Uma medida provisória (MP) do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva beneficiou a empresa Âmbar, do Grupo J&F, dos irmãos Wesley e Joesley Batista. Conforme publicou o jornal O Estado de S. Paulo, nesta sexta-feira, 26, a ação prejudica nordestinos e nortistas, pois elevará as tarifas de energia da companhia dos Batistas para famílias de baixa renda e indústrias.
A TR Soluções realizou um estudo com entidades do setor elétrico sobre o tema. De acordo com a pesquisa, esse aumento será repassado ao preço dos produtos.
O Ministério de Minas e Energia informou tratar-se de um “rearranjo de pagadores”, que envolve grandes indústrias e consumidores de diversas regiões. A Âmbar mencionou que os problemas financeiros da Amazonas Energia já eram amplamente conhecidos e que o governo buscava uma solução.
A TR Soluções, fundada em 2011, é uma empresa de tecnologia especializada em tarifas de energia. A companhia oferece serviços para toda a cadeia do setor. A empresa utiliza uma plataforma de projeções baseada nas regras do órgão regulador.
Atualmente, famílias de baixa renda que têm a tarifa social não pagam a conta de desenvolvimento energético (CDE), mas participam do rateio do encargo de energia de reserva (EER), que cobre custos de energia de reserva. A MP, publicada em 13 de junho, transfere dívidas da Amazonas Energia para o EER, o que impacta no valor das contas de luz.
“O que aconteceu com a MP é que, quando você tira elementos e custos da CDE e os transfere para o EER, você muda a forma de rateio desse custo”, explicou Helder Sousa, diretor de regulação da TR Soluções. “E isso impacta as famílias que hoje têm o desconto por meio da tarifa social.”
Os Batistas adquirem termoelétricas
Em junho, a Âmbar adquiriu usinas termoelétricas da Eletrobras, que vendem energia para a Amazonas Energia. A MP cobre a dívida das usinas dos Batistas, que os consumidores passam a pagar pelas contas de luz. A TR Soluções calculou que o custo adicional para famílias de baixa renda será entre R$ 3,64 e R$ 5,71 por MWh.
A tarifa social de energia elétrica concede descontos de 10% a 65% para famílias de baixa renda inscritas no Cadastro Único ou que recebem o Benefício de Prestação Continuada. A companhia aplica o desconto conforme o consumo mensal, até o limite de 220 kWh.
Paulo Pedrosa, presidente da Associação Brasileira dos Grande Consumidores de Energia (Abrace), afirmou que a indústria será a mais impactada. As empresas repassarão os custos para os produtos consumidos pelas famílias.
“Haverá impacto sobre a indústria, as regiões Norte e Nordeste e também sobre os consumidores de baixa renda, que hoje não pagam pela CDE e vão pagar o EER”, disse e executivo da Abrace. “Mas o efeito será maior sobre a indústria.”
O ministério informou que não vai transferir os custos da Usina de Mauá 3 para essa conta de encargos. Porém, a medida ainda irá impactar as famílias de baixa renda.
“Se a dúvida era se manter Mauá 3 na CDE aliviaria totalmente para o consumidor de baixa renda, a resposta é não”, informou a TR Soluções ao Estadão. “Ainda atinge, mas com um pouco menos de intensidade.”
Em junho, o governo editou uma MP que beneficiou a Âmbar ao apoiar a Amazonas Energia. O Ministério de Minas e Energia recebem os executivos da empresa dos Batistas 17 vezes, todas fora da agenda oficial.
Ministério publica MP depois de compra
A pasta de Minas e Energia publicou a medida três dias depois da compra das termoelétricas pelos Batistas. Desde novembro de 2023, as usinas estavam sem pagamento pelo fornecimento de energia, mas a MP transferiu toda a despesa para o EER, que os consumidores devem pagar pelos consumidores nos próximos 15 anos.
“Essa energia não é uma energia de reserva”, disse Luiz Barata, presidente da Frente Nacional dos Consumidores de Energia, ao Estadão. “É uma energia para o atendimento de consumidores normais.”
Segundo Barata, essa operação é mais um “puxadinho” que aumenta os custos da conta de luz. O ministério afirmou que a transferência para a conta de energia de reserva é técnica, pois a geração feita por essas usinas atende ao Sistema Integrado Nacional. A mudança retira encargos da CDE, cobrada apenas de pequenos consumidores, e faz um rateio mais equilibrado no EER, o que inclui grandes empresas.
O efeito adverso é que também recairá sobre consumidores de baixa renda e das regiões Norte e Nordeste. O ministro Alexandre Silveira negou que as contas de luz vão bancar o custo.
Leia também:
“Nenhum centavo será repassado ao consumidor brasileiro”, disse Silveira. “O que está sendo feito é o contrário disso.”
Norte e Nordeste pagam mais
A TR afirma que o impacto na conta de luz varia entre as regiões. Os consumidores do Norte e Nordeste devem pagar mais que os do Sul, Sudeste e Centro-Oeste.
“Os mais afetados são os consumidores eletrointensivos das regiões Norte e Nordeste”, disse Sousa. “No EER, eles são cobrados pelo consumo da energia mesmo, e menos pelo transporte da energia. Todos vão pagar mais: siderúrgicas, mineração, alumínio, indústrias de gases industriais, hospitais, tudo acaba se refletindo no custo final do produto.”
A TR simulou três cenários de preço de liquidação de diferenças, o que resulta sempre no aumento de tarifas para o Norte e Nordeste. No cenário-base, consumidores de baixa tensão do Sul, Sudeste e Centro-Oeste terão redução de R$ 3,84 por MWh. Os clientes do Norte e Nordeste pagarão mais R$ 0,38 por MWh. Indústrias de média e alta tensão dessas regiões também terão aumentos significativos.
A Âmbar informou que os problemas financeiros da Amazonas Energia eram conhecidos e que a compra das usinas foi uma negociação “privada” depois de um “acirrado processo competitivo”.
“Todas as alternativas possíveis para solucionar a situação da Amazonas Energia foram desenhadas por um grupo de trabalho formado pelo ministério e pela Aneel [Agência Nacional de Energia Elétrica]”, afirmou a empresa dos Batistas. “Cujo relatório foi publicado em fevereiro de 2024. Qualquer dessas soluções, inclusive a adotada pela MP, resolveria os riscos de crédito perante as usinas envolvidas na aquisição pela Âmbar.”