O espaço sideral tem cheiro? Essa aparente impossibilidade técnica (pois o cosmos é um vácuo) foi abordada em uma entrevista recente da BBC, na qual três ex-astronautas esclareceram os perrengues dos colegas americanos Suni Williams e Butch Wilmore, retidos na Estação Espacial Internacional (ISS), após sua nave Boeing Starliner ser considerada insegura para um retorno tripulado à Terra.
A questão se referia especificamente à forma com a qual esses hóspedes inesperados, cuja missão passou de oito dias para oito meses, conseguiriam lidar com os desafios do dia a dia.
Ou seja, como habitar a 400 km acima do planeta, conviver com companheiros problemáticos, além da prática de exercícios, lavagem da roupa suja, alimentação e, o mais importante, a questão do “cheiro espacial”.
Este último tópico, normalmente pouco debatido, foi explicado por Helen Sharman, a primeira astronauta britânica, que passou oito dias na estação espacial soviética Mir em 1991.
Ela diz que “na Terra, temos muitos cheiros diferentes, como o de roupa da máquina de lavar ou ar fresco. Mas no espaço há apenas um cheiro, e nos acostumamos a ele rapidamente”.
Segundo a veterana espacial, essa improvável experiência olfativa ocorre no retorno das famosas caminhadas espaciais.
Qualquer objeto que vai para o exterior, seja um traje ou um kit científico, é afetado pela forte radiação cósmica.
“A radiação forma radicais livres na superfície, e eles reagem com o oxigênio dentro da estação espacial, criando um cheiro metálico“, diz Sharman.
Como os astronautas conseguem perceber o cheiro do espaço?
Tecnicamente, o cheiro, também conhecido como odor, resulta da percepção sensorial de substâncias químicas voláteis (que evaporam facilmente à temperatura ambiente) pelo nosso sistema olfativo.
Dessa forma, a explicação do cheiro percebido pelos astronautas na ISS pode estar relacionada a uma reação química ocorrida durante a repressurização.
Conhecido como oxidação, esse processo é chamado de queima fria (cold burn) porque não há chama nem fumaça, mas apenas o cheiro característico de solda queimada.
No retorno à estação espacial, após uma atividade extraveicular (EVA), os astronautas trazem aderidos aos seus trajes átomos individuais de oxigênio.
Quando esse oxigênio atômico se combina com o oxigênio respirável (O2), formam o ozônio (O3), cujo cheiro é normalmente descrito como metálico ou o resultante de faíscas ou curto-circuitos.
Uma outra explicação para os odores espaciais são os chamados hidrocarbonetos aromáticos policíclicos (HAPs).
Eles são encontrados no espaço, como resultado da energia liberada pela morte de estrelas, mas também estão presentes em nossas cozinhas, ao queimarmos torradas ou a carne do churrasco.
O cheiro das galáxias
O motivo pelo qual os complexos orgânicos HAPs acontecem tanto no espaço quanto em nosso dia a dia é porque eles se formam em ambientes de alta temperatura, que quebram e reorganizam moléculas orgânicas.
Na Terra, isso acontece durante processo de combustão incompleta de matéria orgânica. Isso pode estar relacionado à queima de madeira em queimadas, carvão, petróleo e alimentos.
No âmbito doméstico, esses anéis de carbono fundidos se formam todas as vezes que deixamos alimentos queimarem, como churrasco, torradas e comida carbonizada, além de aparecerem constantemente na fumaça de cigarros e poluição dos veículos.
Já a história do cheiro espacial começou com os primeiros passeios cósmicos. Durante os pousos lunares, os astronautas da Apollo frequentemente comentavam sobre um cheiro semelhante a pólvora quando voltavam à câmara de descompressão e retiravam seus capacetes.
As primeiras EVAs da ISS também foram marcadas por relatos de cheiro de pólvora, ozônio e bife queimado.
Continuando a jornada sensorial pelo Sistema Solar, encontraremos moléculas de amônia em Júpiter e Urano, que têm cheiro de urina e suor.
A coisa piora em Vênus, Marte e Urano, onde impera o sulfeto de hidrogênio, ou o gás de esgoto, com cheiro de ovos podres.
Nos cometas, foi detectado o delicioso (e mortal) cianeto de hidrogênio, um cheiro amargo de amêndoa, também encontrado na atmosfera de Júpiter — e em alguns romances de Agatha Christie.
Mas nem tudo fede no Universo.
Bem no centro da Via Láctea, a cerca de 26.000 anos-luz da Terra, fica a nuvem molecular gigante Sagitário B2, uma das maiores da nossa galáxia. Nesse berçário de estrelas, foi descoberto o formato de etila, um composto químico orgânico, cujo cheiro é geralmente associado ao rum e ao sabor das framboesas.
Junto com o conhecido espetáculo de brilhos e cores, o Universo também abriga uma química fascinante de moléculas ao longo de muitas eras, desde estrelas que estão nascendo até bilhões delas que já morreram.
Muitas dessas moléculas são inodoras, outras doces e uma grande quantidade nojentas. De qualquer forma, é um bouquet fascinante, mas altamente mortal para sommeliers humanos.