Celso Amorim, assessor especial do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, disse não haver “saída mágica” para a situação na Venezuela.
Em entrevista nesta quarta-feira, 28, ao jornal espanhol El País, o ex-chanceler brasileiro afirmou que “precisamos encontrar uma solução aceita por ambos [os lados], mesmo que não seja ideal para um ou outro”.
No sábado 24, o governo brasileiro emitiu um comunicado em que exige que a Venezuela apresente dados passíveis de verificação. Presidente da Colômbia, o esquerdista Gustavo Petro participou do mesmo comunicado.
Lula e Petro, contudo, se omitiram quanto ao constrangimento que o regime ditatorial venezuelano tem imposto ao opositor Edmundo González, conforme reclamam diversos organismos internacionais e líderes de nações do Ocidente.
O comunicado ignorou, ainda, as denúncias de entidades de direitos humanos sobre o uso de repressão contra forças oposicionistas ao governo de Nicolás Maduro.
Amorim disse que o presidente brasileiro tenta incentivar o diálogo entre as duas partes envolvidas no conflito político, que se arrasta desde 28 de julho, data das eleições presidenciais.
‘Sem conversa fica mais difícil’, afirma Amorim
“O que se propõe é um mínimo de compreensão. Agora, quando as partes nem conversam, é muito mais difícil. Nosso trabalho é continuar trabalhando em conjunto com outros, especialmente com a Colômbia e o México”, afirmou Amorim.
O Tribunal Supremo de Justiça da Venezuela decidiu na última quinta-feira, 22, não divulgar as atas eleitorais que supostamente deram a vitória a Maduro. Sobre esse fato, Amorim afirmou não ser possível reconhecer a vitória de Maduro sem ver os boletins de urna.
O assessor especial acrescentou, contudo, que, da mesma forma, não é admissível aceitar a vitória da oposição. Amorim entende que isso criaria um precedente muito sério, “por mais que sejam cópias da ata oficial. É um verdadeiro impasse”.
Segundo Amorim, novas eleições seriam o caminho
Nesse sentido, o diplomata reforçou a ideia de se pensar em novas eleições. “Por isso viemos propor a hipótese de novas eleições. O importante é tentar manter a porta aberta para algum diálogo e compreensão. É difícil, mas acho que interessa a todos nós. Não podemos voltar a uma situação como a de Guaidó [a oposição reconhecida como presidente interino por dezenas de países], que era uma ficção. É lamentável que a UE o tenha reconhecido.”
O ex-chanceler brasileiro se recusou a responder sobre o acordo de Barbados, pelo qual Maduro se comprometeu a promover eleições livres e transparentes. “Não quero apontar apenas para o governo. O entendimento é entre ambos”, disse, quando questionado se Maduro cumpriu o acordo de 2023. “A Venezuela deve ser um país soberano, independente, com partidos com posições diferentes e onde o processo [eleitoral] seja respeitado. Não podemos perder de vista que no próximo ano haverá eleições parlamentares, para governador… “
Quanto à hipótese de Maduro tomar posse em janeiro, Amorim explicou ao jornal El País, que a doutrina do Direito internacional consiste em reconhecer os Estados, não os governos, ao ser questionado se o Brasil reconheceria o ditador como reeleito. “Isso não significa que você goste deles ou não, mas você tem que manter relacionamentos. Além disso, janeiro está muito longe, e a nossa esperança é que possamos encontrar um caminho aceitável para ambos, embora possa não ser a solução definitiva.”
Entidades reafirmam ilegalidades de Maduro
A Venezuela vive sob uma autocracia chefiada por Nicolás Maduro; não há liberdade de imprensa; pessoas podem ser presas por “crimes políticos”.
Estas são algumas observações da Organização dos Estados Americanos em nota publicada há mais de três anos sobre a “nomeação ilegítima” do Conselho Nacional Eleitoral.
A Comissão Interamericana de Direitos Humanos, em três ocasiões, relatou abusos. A ONG de direitos humanos Human Rights Watch afirma que 7,1 milhões de venezuelanos fugiram do país desde 2014.
Maduro, por sua vez, nega que o país esteja sob uma ditadura. Diz haver eleições regulares e que a oposição simplesmente não consegue vencer.
Histórico é de perseguição política
Contudo, não é o que mostra a história recente. A principal líder da oposição, María Corina Machado, foi impedida em junho de 2023 de ocupar cargos públicos por 15 anos. O Supremo venezuelano confirmou a decisão em janeiro de 2024.
María Corina indicou a aliada Corina Yoris para concorrer. Mas Yoris não conseguiu formalizar a candidatura em razão de uma suposta falha no sistema eleitoral.
Foi então que o diplomata Edmundo González assumiu o papel de ser o principal candidato de oposição. González, inclusive, teria sido o verdadeiro vencedor, de acordo com entidades, como Centro Carter, organização criada pelo ex-presidente dos EUA Jimmy Carter, e contagens feitas com base em atas recolhidas pela oposição.
Brasil fica ‘em cima do muro’
Os resultados defendidos por Maduro têm sido seguidamente contestados pela União Europeia e por vários países individualmente, como Estados Unidos, México, Argentina, Costa Rica, Chile, Equador, Guatemala, Panamá, Paraguai, Peru, República Dominicana e Uruguai.
O Brasil, por sua vez, não reconheceu até agora a eleição de Maduro em 2024, mas, tampouco, faz cobranças mais duras como outros países que apontam fraude eleitoral.
O presidente Lula da Silva chegou a dizer, inclusive, não ter visto nada de anormal no processo eleitoral venezuelano.