segunda-feira, março 3, 2025
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O drama das crianças com autismo nas escolas

Um adolescente de 15 anos viveu momentos dramáticos em uma escola pública estadual do Recife. Sem entender o motivo, foi duramente espancado pelos seus colegas — o que resultou em graves sequelas. Por medo de represália dos agressores, escondeu a dor até da família. Uma das fortes pancadas que sofreu na cabeça lhe fizeram perder a visão. Em pânico, precisou contar aos pais. No entanto, àquela altura, o dano já era irreversível.

O garoto sofre de Transtorno do Espectro Autista (TEA) e não soube lidar com a situação. Apavorado, deixou de frequentar a escola quando o assunto veio à tona. Em entrevista à afiliada do SBT da capital pernambucana, o pai da vítima, que não quis se identificar, disse que tentou conversar com os familiares dos alunos responsáveis pelo ataque, mas eles fizeram pouco caso. “Até riram da história”, relatou. “Estou cansado de ver meu filho sendo tratado como um ‘doido’ que não merece respeito”, lamentou o homem.

O caso, que ocorreu em maio de 2024, não é isolado. Alguns meses antes, um menino de 8 anos, também diagnosticado com autismo, foi obrigado por outras crianças mais velhas a comer fezes, dentro do banheiro de uma escola pública de Jaboatão dos Guararapes, Região Metropolitana do Recife. A vítima chegou em casa com a roupa suja, vomitando e com crise de ansiedade. Isso o deixou bastante agressivo, segundo relato da família à imprensa.

Depois do ocorrido, os parentes denunciaram que o menino estava sem o acompanhamento especializado dentro da escola, exigido por lei.

Os pais alegam que a falta de supervisão adequada da instituição levou os estudantes a cometerem o abuso. A prefeitura do município disse que iria apurar o assunto. Nos dois episódios, o Conselho Tutelar foi informado. 

O autismo no Brasil

Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), há cerca de 2 milhões de pessoas com TEA no Brasil. Com o aumento do número de crianças diagnosticadas com o transtorno, as famílias se deparam com um desafio que dificulta o melhor desenvolvimento dos seus filhos: o acesso a uma educação que se adeque às suas necessidades especiais.

De acordo com o Censo Escolar 2023, divulgado em 22 de fevereiro, há mais de 636 mil estudantes com autismo matriculados nas escolas do Brasil. Quando crianças e adolescentes dependem da rede pública de ensino, encontram um problema ainda maior: o despreparo das instituições e dos seus profissionais, que dificulta o aprendizado e a socialização desse grupo dentro do ambiente escolar.

Relatos de descasos e de falta de acompanhamento adequado, que podem levar a casos de violência, são descritos por pais de crianças com autismo em diversos Estados. Eles se queixam do descumprimento de direitos garantidos pela legislação, como a Berenice Piana, que assegura à pessoa com o transtorno acesso à educação e supervisão permanente de um tutor em sala de aula. 

Bullying escolar 

Um estudo de 2021, que envolve as universidades Regional do Cariri (CE), Federal do Paraná e Estadual do Ceará, avaliou o envolvimento de alunos com TEA em situações de bullying escolar no país e verificou que mais de 60% dos alunos relataram episódios de maus tratos por parte de colegas do colégio.

A pesquisa identificou situações de bullying em estudantes com autismo segundo com relatos de 19 alunos, 63 pais e 51 professores de uma escola pública de Fortaleza, capital cearense, que faz atendimento especializado. Segundo o levantamento, embora a maioria compreenda a gravidade do problema, um grupo de professores minimizou a situação, caracterizando-a como “brincadeira entre criança”.

A despeito da visão dos entrevistados, as pesquisadoras Carla Falcão, Ana Pereira e  Dayse Alves afirmaram na publicação que “o bullying escolar materializa-se em uma relação desigual de poder entre agressores e vítimas, pois estas, geralmente, têm dificuldades para defender-se das provocações”.

Isso ocorre porque, segundo o estudo, a vítima de agressão ou intimidação pode apresentar um déficit de habilidades sociais para se defender e resolver conflitos. Além disso, suas amizades são instáveis. Já o agressor pode sentir-se superior na relação de violência por apresentar maiores altura, idade ou força física, como também por ter seus comportamentos reforçados por seus pares.

O que é o autismo

O TEA é definido como um transtorno do neurodesenvolvimento que se caracteriza por comportamentos restritos, repetitivos e estereotipados, além de déficits na comunicação e na interação social. Os pesquisadores descobriram que crianças com tais características são intimidadas de três a quatro vezes mais que os colegas sem o transtorno. Isso gera impactos negativos para sua saúde mental — o que aumenta, inclusive, o risco de suicídio.

Instituição filantrópica fundada em Brasília por pais de crianças com TEA, a Associação Brasileira de Autismo Comportamento e Intervenção (Abraci) afirma que, em muitos casos, a própria escola rotula a criança que possui o transtorno e faz dela a maior culpada pelos ataques de bullying.

Recentemente, uma das 140 famílias que compõem o grupo relatou que seu filho, pré-adolescente, teve uma “crise de fúria” e jogou uma cadeira em uma colega de turma, dentro de uma escola pública na capital federal. 

Como resultado, a professora e os pais da menina registraram um boletim de ocorrência contra os pais do agressor. Estes tiveram de procurar um advogado para entrar com um processo de habeas corpus preventivo, cabível para quem se sentir ameaçado ou coagido.

Presidente da Abraci, Lucinete Ferreira Andrade denuncia a tentativa de “criminalização do autista” nas escolas no Brasil. “É comum encontrar escolas que não cumprem a legislação e, portanto, que não oferecem um acompanhamento monitorado, feito por um profissional especializado e preparado para atender às necessidades dos pacientes com TEA em sala de aula”, denunciou. “Sem o estímulo adequado, o aluno fica ocioso e ainda mais ansioso, o que pode levar a atitudes agressivas no ambiente escolar.”

Para a especialista, é mais fácil culpar a criança autista e os seus familiares do que cumprir a lei e corrigir as falhas de uma instituição. “Não é fácil encontrar uma instituição pública de ensino que tenha um plano educacional individualizado para a criança com TEA”, critica.

O que leva a criança a ter um comportamento agressivo?

Psicóloga com pós-graduação em Análise do Comportamento Aplicada (ABA) pelo Instituto Par, em São Paulo, Andrea Cordeiro explica que a criança não sofre um episódio de descontrole comportamental, que pode gerar atos de violência, sem que haja uma razão específica. 

Conforme a especialista, o fato de a criança não ter um acompanhamento adequado em sala de aula, com um profissional que a ajude a modular seus sentimentos e percepções, já é motivo suficiente para reagir de forma ofensiva. 

“A depender do nível do espectro, o autista pode se descompensar por causa da sua sensibilidade a estímulos sensoriais (como um barulho que o incomode muito) ou pela dificuldade de expressar verbalmente suas emoções, e isso pode tirá-lo do eixo”, esclarece a psicóloga.

Segundo Andrea, a atitude ideal dos responsáveis pela criança é ensinar, por meio de pistas visuais (cartazes ilustrativos do comportamento adequado em situações de conflitos), o que é certo ou errado — sem receio de repreendê-la por suas atitudes. “Com a repetição, se orientado de forma bastante objetiva e incisiva, o autista aprende regras essenciais de comportamento, e a chance de ele ter atitudes agressivas acaba diminuindo bastante”, esclarece a especialista.

Câmara discute a proteção ao portador de TEA

A Comissão de Defesa dos Direitos das Pessoas com Deficiência da Câmara dos Deputados promoveu em maio de 2024 uma audiência pública sobre o combate e a prevenção ao bullying contra pessoas com Transtorno do Espectro Autista e pessoas com deficiência. Os parlamentares ouviram profissionais da área e familiares de pacientes pela necessidade de apoio na implantação de programas educativos. Estes teriam o intuito de prevenir o bullying e promover uma inclusão escolar efetiva dos estudantes com TEA. 

O pedido para realização do debate foi do deputado Glaustin da Fokus (Podemos-GO). “As consequências do bullying para pessoas com deficiência podem ser devastadoras”, comentou o parlamentar. “O desrespeito, a discriminação, a violência física e verbal podem minar não só a autoestima, mas a capacidade de participar plenamente da vida em sociedade.”

Fokus pretende, por meio de políticas públicas, apoiar as vítimas e conscientizar os agressores. “Podemos construir um ambiente mais inclusivo e acolhedor para todos”, afirmou. “Por isso, buscaremos ações decisivas para solucionar esse problema.”

Via Revista Oeste

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