Em 7 de outubro, o Hamas invadiu Israel e fez um massacre. Foram 1,4 mil mortos. Além de israelenses, os terroristas mataram cidadãos de 41 países diferentes que ali estavam, incluindo do Brasil. O episódio poderia ter marcado uma renovação da pauta antissemita entre os intelectuais, mas acabou revelando o contrário: na universidade, basta mascarar o antissemitismo de “defesa do povo palestino” para que ele seja aceito.
Em 10 de outubro, o Diretório Central dos Estudantes (DCE) da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio) publicou um posicionamento nas redes sociais. “Nota em solidariedade ao povo palestino e aos civis vitimados pela guerra”, dizia o título.
+ Leia mais notícias do Mundo em Oeste
Na texto, o grupo alega que Israel, “apoiado por Bolsonaro”, promove “assassinatos, prisões, invasões de casas, roubos de terra e outros crimes dos direitos humanos” contra os palestinos. Naquele dia, já havia a confirmação de mais de mil mortos em Israel.
Esse apoio não surgiu agora. Em 2021, quando deputados de esquerda assinaram, ao lado do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), um manifesto a favor do Hamas, a comunidade acadêmica não ficou de fora. A lista de apoiadores incluiu o Grupo de Estudos Retóricas do Poder e Resistências (Gerpol), da Universidade de Brasília (UnB); uma professora de antropologia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN); um professor da Universidade Estadual do Ceará; e um professor do departamento de economia da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).
Mas o antissemitismo universitário não é exclusividade dos brasileiros. Em 8 de outubro, um dia depois da invasão dos terroristas, 31 organizações estudantis da Universidade Harvard, nos Estados Unidos, publicaram uma nota afirmando que o “o regime israelense é inteiramente responsável por todos os desdobramentos da violência”. Eles também acusaram Israel de impor um regime de apartheid sobre os palestinos e disseram que, “nos próximos dias, os palestinos serão forçados a suportar todos os pesos da violência de Israel”.
A nota causou reações. Alguns empresários e instituições decidiram encerrar o patrocínio que davam à universidade, incluindo a Fundação Wexner. A fundação é gerida por Leslie Wexner, ex-CEO da Victoria ‘s Secrets e filho de imigrantes judeus russos. “Estamos chocados e enojados com o lamentável fracasso da liderança de Harvard em tomar uma posição clara e inequívoca em relação aos bárbaros assassinatos de civis inocentes de Israel”, disse Wexner.
“O veneno antissemita”, artigo de J. R. Guzzo publicado na Edição 187 da Revista Oeste
Outros foram além e manifestaram seu antissemitismo de modo direto. É o caso de Fernanda de Melo, bacharel em relações internacionais e pós-graduanda em gestão de políticas públicas da Universidade de São Paulo (USP).
Confirmada como palestrante na aula pública “A questão da Palestina” na USP, Fernanda comemorou o assassinato de Bruna Valeanu, de 24 anos, em Israel. “Foi tarde”, disse Fernanda, sobre a jovem brasileira-isralense, no Twitter/X. Em entrevista à revista Fórum, dois dias depois da invasão do Hamas, Fernanda acusou Israel de fazer apartheid contra a população de Gaza.
As causas do antissemitismo no ambiente acadêmico
Nas redes sociais, estudantes de diferentes universidades do Brasil dizem que Israel é um “país que não existe”. Os estudantes têm certeza de que quem reconhece o Estado de Israel o faz porque não estudou suficientemente. Mas isso não é algo novo.
“Há um movimento muito organizado contra Israel na mídia e nas universidades”, diz professor
O cientista político Heni Ozi Cukier, ex-deputado estadual e professor conhecido como HOC, conta que a posição anti-Israel da esquerda universitária tem suas raízes no marxismo. Ele, que também é judeu, explica que a ideia de combater o “imperialismo” norte-americano também contribui para isso, já que os Estados Unidos são aliados de Israel.
“A perseverança do povo judeu”, artigo de Ana Paula Henkel publicado na Edição 189 da Revista Oeste
HOC argumenta que Israel é um país distinto dos vizinhos do Oriente Médio. “Do ponto de vista econômico, democrático e político”, observou, ao lembrar que os israelenses adotam o capitalismo de livre mercado, a liberdade de expressão e a tolerância de ideias. Esse conjunto de valores é incomum nos países árabes.
“Outra explicação é puro ódio e antissemitismo, o racismo contra judeus”, acrescenta HOC. “A combinação entre o preconceito e a ideia de ‘opressor’ constrói a narrativa de que os israelenses não precisam ser ajudados, não merecem empatia e consideração.”
HOC afirma que os movimentos de esquerda subjugam os judeus, embora digam defender as minorias. “Como é que existe um preconceito contra uma minoria?”, perguntou o professor. “Que os judeus claramente são, isso é incontestável — pelo tamanho da população judaica espalhada pelo mundo e pelo Estado de Israel, que é muito pequeno. Mas uma minoria que a ideologia da esquerda conseguiu classificar como forte, poderosa e opressora de maiorias inteiras.”
“É como o Sleeping Giants, só que internacional”
Igor Sabino, doutor em ciência política e professor no curso de relações internacionais do Instituto Brasileiro de Mercado de Capitais (IBMEC) de Belo Horizonte, contou que foi alvo de chacota ao se posicionar a favor de Israel — quando ainda era universitário.
“Ali entendi que havia um movimento muito forte, muito organizado, que busca minar o apoio a Israel na mídia e nas universidades”, disse Sabino.
Um exemplo citado pelo professor é a Middle East Studies Association (Mesa), ou Associação de Estudos do Oriente Médio. Com sede nos Estados Unidos, a Mesa tem resoluções que boicotam Israel, segundo Sabino.
“Quando um cantor decide fazer um show em Israel, começam a pressionar para que ele não faça esse show”, diz Sabino. “É como um Sleeping Giants, só que no nível internacional.” A Puma, por exemplo, está sendo boicotada por patrocinar a Seleção de Futebol de Israel.
Quando Igor Sabino era estudante, disse que foi aconselhado por uma professora a não fazer de Israel seu objeto de estudo para poder ter sucesso na jornada acadêmica. “Se você quer seguir na carreira acadêmica, se você deseja estudar Oriente Médio, não escreva, não pesquise, a princípio, sobre Israel”, aconselhou a docente.
O cientista político lembra que assistiu a duas guerras contra Israel em 2012 e 2014, quando estava se graduando, e que todos os professores eram “abertamente pró-Palestina”.
Diferentemente de outras instituições, no IBMEC, Sabino tem liberdade para se posicionar a favor de Israel sem constrangimentos. “Não nego o meu viés, porque acho que não existe neutralidade quando o assunto é Israel e Palestina, principalmente na universidade”, diz o professor, que hoje também é gerente de conteúdo do braço brasileiro da Stand With Us, organização educacional que apoia Israel e combate o antissemitismo. “A diferença é que não finjo que não tenho viés. Deixo claro para que as pessoas que consomem o conteúdo possam tirar suas próprias conclusões.”
Resultado da campanha: muitos universitários enxergam judeus como um “povo mau”
Victor Menna, graduado em história e estudante de Direito da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), conta que os colegas ficam chocados por ele ser sionista — isto é, apoiar a existência do Estado de Israel.
Ele também já ouviu que é absurdo alguém ser formado em história e defender Israel. “Quando você afirma que é sionista, todo mundo já fica meio em choque”, disse. “Acho que isso acontece por causa do desconhecimento dos universitários sobre a questão de Israel e da Palestina. A galera fica bolada, porque reconheço Israel e o direito dele se defender.”
Menna disse perceber que muitos comportamentos de intelectuais de esquerda não são ataques explícitos ao povo judeu, mas possuem um teor antissemita quando analisados em suas últimas consequências.
“Não tenho outro país além de Israel”, artigo de Andrea Samuels publicado na Edição 189 da Revista Oeste
A cultura universitária, segundo ele, impele os estudantes a defenderem a Palestina. Mesmo que haja informações sobre o ataque terrorista do Hamas a Israel, que inclui o estupro de mulheres, rapto de civis, massacre e até decapitação de bebês, os defensores radicais “não fizeram nenhum tipo de releitura no discurso que têm em relação a Palestina ou ao Hamas”.
Para Menna, os universitários romantizam o Hamas porque o veem como um grupo que luta contra a suposta opressão dos israelenses contra os palestinos. “Quase ninguém estuda seriamente essa questão”, disse.
O estudante judeu ressalta que existem pessoas sérias, capazes de defender a causa palestina com responsabilidade. Adverte, contudo, que existem alunos nazistas na UFSC, que se aproveitam do discurso “pró-Palestina” para espalharem mais antissemitismo. “Ninguém vai dizer abertamente que é nazista na universidade, obviamente”, constata.
A normalização do ódio contra judeus
Daniel Korn, judeu e brasileiro que estuda engenharia mecânica na Northeastern University, em Boston, nos Estados Unidos, conta que a maioria das pessoas da comunidade acadêmica em que ele vive aceita o discurso de ódio contra os judeus quando este é proferido por muçulmanos.
Mas Korn ressalta que os muçulmanos não são os únicos a fazerem discursos antissemitas. A esquerda universitária, por exemplo, também abraçou essa “causa”.
“Pessoas que apoiam Israel recebem respostas desrespeitosas e antissemitas, com cara de nojo”, diz o universitário. “Eles estão usando essa questão da Palestina para trazer ódio à nossa religião. E não só contra a religião, mas contra o povo em si. Não estou reclamando de pedir paz com o povo palestino, e sim de concordar com as ações do Hamas. E o que o Hamas fala? O Hamas defende matar todos os judeus, para pegar a área de Israel para eles.”
Korn acredita que os estudantes defendem o Hamas por causa de influenciadores digitais e professores. “Eles olham pro Hamas e pensam: ‘Nossa, eles estão matando, eles estão contra Israel, mas deve ser bom, porque meu professor que está aqui, me dando aula, falou que é bom’’’, diz Korn. “A consequência disso é que eles nos enxergam como um povo mau, um povo que não merece estar no poder.”
“O veneno antissemita”, artigo de J. R. Guzzo publicado na Edição 187 da Revista Oeste