“O culto à vítima em certos círculos feministas desonra as mulheres que verdadeiramente lutaram por liberdade” (Camille Paglia, Free Women, Free Man)
Para a esquerda, a condição de vítima sempre foi um ativo político. A lógica é simples: se você é vítima, seus erros se explicam, sua moral se eleva, e sua palavra torna-se irrefutável. Afinal, quem teria coragem de contestar alguém que sofre? Essa estratégia de poder, bem descrita por Pascal Bruckner em A Tirania da Penitência, virou instrumento de controle: quem sofre mais, manda mais.
Longe de ser um fenômeno espontâneo, isso que eu chamo de vitimismo estratégico é cultivado nos aparelhos privados de hegemonia (para falar como Gramsci): nas universidades, na imprensa, no show business e em todo um ecossistema ideológico que aprendeu a instrumentalizar o sofrimento. Como escreve Douglas Murray em The Madness of Crowds, “o status de vítima se tornou moeda de poder. Aqueles que o reivindicam podem reescrever regras, cancelar adversários e capturar instituições”. Assim é que os movimentos identitários contemporâneos — de matriz racial, sexual ou de gênero — passaram a reivindicar privilégios em nome de opressões passadas ou simbólicas, reais ou fictícias. Com isso, adquire-se o direito de reclamar, denunciar e cancelar. Não há mais necessidade de persuasão racional: basta a acusação.
Marina Silva e o ressentimento político

O ressentido político não quer justiça — quer inversão. E o vitimismo fornece exatamente isso: a inversão do mérito, da razão e da hierarquia. No lugar da liberdade, o culto ao ofendido; no lugar da coragem, o direito à censura; no lugar da verdade, o monopólio da dor. Segundo observa Roger Scruton em Fools, Frauds and Firebrands, “o ressentimento é o novo critério de verdade”. Quem se diz ofendido está automaticamente certo. O debate é encerrado antes de começar. E a democracia, construída sobre o confronto de ideias e interesses, é corroída por esse novo totalitarismo sentimental. O vitimismo é o álibi preferido de quem quer poder sem responsabilidade. O que se deseja não é direito, mas vingança. Não é reparação, mas controle.
A verdadeira vítima precisa de justiça. O falso vitimista, de palco. Não é difícil saber quem é quem. Basta ver quem prefere a pose à postura, o grito ao argumento, a denúncia ao diálogo. Reside aí o poder do vitimismo estratégico, mesmo ali onde a histeria — entendida aqui como a prática de sentir o que se diz e não, como na expressão sadia dos sentimentos, dizer o que se sente — parece ser autêntica.
O que Marina Silva fez nesta terça-feira, 27, no Senado Federal — e o que os agentes de propaganda esquerdista replicaram nos estúdios e nas redações — foi apenas mais um dos tantos simulacros de vitimização característicos do vitimismo estratégico. A esquerda revolucionária troca de roupa, mas não muda de natureza.