(J. R. Guzzo, publicado no jornal O Estado de S. Paulo em 18 de janeiro de 2024)
O calamitoso debate que acaba de se ver entre os candidatos à prefeitura da maior, mais rica e mais moderna cidade do Brasil deixou as classes culturais indignadas com as cenas de sarjeta ali exibidas, e com os responsáveis por elas. Condena-se severamente o candidato que deu cadeiradas ao vivo no adversário — ou então defende-se o seu “direito de legítima defesa da honra”, como alegavam antigamente os advogados de defesa dos maridos traídos. Condena-se o candidato que recebeu as cadeiradas, pelos insultos que fez ao opositor. Condena-se os partidos que lançaram um e outro na disputa pela Prefeitura de São Paulo.
Tudo isso é muito razoável, mas deixa de lado o que provavelmente está no coração do problema: como e por que a eleição para escolher o prefeito da cidade tida como a mais civilizada do Brasil foi acabar desse jeito. É isso que São Paulo tem de oferecer aos eleitores — não haveria, entre os 9 milhões de pessoas aptas a votar e receber votos no município, nada um pouco melhor? Tem de haver, pela lei das probabilidades e pela lógica elementar. Mas o que se está vendo na vida real é a exaustão absoluta do eleitor com a política “normal”. O que aparece, então, é a política anormal.
Zero por zero, porque não mais um zero — e que não enche a paciência do eleitor com “programas de governo”, “políticas públicas”, “planejamento” e outras mentiras contadas com boa educação? O fato indiscutível é que os candidatos descritos como absurdos só existem porque um número cada vez maior de eleitores não respeita, não se interessa e não acredita nos candidatos “aceitáveis” — os oriundos das estruturas políticas que estão aí. Para resumir a opera: dá para alguém levar a sério uma atividade em que o senador Rodrigo Pacheco, por exemplo, é tido como “importante”?
A Prefeitura de São Paulo é como o restante do Brasil
Nem se fale do resto. Há o chefe de governo que promete combater as queimadas do Brasil em Nova York — denunciando a “crise do clima” como culpada pela incompetência terminal de seu governo no trabalho mínimo de prevenção aos incêndios. Há a clara percepção que o país é governado, nos mais diversos níveis, por fugitivos de uma colônia penal. Há o STF, que proíbe 20 milhões de brasileiros de se expressarem no X — e que devolve aos corruptos confessos os bilhões de reais que pagaram em multas para não serem presos. Há o ministro que assediava mulheres. Há os ministros que usam dinheiro público para construir estradas em suas fazendas.
Por que qualquer dessas coisas, e todas as outras iguais a elas, seria melhor do que as cadeiradas? Por que as mentiras ditas pelos candidatos a prefeito de São Paulo seriam piores que as mentiras ditas pelo presidente da República? Por que tantos eleitores não têm mais nenhuma paciência com os candidatos tidos como “sérios”? O Brasil bem pensante põe a culpa nas deficiências do eleitorado. Só está interessado no seu bem-estar pessoal. Não pensa num “projeto de país”. Fica vendo coisa na internet, em vez de ler e ouvir os analistas políticos. Pode ser. Se for, vai ser preciso importar de fora um outro eleitorado.