Em uma decisão considerada “soberana e irrevogável”, a ditadura da Nicarágua anunciou sua retirada do Conselho de Direitos Humanos da ONU, sob a acusação de parcialidade e ingerência política no organismo internacional.
A informação foi comunicada nesta quinta-feira, 27, por meio de uma carta enviada ao presidente do Conselho, Jürg Lauber, na qual o país formaliza sua saída e rejeita os relatórios produzidos pelo órgão e seus grupos de trabalho.
A vice-presidente e copresidenta da Nicarágua, Rosario Murillo, enfatizou que a decisão foi tomada como um ato de preservação do “decoro e orgulho” nacionais e destacou que o governo não reconhece a legitimidade dos relatórios sobre a situação dos direitos humanos no país.
Segundo Murillo, os documentos são produto de “falsificações, calúnias e mentiras” que desrespeitam a soberania do país. “Repudiamos todos os insultos, todas as ofensas, todas as falsificações, todas as agressões, tudo o que constitui a política colonialista que rege ações de organismos que deveriam servir ao bem de todos”, declarou.
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A carta enviada ao Conselho menciona o informe do Grupo de Especialistas em Direitos Humanos sobre a Nicarágua, que o governo considera parte de uma campanha de “politização” e “duplo padrão”.
A Nicarágua acusa o Conselho de violar sua própria resolução 6251, de 2006, que estabelece os princípios de objetividade, imparcialidade e não seletividade na avaliação das questões de direitos humanos.
O governo nicaraguense também alega que as acusações feitas nos relatórios da ONU são usadas como pretexto para interferir nos assuntos internos do país. “Esses mecanismos se constituem não somente em plataformas políticas para desprestigiar a nossa gestão, mas também são um obstáculo para o desenvolvimento econômico e social do povo nicaraguense”, diz o comunicado.
A decisão de se retirar do Conselho implica a interrupção de qualquer colaboração com o órgão e seus mecanismos. A carta, assinada pelo chanceler Valdrack Jaentschke, ressalta que a Nicarágua não deseja ser “parte ou cúmplice de atropelos à soberania, à igualdade dos Estados e à dignidade dos povos”.
Comitê da ONU denuncia violações aos direitos humanos na Nicarágua
O Grupo de Especialistas em Direitos Humanos sobre a Nicarágua (GHREN), comitê da entidade especializado em analisar e discutir o cenário dos direitos humanos na ditadura latinoamericana, apresentou um relatório contundente que causou a saída do país do Conselho de Direitos Humanos da ONU.
Sob a liderança de Jan Simon, o grupo concluiu que o governo nicaraguense organizou e perpetuou uma política de repressão estatal contra opositores reais ou suspeitos, o que configura a prática grave e sistemática de crimes contra a humanidade desde, pelo menos, abril de 2018.

O GHREN conduziu sua investigação com base em padrões rigorosos de coleta e verificação de evidências. Apesar de não ter acesso ao território nicaraguense — por causa da negativa do governo em colaborar —, o grupo realizou 291 entrevistas presenciais e remotas, examinou 149 casos concretos e analisou cerca de 1,5 mil documentos.
O governo da Nicarágua ignorou 12 tentativas de contato do grupo, que incluíam solicitações de visita ao país, compartilhamento de dados oficiais e envio do relatório para comentários antes de sua publicação. Essa falta de resposta reforçou o isolamento do regime e dificultou ainda mais a apuração direta dos fatos no local.
O relatório documenta execuções extrajudiciais, detenções arbitrárias, torturas, violência sexual e de gênero, além da privação arbitrária de nacionalidade e do direito de permanência no próprio país. Esses abusos foram sistematicamente direcionados a dissidentes, jornalistas, membros da sociedade civil e qualquer pessoa percebida como adversária ao regime.
O GHREN concluiu que esses atos não foram episódicos ou desconectados, mas sim parte de uma política estatal organizada, com ordens vindas dos mais altos escalões do governo. Essa perseguição institucionalizada, segundo o grupo, constitui o crime contra a humanidade de perseguição por motivos políticos.