O bispo emérito da Prelazia do Marajó, no Pará, dom José Luís Azcona, morreu nesta quarta-feira, 20, aos 84 anos. O religioso era uma liderança reconhecida internacionalmente pela luta contra o abuso sexual de crianças e adolescentes na região. Azcona foi diagnosticado com câncer no pâncreas em junho deste ano e estava internado em Belém desde outubro.
Na última internação, os médicos relataram que a condição fragilizada do paciente impedia a realização de procedimentos cirúrgicos e que não havia mais alternativas médicas. Diante desse cenário, Azcona recebia cuidados paliativos dos profissionais. A informação foi confirmada pelo setor de comunicação da Prelazia do Marajó.
Em dezembro de 2023, o bispo espanhol recebeu uma ordem da Nunciatura Apostólica — a representação diplomática do Vaticano no Brasil — para deixar o Marajó. O motivo e o destino do bispo não foram devidamente esclarecidos até hoje.
A decisão gerou revolta entre os moradores de várias cidades do Marajó, que protestaram em Bagre, Breves e Soure. Durante os protestos, as pessoas caminhavam pelas ruas enquanto seguravam balões brancos, cartazes e cantavam cânticos religiosos. No dia 26 de dezembro, a Nunciatura Apostólica enviou uma carta na qual voltava atrás e informava que dom Azcona não precisaria mais deixar a região.
Azcona em defesa do Marajó
Dom José Luís Azcona Hermoso, nascido em 28 de março de 1940, em Pamplona, na Espanha, foi um defensor dos direitos humanos no arquipélago do Marajó, onde atuou por mais de 30 anos. Ao longo de sua trajetória, ele denunciou diversas mazelas da região, em especial a exploração sexual de crianças.
Em 2015, por exemplo, ele revelou casos em que crianças eram oferecidas aos ocupantes de balsas com o consentimento de suas próprias famílias. Ele relatou à Rede Globo que meninas de apenas 10 anos eram levadas para essas embarcações em troca de pequenas quantias e alimentos, como vísceras de porco ou boi.
Além de suas denúncias, dom Azcona teve papel crucial na instalação da CPI da Pedofilia na Assembleia Legislativa do Pará e no Congresso Nacional, nos anos de 2009 e 2010, para investigar os abusos na região. Sua atuação o colocou em situações perigosas; em 2008, seu nome foi incluído entre as três principais lideranças católicas ameaçadas de assassinato no Estado.
Apesar do risco, o bispo emérito sempre foi firme em sua missão. Em uma de suas declarações, afirmou: “Sou consciente de que me podem matar, mas não posso tolerar mais que esse fenômeno tão triste aconteça diante da minha cara”. Ao todo, dom Azcona foi bispo titular da Prelazia do Marajó de 1987 a 2016.
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Leia a nota de condolências da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil
Com pesar, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil expressa seus sentimentos aos familiares, aos membros da Ordem dos Agostinianos Recoletos e ao povo de Deus na prelazia d0 Marajó (PA) pelo falecimento de seu bispo emérito, dom José Luís Azcona Hermoso.
Reconhecendo as chagas de Cristo na humanidade, o irmão no episcopado dedicou sua vida de forma incansável na luta contra o tráfico de pessoas. Também se tornou para nós um farol e uma referência na luta contra a exploração de crianças e adolescentes, a ponto de ter a própria vida ameaçada em decorrência de seu firme testemunho.
Agradecemos imensamente as contribuições de dom Azcona à nossa Conferência, como pregador do retiro para o episcopado brasileiro reunido na 56ª Assembleia Geral da CNBB, em 2018, e também por sua participação em reuniões promovidas por nossa Comissão Episcopal para a Ação Sociotransformadora.
Dom Azcona deixa-nos um legado de amor, sabedoria e compaixão com os mais pequeninos, testemunho que continuará a inspirar a todos na Igreja no Brasil.
Que Deus conforte a todos que sentirão sua falta e que sua memória continue a iluminar nossos caminhos.
Em Cristo,
Dom Jaime Spengler
Arcebispo de Porto Alegre (RS)
Presidente da CNBB