segunda-feira, janeiro 20, 2025
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Ministra das Mulheres é alvo de denúncia por assédio e racismo

A ministra das Mulheres, Cida Gonçalves, foi alvo de denúncias formais de ex-servidoras de sua equipe. Ela é acusada de suposta prática de assédio moral e xenofobia no Ministério. A reportagem é do jornal O Estado de S.Paulo.

Segundo o jornal, os relatos foram enviados para apuração de dois órgãos federais: a Controladoria-Geral da União (CGU) e a Comissão de Ética Pública (CEP) da Presidência da República.

O Estadão teve acesso ao conteúdo de cinco denúncias formais, inclusive dossiês escritos e três gravações de reuniões internas feitas pelas denunciantes e entregues à CGU e à Comissão de Ética.

Além da ministra, foram apresentadas acusações contra a secretária-executiva do ministério, Maria Helena Guarezi, a corregedora interna, Dyleny Teixeira Alves da Silva, e a ex-diretora de Articulação Institucional Carla Ramos.

Os relatos envolvem ameaças de demissão a servidoras, cobrança de trabalho em prazo exíguo, tratamento hostil, manifestações de preconceito e gritos. As condutas podem configurar assédio moral.

Cida e Maria Helena são próximas e têm apoio político da primeira-dama Rosângela da Silva, a Janja. O assunto vem sendo tratado com discrição no governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT). A ministra continua no cargo e não fez mudanças na equipe.

De acordo com relato das ex-servidoras, Maria Helena Guarezi, segunda na hierarquia do ministério, teria cometido racismo em uma reunião. Já Carla Ramos é acusada de gritar com subordinadas. A corregedora Dyleny da Silva, na avaliação das denunciantes, teria se omitido na apuração das acusações de assédio.

Procurada pelo Estadão, a CGU disse que a acusação à ministra, que veio acompanhada de gravações, foi remetida à Comissão de Ética e que arquivou denúncias contra as demais servidoras por falta de “elementos que indicassem possíveis infrações disciplinares”. O Ministério das Mulheres afirmou que as queixas não possuem “elementos concretos”.

O caso de Cida Gonçalves é o segundo de um ministro denunciado por assédio no governo Lula nos últimos meses. O primeiro foi então ministro dos Direitos Humanos, Silvio Almeida, acusado de assédio moral e sexual. Ele foi demitido do cargo depois de vir a público a informação de que ele teria abusado de uma colega de Esplanada, a ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco. Ela confirmou, embora ele negue.

As denunciantes dizem que as hostilidades começaram a partir de um desentendimento entre a ministra e a então secretária nacional de Articulação Institucional, Ações Temáticas e Participação Política, Carmem Foro.

Sindicalista do Pará e petista, Carmem não foi uma escolha da cota pessoal da ministra. Indicação partidária do PT, chegou ao posto com suporte político da Central Única dos Trabalhadores (CUT) e da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag).

cida gonçalves
Cida Gonçalves na 66ª Reunião da Mesa Diretora da Conferência Regional sobre a Mulher da América Latina e do Caribe | Foto: Divulgação/Ministério das Mulheres

Carmen Foro foi exonerada no dia 9 de agosto do ano passado. Três dias depois, a ministra convocou uma reunião com os cerca de 30 servidores da área. As denunciantes, que estavam nesse encontro, relatam ter ouvido frases da ministra que foram entendidas como ameaça.

Logo no início, a ministra justificou que a ex-secretária Carmen Foro, embora reconhecida liderança social, não era “boa gestora” e que atuava mais como “candidata” no Pará, com viés local, do que como “secretária nacional”. E afirmou que no seu ministério a hierarquia tinha que ser respeitada.

“A gente não está no movimento social”, disse Cida, na gravação. “Até no movimento social tem hierarquia. E nós estamos no Ministério das Mulheres. Aqui tem hierarquia. Eu não posso afrontar o presidente, e nenhuma secretária pode me afrontar. Pode discordar, é diferente. E se vocês acham que eu não sei o que aconteceu nos corredores, eu sei. Cara, eu sei tudo.”

Ministra ameaçou demitir servidoras

De forma velada, a ministra ameaçou demitir os integrantes da equipe da ex-secretária. “Pode ser que boa parte de vocês [servidoras] também podem sair ou não”, afirmou Cida Gonçalves. “A princípio, eu tinha dito para a Carmen que quem é dela, que veio com ela, tinha que ir.”

Na reunião, a ministra reclamou que o ministério passava por dificuldades políticas e que era cobrada no Congresso e no Palácio do Planalto. Disse ainda havia perdido orçamento.

Na conversa, a ministra afirmou que seria “mais difícil” selecionar alguém, porque havia estabelecido como critério recrutar “uma mulher negra, do Norte ou do Nordeste”, com viés “feminista” e bom trânsito político com movimentos de mulheres e partidos políticos.

Segundo o Estadão, essa fala também gerou incômodo na equipe, sobretudo com as servidoras da região Norte. Carmen Foro seria substituída, um mês depois, pela ex-senadora Fátima Cilede (PT), de Rondônia.

Depois da saída de Carmen Foro, as ex-servidoras relataram que vivenciaram ainda mais episódios rotineiros de “isolamento político”, em que não conseguiam despachar com a ministra, mas eram cobradas por resultados e entregas com prazos urgentes, que afetariam a saúde e o bem-estar da equipe.

Segundo as denunciantes, era comum que a ministra cobrasse pelo andamento de processos que já haviam sido enviados a seu gabinete, sem retorno.

Cida Gonçalves é ministra do governo Lula | Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil
Cida Gonçalves é ministra do governo Lula | Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

“Eu sei que todo mundo diz que sou uma ministra de gabinete, que ninguém tem acesso, mas é uma mentira”, rebateu Cida, no encontro. “A pessoa mais fácil sou eu. Agora, é verdade que minha agenda é um inferno.”

A ministra insistiu no respeito à hierarquia e disse que as secretarias funcionam como “mini ministérios”, sem prestar contas a ela e que, muitas vezes, as secretárias ficavam “bravas”, se cobradas. Ela falou na necessidade de novas regras de conduta e que “cobraria mais” do que vinha cobrando e que a futura secretária faria uma reformulação.

“Enquanto eu estiver ministra, na minha sala, enquanto estiver no meu cargo, estiver aqui dentro tenho autoridade de ministra, tenho que ser respeitada nessas condições”, disse a ministra. “Até o Lula me demitir, é essa a condição que eu estava. Estou falando tudo isso para a gente começar a reorganizar nossa vida a partir de agora. Eu vou cobrar mais do que tenho cobrado, vou exigir mais do que tenho exigido.”

“Passei um ano deixando nas mãos das secretárias”, acrescentou. “Eu vou precisar me meter mais. E se for preciso sair na carne, vai sair qualquer uma. Já disse isso mesmo para todas elas. Até dia 31 de dezembro de 2026, esse mistério vai fazer entregas e quem vai estar nele para fazer as entregas depende de quem tem condições políticas, vontade política para fazer as entregas junto conosco.”

Cabelo crespo e sobrevivência no Pará

Os denunciantes relatam o que seria uma manifestação de racismo dentro do Ministério da Mulher. Em abril de 2024, durante uma reunião da equipe na Escola Nacional de Administração Pública (Enap), Carmen Foro teria sido chamada a atenção, ao se levantar, pela secretária-executiva Maria Helena Guarezi, amiga pessoal da primeira-dama Janja.

Segundo o relato, Maria Helena teria comentado de forma “depreciativa” que Carmen Foro deveria permanecer sentada porque “seu cabelo estava atrapalhando a visão”. Carmen Foro, que tem cabelo crespo, queixou-se a antigas colaboradoras que teria se sentido humilhada com o episódio.

A denúncia acessada pelo Estadão narra que ela levou o caso, posteriormente, ao conhecimento da ministra, que, por sua vez, teria ignorado o relato. Cida não respondeu se soube deste episódio, tampouco se tomou providências. Também não houve resposta sobre a declaração atribuída a número dois do ministério.

A mais recente denúncia incluiu como alvo a corregedora do ministério, Dyleny Alves. Ela fora procurada por servidoras relatando os casos de assédio e ameaças. Algumas dessas conversas também foram gravadas pelas denunciantes. Ela afirmou que não poderia atuar num caso envolvendo a ministra, que possui foro privilegiado, mas admitiu ter acionado o gabinete dela ao ter ciência do assunto, por entender que era uma situação grave.

Ela disse que havia sido alertada por queixa de outra servidora e que teve uma “preocupação” central em relação “às moças do Pará” – que poderia configurar xenofobia – e, por isso, decidiu conversar com a ministra para saber qual seria o destino delas. “Nada impede que haja uma conversa com a autoridade maior para ver o que está acontecendo”, disse a corregedora.

Em gravações a que o Estadão teve acesso, a corregedora afirma ter encontrado no Ministério das Mulheres “uma forma diferente de tratamento” entre a equipe. Ela cita “desunião” e “mal-estar” para descrever a situação de “conflito” entre as servidoras e afirma que os problemas de conduta e relacionamento eram muito sérios. Ela propõe buscar antes de tudo uma conciliação.

As denunciantes disseram à CGU ter se sentido expostas e desencorajadas pela corregedora a dar continuidade à reclamação contra a ministra. Segundo elas, a corregedora “naturalizou” práticas suspeitas de assédio (Dyleny afirmou ver problemas de “gestão”) e não recebeu aval para relatar as queixas delas em privado com o gabinete da ministra, depois de tomar ciência das reclamações.

As cinco denúncias obtidas pelo Estadão estavam sendo processadas na instância ética da Presidência na segunda quinzena de novembro. Também foram encaminhadas para avaliação da Corregedoria-Geral da União, órgão da própria CGU, por causa da “gravidade dos fatos” narrados, atesta um documento.

Outro lado

O Estadão questionou o Ministério das Mulheres sobre o teor das acusações e declarações gravadas da ministra e integrantes da equipe. O ministério enviou uma resposta oficial geral do caso, sem abordar os episódios específicos citados sem manifestação da ministra e das integrantes da equipe. A pasta disse que as acusações são anônimas e carecem de “elementos concretos”.

“O Ministério das Mulheres informa que nenhuma das acusações mencionadas foi registrada formalmente nos canais de denúncia das corregedorias do órgão ou da Controladoria-Geral da União”, disse a assessoria de comunicação da pasta. “Informa ainda que tais acusações não são novas, já tendo sido objeto de matéria em outro portal jornalístico anteriormente, também sob anonimato e sem elementos concretos.”

“Vale mencionar, contudo, que, depois da matéria anteriormente veiculada, foi aberto procedimento de averiguação pela Controladoria-Geral da União, já arquivado ante a ‘ausência de indícios de materialidade que justifiquem o prosseguimento de eventual apuração’”, acrescentou.

A CGU, porém, confirmou ao Estadão ter recebido denúncias em seus canais – parte das quais a reportagem teve acesso. A Controladoria havia aberto um procedimento de ofício, depois de o site Alma Preta, ligado ao movimento negro, veicular em outubro o conteúdo da gravação da reunião de Cida e noticiar ter ouvido 17 pessoas que confirmariam episódios suspeitos de assédio e racismo no ministério, entre os quais a acusação contra a secretária Maria Helena.

As denúncias obtidas pelo Estadão foram formalmente registradas na CGU somente depois da notícia do portal Alma Preta. Elas contêm mais queixas e novas personagens. Não foram formalizadas na Corregedoria interna do ministério, cuja chefe também teve a conduta questionada pelas denunciantes.

Ao jornal, a CGU afirmou que sua Corregedoria “analisou denúncias de supostos casos de assédio moral e omissão diante de situações de racismo”. Um expediente com acusações contra a ministra Cida Gonçalves foi despachado à Comissão de Ética Pública (CEP) da Presidência da República, que é o órgão com competência para atuar no caso, segundo a CGU.

A Casa Civil da Presidência, por sua vez, informou que “os processos na Comissão de Ética Pública tramitam em sigilo até o julgamento final” e que não poderia compartilhar informações ou confirmar a existência da apuração.

No caso das demais agentes comissionadas, disse a CGU, as denúncias “não apresentaram elementos suficientes que indicassem possíveis infrações disciplinares” e, por isso, “os autos foram arquivados por ausência de materialidade”. Segundo a Controladoria, a decisão de arquivar abrange a apuração aberta por conta própria e também aquelas recebidas por canais digitais.

Via Revista Oeste

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