sexta-feira, novembro 22, 2024
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‘O Estado falhou em dar dignidade às vítimas das enchentes’, afirma voluntário que ajudou a população gaúcha

Em meio à calamidade pública que se instaurou no Rio Grande do Sul depois das enchentes e chuvas intensas, inúmeros cidadãos têm se organizado para ajudar o próximo e tentar amenizar as dores causadas pela tragédia climática. Um destes é o empresário André Beretta, de 35 anos, que conversou com a equipe de reportagem de Oeste na manhã desta segunda-feira, 13.

Beretta é natural de Canoas e reside na cidade com sua família. Ele também é sócio de uma empresa de marketing digital, coordenada no mesmo município. Ele contou que as enchentes sempre foram um problema e, por este motivo, ninguém esperava que a chegada dos temporais causaria um cenário tão catastrófico.

Nos primeiros dias das enchentes, a prefeitura não emitiu ordens de evacuação. Todas as informações sobre os alagamentos estavam sendo compartilhadas por civis, que pediram ajuda ao empresário e sua equipe ao longo da sexta-feira 3.

Diante dos relatos, Beretta e sua mulher, Gabriela Endres, e sua sócia Nicole Mallmann Freya compartilharam uma chave Pix para a arrecadação de fundos para as vítimas das enchentes.

Antes, a gestora de projetos Pâmella Santos e o copywriter Fillipe Soares, que trabalham com Beretta, tinham suas ações focadas na gestão da Academia Freya, a plataforma on-line de Nicole. Eles também se juntaram à linha de frente e atuam de forma ativa nas ações do grupo de voluntários.

No dia seguinte, foi possível visualizar a dimensão do problema. Os voluntários adquiriram 600 cobertores e começaram a fazer entregas em residências. Em uma delas, que abrigava 30 pessoas, os resgatados agradeceram a solidariedade, mas relataram que também precisavam de outros itens porque haviam perdido tudo durante a madrugada.

“Pegamos dois carros, uma HB 20 e uma caminhonete grande, e começamos a fazer as entregas”, disse Beretta, em entrevista a Oeste. “Até que recebi uma mensagem que pedia para eu ir em uma casa, pois 30 pessoas estavam precisando de ajuda, e fui. Entreguei os cobertores e perguntei se eles precisavam de mais alguma coisa, até que responderam que precisavam de tudo. Aquelas pessoas perderam tudo.”

Depois do episódio, a equipe de Beretta começou a atender outras demandas. Com os recursos recebidos na chave Pix, eles passaram a mapear os locais que abrigavam mais pessoas para adquirir os itens necessários e realizar as entregas. Até o momento, a iniciativa coordenada pelo empresário já direcionou mais de 32 toneladas de alimentos para abrigos e distribuiu 37 mil refeições.

Beretta ressaltou que grande parte das mobilizações, incluindo doações, ações de resgate e auxílio às vítimas, foi feita por cidadãos comuns. Ele também contou que, todos os dias, recebe milhares de mensagens de pessoas perguntando como podem ajudar de alguma forma.

“Não há outra explicação, a não ser Deus”, disse o empresário. “Deus está confiando o dinheiro. Deus está confiando as doações. Deus está confiando o alimento. Deus está confiando água. Deus está confiando colchão. Deus tá confiando tudo pra nós, ao nosso cuidado, para que a gente seja usado pra levar pras pessoas que realmente precisam.”

Apesar de se emocionar com a solidariedade dos cidadãos, o empresário acredita que toda a tragédia vivida pelo Rio Grande do Sul não estaria acontecendo caso os governantes tivessem se mobilizado quando os alertas de enchentes foram emitidos. “Por que, na hora da tragédia, o povo que socorreu o povo?”, perguntou. “Pagamos impostos para isso. O Estado que deveria fazer isso. O Estado falhou, e continua falhando, em dar dignidade às vítimas das enchentes”.

Grupo de voluntários de André Beretta durante uma ida ao supemercado
Voluntários da equipe de André Beretta durante uma ida ao supermercado | Foto: Reprodução/Instagram/@nicolefreya_

Burocracia, insegurança e auxílio para o pós-enchentes

Desde o início das ações voluntárias, o grupo de Beretta recebeu relatos de pessoas que tentaram ajudar com doações, mas foram impedidas ou não conseguiram entregar os itens às pessoas necessitadas. “Há pessoas que tentaram nos ajudar, doações que nunca chegaram ao destino, que foram barradas mesmo com nota fiscal”, explicou. “É uma espécie de confisco de doações. Não sabemos o motivo e nem quem ordenou, mas acabaram atrapalhando quem quis ajudar de alguma forma”.

O empresário disse que alguns voluntários nas cozinhas foram interrompidos por pessoas que afirmavam ser da Prefeitura de Canoas. Eles fecharam as cozinhas, dizendo que a distribuição de comida seria feita pela prefeitura. No ponto de distribuição da gestão municipal, muitos dos afetados passam horas na fila para receber cestas básicas.

Beretta afirma que seu grupo encontrou uma forma mais rápida e eficaz de realizar a distribuição dos alimentos. Eles se colocaram à disposição para auxiliar na logística. Contudo, não houve contato por parte de agentes da Prefeitura de Canoas.

“As pessoas estão passando fome, e se a prefeitura pedir minha ajuda, vou amar ajudar”, afirmou o empresário. “Só quero que as pessoas parem de passar fome, que tenham dignidade de vida, que estejam em segurança.”

Os voluntários também enfrentam a insegurança causada pela ausência das forças policiais, que estão empenhadas em resgates e abrigos. Nos primeiros dias, quando os recursos ainda estavam armazenados na sede da empresa de Beretta, pequenos grupos tentaram invadir os portões para cometer saques. Também foram recebidos relatos de pessoas que foram entregar doações e tiveram seus veículos roubados.

Em virtude desses episódios, a equipe se organizou e alugou um pequeno galpão para receber e distribuir as doações. Todos os itens recebidos são provenientes da iniciativa privada ou de pessoas que contribuíram do próprio bolso para ajudar a causa.

Recentemente, com o aumento da estrutura, equipe começou a fazer entregas fora de Canoas. Eles querem alcançar cidadãos ilhados em outros municípios. Para esta tarefa, o grupo conta com o auxílio de proprietários de jipes e outros veículos que conseguem chegar em áreas de difícil acesso.

Segundo o empresário, neste momento, o principal desafio é manter o fluxo de doações e garantir que os voluntários possam atender as vítimas nos próximos 60 dias. “Temos como alimentar, ajudar as pessoas por mais alguns dias, mas tenho medo de esquecerem sobre o Rio Grande do Sul e as doações diminuirem”, disse. “Ainda não chegou ninguém maior do que a gente para atender a todas essas demandas. Não sabemos o que será dessas pessoas nos próximos 60 dias”.

Apesar desses desafios, Beretta acredita que sua equipe foi chamada para um propósito e afirmou que, mesmo se enfrentarem obstáculos, não irão desistir.

“Provavelmente, o Estado vai me atrapalhar na hora de fazer meu imposto de renda, o meu contador vai ter um grande problema”, compartilhou. “Mas, se fui poupado, é porque Deus tem um propósito. E sou muito grato por isso, pois fui preparado e estou sendo usado para ajudar quem precisa. Até agora, não tive problemas, mas se começarem a me atrapalhar, nós encontraremos outra forma de continuar a prestar assistência para as vítimas”



Via Revista Oeste

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