Paisagens de tirar o fôlego nos cantos mais recônditos da Terra sempre estiveram em meus roteiros de viagem, mas, geralmente, elas não se reduzem somente a locais fotogênicos. Todo o impacto cultural que esses lugares tiveram para variados povos e civilizações também entra na conta, transformando a viagem em uma jornada ainda mais interessante.
E foi isso que o Norte da África me mostrou em paradas estratégicas por cidades em diferentes países de sua costa, indo do Marrocos, passando por grandes centros na Argélia e culminando na Tunísia.
A bordo do SH Diana, sofisticado navio da Swan Hellenic de poucos passageiros que oferece roteiros desenhados e fora do comum, pude mergulhar em diferentes culturas e compreender o magnífico intercâmbio de história e religião que estes territórios tiveram ao longo de séculos.
Seja no Estreito de Gibraltar ou à beira das águas do Mediterrâneo, a trajetória, documentada nos primeiros episódios da sétima temporada do CNN Viagem & Gastronomia, teve pontapé em meio às douradas e dramáticas falésias do Algarve, em Portugal, atracando depois na deliciosa e impressionante Sevilha, na Espanha.
Uma das paradas mais surpreendentes, entretanto, foi a Argélia, país que ainda engatinha ao abrir suas fronteiras ao turismo externo e que tem um caráter de viagem geopolítica em decorrência de suas dinâmicas culturais e sociais. Marrocos e Tunísia, dois países igualmente singulares, vieram antes e depois, e suas curiosidades e pontos imperdíveis merecem ser contados.
A medina no Tânger, no Marrocos
Bem na ponta do Marrocos, Tânger fica a cerca de 14 quilômetros da Espanha em seu ponto mais extremo. Situada no Estreito de Gibraltar, onde o Atlântico e o Mediterrâneo convergem, a cidade foi ponto de encontro de diversas civilizações ao longo do tempo, notadamente por fenícios, romanos, árabes e espanhóis.
Durante o século 20, ela foi internacionalizada e atraiu artistas e escritores de todo o mundo, deixando um ar de liberdade e de boemia no ar — a antiga casa de Yves Saint Laurent, por exemplo, é, hoje, um hotel boutique com vistas para o mar.
Apesar de ser uma importante porta de entrada para a África e com uma localização estratégica, ela não é uma cidade tão turística como Marrakech, o que, talvez, seja um dos seus encantos. A medina, os palácios, a forte cultura de cafeterias, as heranças hispânicas e mouras na arquitetura e todo o peso de ser guardião da entrada para o Mediterrâneo fazem do Tânger uma cidade única — e um convite para colocá-la no roteiro.
Um bom ponto de partida para conhecê-la é o Grand Socco, esplanada que já foi um grande mercado a céu aberto e que hoje é vizinho aos Jardins da Mendoubia, parque arborizado no coração da cidade. O Grand Socco é, inclusive, a porta de entrada para a medina, a principal atração do Tânger, que se revela como um labirinto de vielas comerciais e residenciais.
Cercada por muralhas de uma fortaleza do século 15, a medina está conservada e pulsa tradições locais, cheia de lojinhas com vendedores barganhando seus produtos.
Na parte superior da medina há a Casbah de Tânger, antiga cidadela que carrega marcas dos séculos passados. O Museu da Casbah dá conta de narrar a história do local e, para uma vista privilegiada do porto e do mar, siga para a Place de la Kasbah, ponto mais alto da casbah com algumas das melhores paisagens da cidade.
Também dentro da medina, uma encantadora descoberta foi o Palais Zahia & Spa, hotel boutique em Petit Socco, um dos mais interessantes e antigos distritos do Tânger. Com pouco mais de uma dezena de acomodações, o hotel é um riad, palacete com jardim e pátio interno, todo decorado com portas, lustres e azulejos bem característicos. Se não pernoitar, minha dica é pelo menos sentar-se no café, restaurante ou no terraço e curtir o momento.
Outros pontos que devem constar em seu roteiro são a Grande Mesquita e as Grutas de Hércules. A primeira, ainda na medina, só recebe muçulmanos em seu interior, mas o lado de fora já nos dá um gostinho da sua riqueza arquitetônica — aqui há um minarete que pode ser visto de diversos pontos da cidade. Já as grutas, fora do centro urbano, são sedutoras por conta da lenda que diz que Hércules dormiu por aqui. O Cabo Espartel, com praias, belos pores do sol e falésias, não fica muito longe.
As ruínas romanas em Túnis, capital da Tunísia
Após a rápida parada no Marrocos chegou a hora de sair da zona de conforto ao adentrar na Argélia. Toda a minha experiência nas três de suas principais cidades está relatada nesta matéria. De Bejaia, cidade portuária com 1 milhão de habitantes, atracamos em Túnis, capital da vizinha Tunísia e última parada da expedição no Norte da África.
Com mais de 12 milhões de habitantes, a Tunísia destaca-se por sua arquitetura bem preservada de séculos atrás, bem como seus souks e águas azuis do Mediterrâneo. Túnis, a capital, tem mais de 600 mil habitantes e possui ruínas romanas de 9 a.C. e uma medina cheia de mesquitas e palacetes que ecoam tempos áureos de uma das primeiras cidades árabe-muçulmanas do Magrebe. Tanto as ruínas quanto a medina são Patrimônios da Unesco.
Uma imperdível maneira de entender um pouco mais da cultura local é justamente visitar os principais pontos do Sítio Arqueológico de Cartago, que hoje possui ruínas da acrópole, necrópole, anfiteatro, circo, banhos termais e área residencial. Para compreendermos: Cartago, hoje parte de Túnis, foi fundada em 9 a.C. e foi um grande império comercial no Mediterrâneo, ocupando territórios romanos e sendo conquistada por estes.
Durante minha passagem por aqui, visitei o Tofete de Cartago, uma antiga área sagrada que possui um grande número de túmulos de crianças e de animais. Misto entre santuário e necrópole, o local é dedicado a divindades fenícias e algumas interpretações dizem que estes corpos foram sacrificados. Outros estudos e vertentes analisam que, na verdade, as mortes foram naturais. Seja como for, o local nos revela um pouco da história da Tunísia como civilização por meio de diferentes povos e crenças.
Também parte do sítio arqueológico, as Termas de Antonino valem a visita, pois representam um importante elo com a socialização no passado. Construídas no século 2 pelo imperador romano Antonino, foram as maiores termas erguidas em solo africano. Aqui, havia salas quentes, frias e de vapor, além de piscinas e jardins, formando um grande local onde decisões eram tomadas. Hoje, suas colunas, abóbodas e mosaicos seguem bem preservados e nos fazem refletir sobre este costume milenar.
Comum nos países do Norte da África, Túnis também tem uma medina para chamar de sua. No passado, já foi considerada uma das maiores e mais ricas do mundo árabe, e, hoje, podemos apreciar de perto seus numerosos palácios, mesquitas, comércios e áreas residenciais. Segundo a Unesco, há cerca de 700 monumentos históricos distribuídos em sete áreas principais.
Aqui, busquei experimentar uma comida típica e provei o brik, uma massa fina recheada com ovo que se assemelha ao nosso pastel, mas é bem mais leve. Foi um bom aperitivo para concluir minha expedição por esses países tão incríveis e cheios de história, que se desdobra até hoje.
A Tunísia, inclusive, compartilha fronteiras marítimas com um país tão histórico quanto gastronômico: a Itália. A Sicília é uma das ilhas do país da bota que fica próxima desta parte do Norte da África e foi meu destino final junto do SH Diana. Arrivederci!
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