O ano passado foi marcado por um aumento considerável em diversas despesas no setor de energia, cujos impactos na conta de luz se estenderão não apenas em 2025, mas também por várias décadas. Ações do Congresso e do governo Lula geraram esse efeito.
As projeções da PSR, consultoria global especializada em energia, e da Frente Nacional de Consumidores de Energia indicam que o aumento nas tarifas pode ultrapassar R$ 300 bilhões.
“A gente passou o ano tentando deter os aumentos”, diz Luiz Eduardo Barata, presidente da Frente. “Se, de um lado, conseguíamos tirar de um projeto de lei, de outro, aparecia numa medida provisória.”
O Ministério de Minas e Energia (MME) afirma estar trabalhando para garantir a segurança energética no país.
Parte dos custos já começam a afetar a inflação de 2025. De acordo com Andre Braz, economista do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre), as consultorias do setor estimam alta média nas tarifas de 5% acima do IPCA, o índice oficial de inflação.
Durante este ano, reforçamos nosso compromisso com a segurança energética!
A partir da expansão de fontes renováveis, o crescimento sustentável energético foi um marco, destacando-se as energias solar e eólica. ☀️🍃
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“O IPCA deve fechar em quase 5%, então o reajuste médio da tarifa vai ficar na casa de 10% no ano”, calcula o economista. “Se for tão ruim assim, a gente já larga o ano com um impacto de 0,4 ponto porcentual na inflação, que vai sendo captado ao longo de 2025 pelo reajuste contratual de cada empresa.”
Para o consumidor, o cenário é o pior possível, visto que a energia elétrica consome cerca de 4% da renda familiar.
Fatores que geraram o aumento da conta de luz
Um dos principais responsáveis por esse aumento é o projeto de lei relacionado às eólicas em alto-mar, o PL das Offshores. Mesmo com a resistência de entidades do setor, o texto foi aprovado no Senado, com uma série de jabutis. Emendas alheias à proposta original, como subsídios ao carvão, foram incluídas no projeto.
Se os jabutis não forem vetados pelo presidente Lula ou revividos na Câmara, o impacto será de R$ 21 bilhões por ano até 2050, ou um total R$ 241 bilhões em valor presente. Para o consumidor, o impacto seria um aumento de 7% na conta de luz.
Outro fator incerto é o efeito da variação do câmbio sobre a tarifa de Itaipu, que é dolarizada. Assim, a usina é um caso à parte na galeria de aumentos. Apesar da quitação da dívida para a construção dela em 2023, que deveria resultar na redução do preço da energia, a tarifa subiu.
Em 2023, o custo unitário do serviço de eletricidade (Cuse) na usina foi de US$ 16,71 por quilowatt (kW). Sem a dívida, o valor deveria ter caído para US$ 11, mas Brasil e Paraguai usaram essa diferença para formar um caixa extra, que financia obras e projetos socioambientais, portanto resistem à redução do valor. Em maio, um acordo entre os dois países fixou o Cuse em US$ 19,28 por três anos, até 2026.
Os consumidores das regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste são obrigados a pagar por 80% da energia gerada por Itaipu. O Ministério de Minas e Energia (MME), com o argumento de que o consumidor brasileiro não seria prejudicado, anunciou o congelamento da tarifa e um cashback de US$ 300 milhões para cobrir a diferença.
Entretanto, especialistas afirmam que isso não mitigará o prejuízo para os consumidores. “O legado do acordo é fazer o consumidor brasileiro pagar US$ 16,71, até 2026, pela energia de Itaipu, quando poderia estar pagando algo próximo a US$ 11”, afirma Ângela Gomes, diretora da PSR. “Essa diferença leva a uma despesa maior para os consumidores brasileiros, próxima a US$ 640 milhões ao ano, de 2024 a 2026.”
Há outro problema. Um estudo da Academia Nacional de Engenharia (ANE), em setembro, alertou que o cashback será insuficiente para cobrir as despesas. Atualmente, o Brasil enfrenta um desajuste entre a receita e as despesas de Itaipu, com um buraco estimado em US$ 120 milhões, segundo cálculos da TR Soluções, empresa de tecnologia especializada em tarifas de energia. São cerca de R$ 740 milhões, na cotação atual.
A TR tomou como base documentos da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) e da Empresa Brasileira de Participações em Energia Nuclear e Binacional (ENBPar), que assumiu como holding de Itaipu depois da privatização da Eletrobras.
“Pode ter havido um ruído de comunicação, porque, aparentemente, a conta para a projeção do ressarcimento não inclui todos os itens”, disse o diretor de Regulação da TR Soluções, Helder Sousa, ao jornal Folha de S.Paulo.
Aparentemente, a estimativa do cashback focou na Cuse, o que garantiu o ganho integral de Itaipu. No entanto, não previu cobertura para a Conta de Comercialização no Brasil, gerenciada pela ENBPar. Excluiu, por exemplo, o gasto com cessão de energia, item dessa conta que também é pago pelos brasileiros. Há indicativos de que as projeções para geração também não se confirmaram. O grande ponto é que, agora, alguém precisa pagar o déficit.
No início de dezembro, ao tratar do problema, a Aneel deu 45 dias para receber sugestões do MME e da ENBPar sobre o que fazer para não cobrar a diferença na conta de luz. Ao anunciar o rombo, o diretor da Aneel, Fernando Mosna, comentou que a pasta de Minas e Energia havia dado uma “derrapada”.
Foi o segundo incidente do tipo em torno do Ministério. No final de outubro, Mosna qualificou como “erro grosseiro” o resultado de uma operação com bancos que antecipou o pagamento de dois empréstimos que pesavam na conta de luz. O MME havia estimado redução média de 3,5% e 5% na tarifa, mas a queda efetiva foi de 0,02%.
A tendência de alta no preço da energia repercute em outra despesa, a Conta de Desenvolvimento Energético (CDE), que acumula subsídios e encargos pagos pelos consumidores, também apresenta tendência de aumento. Em 2025, os custos devem alcançar R$ 40,6 bilhões, um recorde.
Uma semana antes do Natal, o diretor geral da consultoria Volt Robotics, Donato da Silva Filho, dedicou uma apresentação a jornalistas para detalhar os aumentos. “A CDE levou cinco anos para passar de R$ 20 bilhões para R$ 30 bilhões, mas, para ir de R$ 30 bilhões para R$ 40 bilhões, foram quatro anos”, disse ele. “Mantido o ritmo, em 2028, no máximo, a gente chega a R$ 50 bilhões.”
Quatro itens respondem por cerca de 90% da CDE:
- Descontos tarifários: 40%;
- Conta de Consumo de Combustível (CCC): 25%;
- Tarifa social: 15%; e
- Programas de universalização, como o Luz para Todos e o Luz para a Amazônia: 10%.
Esses descontos incluem justamente os benefícios para quem vende e para quem compra energia renovável. Esse grupo não paga integralmente pelo uso do fio, e a despesa é transferida para os demais consumidores. Assim, cada nova leva de painéis solares, no modelo atual, significa aumento na conta de luz de quem não tem painel solar, por exemplo.
Neste ano criamos a Política Nacional de Transição Energética (PNTE), que promove segurança energética no país de forma limpa e sustentável! 🌱
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Outros itens da CDE também contribuem para o aumento, como o subsídio à tarifa social e a universalização do atendimento em áreas rurais e remotas. No caso do benefício para pessoas de baixa renda, Donato defende um pente-fino.
Uma lei de 2021 determinou que a distribuidora deve subsidiar automaticamente quem estiver no cadastro social, ao invés de o consumidor ter que ir atrás da tarifa social. Isso fez a despesa disparar.
Quanto à universalização, o governo projetou investimentos de R$ 2,5 bilhões para esse fim em 2024, mas apenas R$ 800 milhões foram executados. Ainda assim, o orçamento foi elevado para R$ 4 bilhões em 2025.
A única despesa da CDE que tem previsão de queda, da ordem de R$ 392 milhões, é a CCC. Mas o valor ainda pode subir.
A Medida Provisória (MP) 1.232, do governo federal, flexibilizou regras para evitar a falência da Amazonas Energia e possibilitar a transferência de controle, da Oliveira Energia para o grupo Âmbar, do grupo J&F, dos irmãos Joesley e Wesley Batista. Embora a MP tenha caducado, uma decisão judicial manteve as flexibilizações.
Se as medidas forem adotadas, o resultado deve ser custos adicionais de R$ 14 bilhões para os consumidores pagarem ao longo de 15 anos.
Também coube ao MME validar o uso da térmica de Cuiabá, da mesma Âmbar, em um processo que se arrastou por mais de dois anos. A medida adicionou R$ 9 bilhões à conta de luz ao longo de 15 anos.
A Âmbar havia assumido projetos de um leilão que exigia a construção de novas usinas, mas sugeriu a troca pela Cuiabá, há duas décadas de operação. Dada a oposição das áreas técnicas, a proposta não foi ratificada diretamente na Aneel ou Tribunal de Contas da União (TCU).
Além disso, a MP 1.212 prorrogou, em três anos, os subsídios para investidores em energia renovável. Na prática, as estimativas são de aumento em R$ 50 bilhões dos custos para os consumidores até 2050.
Projeção é de conta mais cara daqui para frente
“A gente olha para frente, vê aumento dos custos da energia e da insegurança regulatória, mas a comunicação do governo fala em redução da tarifa de energia em 2025, porque vai ter mais chuva e menos chance de bandeira vermelha”, diz Lucien Belmonte, porta-voz do movimento União Pela Energia, que reúne 70 associações da indústria brasileira.
Os anúncios do executivo, diz ela, são “uma versão bem diferente da realidade que presenciamos”.
Energia elétrica confiável e segura para todos. ✅💡
Com os programas do MME: Energias da Amazônia e Luz Para Todos, levamos mais desenvolvimento e qualidade de vida aos moradores das regiões mais remotas do país.
— Ministério de Minas e Energia (@Minas_Energia) January 2, 2025
A assessoria do MME, procurada para comentar o balanço de 2024, reafirmou que a pasta está comprometida com a modicidade tarifária e segurança energética, mas não forneceu detalhes sobre as distorções identificadas nas políticas de subsídios e encargos.
A assessoria também destacou que a MP 1.212 resolve o desajuste entre geração de energia limpa e renovável e os leilões de linhas de transmissão, e que a MP não criou novos subsídios. Quanto ao problema de Itaipu, o MME afirmou que as negociações continuam em andamento para garantir que as tarifas reflitam apenas os custos da usina.
Em relação à MP 1.232, a assessoria afirma que foi medida de extrema necessidade para garantir a segurança no suprimento de energia aos consumidores do estado do Amazonas e o equilíbrio econômico e financeiro da concessão.
A assessoria não esclareceu se o MME reconhece as distorções na CDE. Afirmou que os programas como o Baixa Renda e Luz para Todos são fundamentais para o combate à pobreza energética e que a pasta tem trabalhado para aprimorar a governança e a transparência dessas políticas.
“O MME tem atuado para prover uma solução estrutural para o setor de energia, mantendo a expansão de geração limpa e renovável e a segurança energética”, disse a assessoria. “A proposta está em fase final e já em tratativas avançadas com a Casa Civil.”
A assessoria reforçou que a atual gestão do MME atua para evitar soluções setoriais isoladas e tentou deter os jabutis do PL das eólicas offshore, bem como outras iniciativas do gênero, como as inseridas no PL do Combustível do Futuro e do Programa de Aceleração da Transição Energética. Disse ainda que há um esforço para concluir a reforma setorial.