Dias depois de o Tribunal Supremo de Justiça (TSJ) da Venezuela validar a suposta reeleição do ditador Nicolás Maduro, um membro do Conselho Nacional Eleitoral (CNE) afirmou não ter recebido nenhuma evidência da “vitória” do chavista.
Juan Carlos Delpino, em entrevista ao New York Times, questionou a legitimidade da eleição. Sua declaração converge com a oposição e parte da comunidade internacional, sendo a primeira grande crítica interna do sistema eleitoral, majoritariamente chavista.
A divulgação coincide com a convocação do candidato opositor Edmundo González Urrutia pelo Ministério Público, ação que ele considera sem garantias de um processo legal justo. González Urrutia, que não aparece em público há três semanas, não pretende comparecer à audiência na sede do Ministério Público em Caracas.
Delpino, membro do CNE, foi selecionado em agosto para integrar o conselho e retornou dos Estados Unidos para participar do processo democrático. Ele afirmou que a “rota eleitoral” era o caminho para a mudança.
Ele acredita que, ao declarar Maduro como vencedor sem provas, o CNE “falhou com o país”. Na entrevista, o membro da entidade pediu desculpas ao povo venezuelano.
“Estou envergonhado e peço perdão ao povo venezuelano”, disse. “Porque todo o plano que foi tecido, realizar eleições aceitas por todos, não foi alcançado.”
Na manhã da votação, Delpino acordou otimista, mas ao fim do dia viu o presidente do CNE, Elvis Amoroso, anunciar uma vitória “irreversível” de Maduro sem evidências.
Delpino decidiu afastar-se do conselho depos da declaração da “vitória” chavista. O CNE ainda não apresentou as atas de votação exigidas pela comunidade internacional. A oposição alega ter reunido mais de 80% das atas, que mostram a vitória de González Urrutia com 67% dos votos.
O funcionário se recusou a divulgar dados de votação, mas planeja publicar uma lista de irregularidades no Twitter/X, afirmando ter “perdido a confiança na integridade do processo e nos resultados anunciados”.
As irregularidades no processo eleitoral
Entre as irregularidades, Delpino mencionou a recusa do CNE em divulgar resultados máquina por máquina, expulsão de testemunhas eleitorais e interrupção na transmissão dos resultados.
Desde a votação, Diosdado Cabello, aliado de Maduro, acusou Delpino de fazer parte de um grupo de “terroristas” que tentou fraudar a eleição para González Urrutia. Delpino criticou a gestão de Amoroso e foi pressionado a falar por compromissos com a transparência.
Apesar da repressão, Delpino acredita que a resposta para a Venezuela é democrática: “Acredito até hoje que a resposta para a Venezuela é democrática. A resposta é eleitoral. Com outro protagonista na CNE, claro, mas eu acredito nessa solução eleitoral”.
O servidor está escondido por temer represálias do governo. Nos últimos dias, Maduro prendeu opositores, e a ONU estima que mais de 2,4 mil pessoas foram detidas.
Comunidade internacional não reconhece reeleição de Maduro
Os Estados Unidos reconheceram González Urrutia como vencedor, e tanto Colômbia quanto Brasil expressaram dúvidas sobre a “vitória” de Maduro. Dois painéis independentes declararam que a eleição não atendeu aos padrões mínimos democráticos. Maduro denunciou uma tentativa de golpe de Estado e pediu perícia técnica ao TSJ, que validou o resultado e acusou González Urrutia de desacato.
O procurador-geral Tarek William Saab acusou González Urrutia de usurpação de funções e outros crimes, com pena que pode chegar a 30 anos. González Urrutia apareceu publicamente pela última vez dois dias depois da eleição e desde então, se pronuncia apenas pela internet.
“O Ministério Público pretende submeter-me a uma entrevista sem especificar em que condição devo comparecer (acusado, testemunha ou especialista, segundo a lei venezuelana) e com a pré-qualificação de crimes não cometidos”, afirmou González.
Tarek William Saab declarou que González Urrutia “terá que mostrar a cara” e o responsabilizou, junto com María Corina Machado, por atos de violência pós-eleitorais. Se não comparecer, o Ministério Público pode solicitar um mandado de prisão.
Lula e Gustavo Petro insistiram em um comunicado conjunto na “publicação transparente dos dados desagregados por seção eleitoral e verificáveis”, propondo novas eleições, uma ideia rejeitada pelos dois lados.