conta Viviane, entre lágrimas. 

Incra tenta desapropriar a fazenda há 15 anos

Desde 2009 o governo tenta arrancar a fazenda dos Bettim, por meio de um processo judicial do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), assinado pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva — que voltou a ocupar o cargo desde o início de 2023. Segundo Viviane, o processo voltou a tomar força em 2022, “com o Incra buscando a todo custo tomar a nossa propriedade, alegando que ela é improdutiva”.

Incra tenta desapropriar a fazenda da família Bettim há 15 anos
Membros da família Bettim na plantação de café da fazenda | Foto: Reprodução/Arquivo pessoal

A Fazenda Floresta e Texas é vizinha do assentamento Zumbi dos Palmares, do Movimento Sem Terra (MST). Nomeada em 2023, a atual diretora de desenvolvimento e consolidação de projetos de assentamentos do Incra, Rose Rodrigues, é militante do MST “há décadas”, de acordo com o site oficial do Partido dos Trabalhadores (PT). 

Já o processo contra os Bettim ainda corre na Justiça. Ou seja, não houve sentença, mas mesmo assim a família foi intimada a desocupar a fazenda. “Não sabemos o que vai acontecer”, diz Viviane, em referência à ameaça de expulsão pela polícia. “Mas já estamos sendo tratados como criminosos.”

A família já tentou mostrar ao Incra a realidade da fazenda. “Moram pessoas aqui”, ressalta Viviane. “Tem crianças, nós trabalhamos, é tudo muito comprovado.” 

A família Bettim e o deputado estadual Lucas Polese (PL-ES) | Foto: Reprodução
A família Bettim e o deputado estadual Lucas Polese (PL-ES) | Foto: Reprodução/Redes sociais

O Incra ofereceu uma indenização pelo imóvel rural — sem chance de acordo. Os R$ 32 mil por alqueire propostos são muito inferiores aos preços atuais de mercado, diz a integrante da família Bettim. “É absolutamente insuficiente para nos reerguermos, tendo em vista que o valor total da propriedade será dividido para todos que vivem em cima da terra”, relata. O montante também não seria pago à vista, mas sim por meio de títulos agrários, cujos valores não podem ser resgatados de imediato. 

Diante da falta de alternativas, a família se vê desprotegida e sem poder de ação. O medo de perder todo o patrimônio é patente. “Não temos certeza do nosso futuro, é tudo muito incerto, estacionamos, não podemos investir em nada na terra”, diz Viviane. “A nossa vida, a vida dos meus filhos, de todo mundo que vive aqui, depende muito da terra.”

Incra tenta desapropriar a fazenda de família do ES há 15 anos
Dos 16 moradores da fazenda da família Bettim, três crianças são. Há sete idosos | Foto: Reprodução/Arquivo pessoal

Se a perda do sustento financeiro preocupa, o sentimento se agrava diante da possibilidade de ter a própria história arrancada. Tanto o marido de Viviane quanto os dois filhos do casal — hoje com seis e dois anos — nasceram e foram criados na Floresta e Texas. A fazenda foi cultivada do zero e passa de pai para filho há três gerações. “Tudo foi cultivado”, lamenta a agricultora. “Tudo foi limpo, e hoje nosso atual cenário é não poder fazer nada.”

O deputado estadual Lucas Polese (PL-ES) apoia publicamente os Bettim. Ele tem feito visitas regulares à Fazenda Floresta e Texas, em uma das quais a família apresentou as escrituras do terreno e comprovantes da venda de seus produtos. O parlamentar espera conseguir reverter judicialmente a desapropriação. “Já conseguimos anular uma ação de desapropriação do PT contra outra família aqui no Estado”, afirmou ele, em uma publicação no Instagram. “Se Deus quiser, a família Bettim será a próxima.”

Viviane Bettim expressa esperança de que outros parlamentares entrem em contato para apoiar a família e diz que a fazenda está aberta para recebê-los. Ela também pede o apoio dos capixabas para pressionar as autoridades a reverterem a decisão judicial. 

“Estamos aqui e estamos abertos para receber quem quer que seja, para visitar, olhar, ver que tem lavoura, tem gado, tem tudo”, diz Viviane, para quem o caso da Fazenda Floresta e Texas deveria ser uma luta coletiva. “Se as pessoas se calarem diante da situação, quantas mais famílias Bettins vão existir?”



Via Revista Oeste

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