Quando criança, a vereadora Cris Monteiro (Novo), da Câmara Municipal de São Paulo, sentiu na própria pele sensação de exclusão. Mesmo acolhida pelos pais, a alopecia areata, doença que provoca queda parcial ou total dos cabelos, a impelia a ficar dentro de casa.
Sua família vivia em uma comunidade no Rio de Janeiro, a Penha, onde ela nasceu. As informações sobre a doença, de caráter autoimune, eram mais restritas. A menina vivia o drama de ser vítima do que hoje se chama bullying, sendo chamada de “garota carequinha”.
Cris via seus irmãos (ela é a do meio, entre uma irmã e um irmão) saírem para brincar e, por vergonha, não podia. A reclusão a aproximou dos livros, por meio dos quais conheceu um outro universo, que a permitiu ir muito além até do que ela imaginava em seus momentos de desgosto.
“Essa doença não vai me matar, é apenas uma condição permanente”, afirma a Oeste a vereadora. “Mas é uma doença que dói na alma, uma doença que tem impactos psicológicos muito importantes, que é a parte que deprime, que entristece. Então essa é a condição que eu vivi. E numa família de baixa renda era muito difícil o diagnóstico”, completa ela, reeleita para a Câmara Municipal de São Paulo em 2024.
“Estou com 63 anos e somente agora começam a aparecer alguns tratamentos. Mas lá numa comunidade, no Rio de Janeiro, numa família de baixa renda, uma menina com três ou quatro anos de idade ficar careca se tornou um problema importante para minha família.”
A história de Cris, é contada por ela no livro Careca de Saber, lançado no início deste ano, pela Editora Haikai.
Em sua trajetória, ela cresceu próxima dos estudos, mas longe de vivenciar a política durante a juventude. Ouvia falar de Brizola, de Fernando Henrique, de Mário Covas, mas não entendia como poderia ajudá-los, na condição de cidadã, em suas realizações.
A mãe, Hilda, começou no trabalho como empregada doméstica, nascida em uma família humilde de agricultores em Minas Gerais. Veio de ônibus, sozinha, para o Rio em busca de uma vida melhor. Passou a trabalhar nas casas de família.
Lá, em uma visita de seus patrões a uma outra família, a bela Hilda conheceu o marido, Alberto, taxista que, ciumento, a fez deixar o emprego para trabalhar em casa. Ela então atuou em várias atividades, como boleira, vendedora de roupas e salgados.
Dos irmãos, Cris foi a única a ter concluído o ensino superior. Os outros dois encerraram os estudos formais no ensino médio.
“Em casa, quando alguém terminava o ensino médio, era uma alegria, parabéns, terminou o ensino médio, agora pode ir trabalhar”, lembra ela, que também começou cedo no trabalho, mas conciliou com a faculdade.
“E foi o que eu fiz, fui trabalhar como recepcionista, depois entrei no banco. E para encurtar uma longa história, 30 anos depois eu virei diretora do SPA, banco de investimento norte-americano.”
Formada em Ciências Contábeis e pós-graduada em Finanças, ela também atuou na diretoria do JP Morgan, Goldman Sachs e Bank of America. Mas, em 2018, aos 58 anos, decidiu mudar radicalmente: deixou a sólida carreira e o salário milionário para mergulhar na política.
Seu interesse surgiu a partir das manifestações de 2013, que a levaram a ir para a rua, nos anos seguintes, e reivindicar melhorias no país.
“Eu era aquela eleitora que escolhia o candidato no caminho da urna, até perceber que o descaso do país era reflexo da minha própria omissão”, observa Cris.
A primeira tentativa, como deputada estadual, foi um fracasso, um entre tantos que ela admite colecionar sem medo. Não desistiu. Em 2020, foi eleita vereadora de São Paulo.
“Eu tenho uma coleção de fracassos, porque ninguém bem-sucedido não falha de não fracassos”, afirma Cris. “O Elon Musk, o Bill Gates, o Steve Jobs que já é falecido, são pessoas que fracassaram.”
Defesa de Israel
A defesa da comunidade judaica se tornou uma de suas marcas como política. Nela, Cris se viu em uma espécie de espelho que refletia a necessidade do respeito por uma identidade. A atuação dela aumentou ainda mais depois do ataque do grupo terrorista Hamas a Israel em 7 de outubro de 2023.
Desde então, o antissemitismo, em razão da represália de Israel, chegou a aumentar quase 1.000%, segundo a Confederação Israelita do Brasil (Conib) e a Federação Israelita do Estado de São Paulo (Fisesp). Ela tem atuado junto a estas entidades. Já impediu evento favorável ao Hamas na Câmara Municipal.
Trabalhou também para aprovar o projeto de lei que estabeleceu 9 de novembro como o Dia do Combate ao Antissemitismo e Fascismo na capital paulista. Com a sanção do prefeito, a data passou a constar no Calendário de Eventos do Município de São Paulo.
Além dela, os autores da iniciativa foram os vereadores Fabio Riva (PSDB), Atílio Francisco (Republicanos), Dr. Adriano Santos (PSB), Edir Sales (PSD), Fernando Holiday (PL), Gilson Barreto (PSDB), Milton Leite (União Brasil) e Rute Costa (PSDB).
Outros projetos
Ao defender o direito de Israel se defender do terrorismo, a vereadora também já foi hostilizada por alguns políticos e militantes de partidos radicais de esquerda. “Não me intimido com xingamentos.”
Ela vê na ideologia da esquerda, em geral, uma maneira de tentar travar inclusive outros projetos, não voltados apenas à comunidade judaica.
Entre eles, ela cita o de naming rights em espaços públicos e a implantação de escolas charter, que envolvem organizações sociais na gestão de escolas públicas, mantendo-as gratuitas e melhorando sua administração.
“A gente teve aí mais de 16 anos de governo petista”, ressalta a vereadora. “A educação, a saúde, a segurança, os transportes não melhoraram. Ficam muitas dúvidas sobre a ideologia da esquerda em função justamente da justiça fiscal, quando o governo gasta mais do que ganha, gera inflação, dólar alto, tudo isso para mim não combina com o desenvolvimento social que eu espero para o país.”
Cris, então, volta a falar do seu desenvolvimento pessoal. Ela se considera uma mulher realizada por ter entrado na política. A alopecia, que tanto sofrimento lhe causou, deixou de ser um obstáculo intransponível e se tornou parte de sua identidade.
A vereadora não esconde mais a peruca que usa para lidar com a condição. A medicina avançada a permitiu encontrar formas de conhecer melhor a doença. E se convencer de que quase não há mais nada a fazer em relação a tratamento.
“Eu fui ao médico nos Estados Unidos e eles disseram: use peruca. E assim fiz”, diz ela, com a leveza de quem decidiu encarar a realidade e mudar somente aquilo que estivesse ao seu alcance.