Lula sob fogo amigo

O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva assumiu em 2023 com a promessa de um Brasil mais justo e inclusivo, especialmente para as populações mais vulneráveis. No entanto, à medida que os primeiros anos de seu terceiro mandato avançaram, cresceu a insatisfação de diversos setores representativos de movimentos sociais e populares. Essas alas apontam distâncias entre as promessas de campanha e as ações efetivas do governo.

Grupos indígenas, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e a Central Única dos Trabalhadores (CUT) estão entre os que mais têm expressado descontentamento com a condução de temas como a reforma agrária, os direitos indígenas e as políticas trabalhistas. Em um contexto em que a retórica governamental é de inclusão para esses grupos, os movimentos sociais clamam por ações mais radicais por parte do petista.

MST e reforma agrária: expectativas e frustrações

A reforma agrária foi uma das promessas centrais da campanha presidencial do PT, e o MST, que é um dos principais aliados de Lula, tem reclamado das ações do governo. Recentemente, o movimento manifestou claramente sua insatisfação com a lentidão na implementação de políticas relacionadas à reforma agrária. O líder João Pedro Stédile, em diversas entrevistas, demonstrou frustração com o Executivo, que classificou como “lento” e “medroso” em relação a questões sociais.

Apesar disso, muitos analistas apontam que o descontentamento exibido pelo MST tem forte componente de encenação. O movimento nunca esteve tão fortalecido como agora, uma tendência que se repete sempre que o PT assume o poder. As atividades do MST, respaldadas pelo ambiente político favorável, indicam uma ampliação do movimento. O grupo invasor de terras controla quase todas as superintendências do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), integra o “Conselhão” da Presidência da República e tem um declarado apoiador, o petista Paulo Teixeira, no comando do Ministério de Agricultura Familiar.

Durante a campanha, Lula havia se comprometido a priorizar a reforma agrária. Em 2023, o MST promoveu uma explosão de invasões de terra, com 62 episódios registrados em apenas oito meses. Esse número igualou o de ocorrências do período do governo Jair Bolsonaro.

Para Stédile e outros líderes do movimento, essa reação reflete uma cobrança por uma ação mais incisiva por parte do governo. Segundo eles, Lula 3 ainda não cumpriu com a rapidez esperada a promessa de uma distribuição mais equitativa das terras.

Apesar das críticas, movimentos jamais deixariam de apoiar Lula

Críticos, no entanto, afirmam que esses movimentos se beneficiam de espaço e visibilidade política fornecidos pelo governo, e que nunca deixariam de apoiar Lula, independentemente das tensões aparentes. Como prova disso, o presidente visitou na semana passada um assentamento do MST, em um gesto claro de reafirmação de laços com o grupo.

O programa “Terra da Gente”, que propõe destinar terras ociosas à reforma agrária, foi apontado pelo governo como uma tentativa de estruturar políticas de assentamento no campo. Contudo, a medida não foi suficiente para acalmar os ânimos no MST, que viu essa ação como insuficiente para resolver as questões estruturais de desigualdade fundiária.

As críticas ao governo não se limitam à lentidão. Em pronunciamentos durante o 1º de Maio de 2024, Stédile e outros representantes do MST afirmaram que a falta de uma agenda clara sobre reforma agrária é uma das questões mais urgentes a resolver. Eles apontam um descompasso entre as promessas de Lula e as ações efetivas que os movimentos sociais esperam.

De acordo com a cientista política Priscila Lapa, doutora em ciência política pela Universidade Federal do Pernambuco, o principal desafio de Lula é unir o “discurso” às pautas que “são prioridades”. “É como se o governo não tivesse conseguido emplacar o discurso de que as pautas para esses segmentos são prioridades.”

Luta indígena e demarcação de terras

Outro setor que se mostra profundamente insatisfeito com o governo Lula é o indígena. Desde a campanha presidencial, o petista havia se comprometido a criar um Ministério dos Povos Indígenas e a dar celeridade à demarcação de terras. Mas o que parecia ser uma conquista para os povos originários tem se mostrado, na prática, um processo mais lento e conturbado do que o esperado.

Lideranças indígenas, como o cacique Raoni Metuktire, expressaram frustração com a falta de ação concreta do governo. Embora o Ministério dos Povos Indígenas tenha sido criado e se tornado uma referência para as pautas desses grupos, a realidade é que a demora nas demarcações e a continuidade da pressão do Congresso e de governadores têm dificultado a implementação dessas promessas.

Um dos episódios mais emblemáticos foi a tentativa frustrada de impedir a aprovação do Projeto de Lei (PL) do marco temporal, que o movimento vê como uma ameaça aos direitos territoriais indígenas. Mesmo com a pressão do Poder Executivo, o Congresso aprovou o PL — e o presidente ainda não o vetou, o que gerou descontentamento nas comunidades indígenas.

“A baixa articulação com o Congresso esvazia fortemente a agenda clássica do petismo, deslocando fortemente a atenção para esse equilíbrio de forças”, destacou Priscila Lapa.

Lula, por sua vez, tem explicado as dificuldades em relação às demarcações. Ele aponta que alguns territórios estão ocupados por “fazendeiros” ou mesmo por famílias “pobres”. Isso geraria dificuldades logísticas e políticas para a regularização das terras. A resposta, no entanto, não tem sido bem recebida pelas lideranças indígenas, que acusam o governo de priorizar acordos políticos em detrimento dos direitos originários.

A insatisfação ficou evidente durante o Acampamento Terra Livre, evento anual que reúne milhares de indígenas em Brasília para protestar por suas causas. Em 2024, Lula não foi convidado para o evento. Nos anos de 2022 e 2023, o petista compareceu. A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil criticou duramente o governo e acusou de utilizar os direitos indígenas como “moeda de troca” com o Centrão

A tensão entre o governo Lula e a CUT

O governo tem gerado forte tensão na questão trabalhista, especialmente com as centrais sindicais, como a CUT. Em 2023, Lula vetou o projeto de lei que estendia a política de desoneração da folha de pagamento por mais quatro anos. Isso gerou uma onda de críticas por parte das centrais. A Força Sindical, a União Geral dos Trabalhadores e a Central dos Sindicatos Brasileiros se uniram para publicar uma carta conjunta com críticas à decisão do presidente, que afetou diretamente a classe trabalhadora.

A justificativa do governo para o veto foi que a medida geraria um impacto fiscal negativo. A CUT, embora não tenha criticado publicamente o veto, alertou que questões que afetam a classe trabalhadora precisam ser “amplamente discutidas e negociadas entre as partes envolvidas”.

As cobranças sobre o governo Lula não se limitam à desoneração. A política de “déficit zero”, defendida pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, tem sido vista com desconfiança pelos sindicatos. Eles acreditam que essa medida prejudica a implementação de políticas sociais necessárias para o país. Além disso, a União Nacional dos Estudantes (UNE) trata a medida como uma “obsessão” de Haddad. Para a UNE, isso não deve ser central no governo.

Uma das críticas recorrentes de todos esses movimentos é a percepção de que o governo Lula se tornou refém de um amplo arco de alianças políticas. Muitas vezes, esses acordos entram em conflito com os interesses das bases sociais que o elegeram. Para os movimentos, o centrão tem sido um obstáculo na implementação de políticas mais “progressistas”. Além disso, a falta de autonomia política do governo é uma das razões pelas quais suas pautas continuam sendo negligenciadas.