(J. R. Guzzo, publicado no jornal O Estado de S. Paulo em 19 de junho de 2024)
A única coisa que deu certo na economia brasileira desde que Lula assumiu a Presidência foi o trabalho de controle da inflação feito pelo Banco Central. O único cargo no setor econômico do governo que não foi preenchido com uma nomeação de Lula foi o de presidente do Banco Central. Seja por seu rancor automático a tudo o que dá certo e não tem nada a ver com ele, seja por seus 40 anos de dependência química no vício de ter sempre um culpado para acusar de seus fracassos, Lula declarou guerra ao presidente do banco, Roberto Campos Neto, desde os seus primeiros dias no governo. Campos Neto usa a taxa de juros, como fazem dezenas de bancos centrais em todo o mundo, para evitar que a inflação dispare — seja por questões de ambiente econômico, seja para compensar a irresponsabilidade e a incompetência do governo em sua atuação na economia, como é o caso do Brasil de hoje. Por conta disso, Lula comanda há um ano e meio uma operação de linchamento contra Campos Neto.
O presidente do BC é acusado por Lula de ser o responsável direto por praticamente todos os fracassos da gestão econômica do seu governo — uma desordem que conduziu o Brasil a uma situação pior, hoje, do que estava 18 meses atrás. Campos Neto, ou “esse cidadão”, como diz Lula, é o culpado, segundo ele e os esquadrões de extermínio do PT, pelo fato de a economia crescer pouco e mal. É acusado de provocar a “fome”, causar “miséria” e “odiar” os pobres. É por sua culpa, segundo os linchadores, que faltam recursos para os serviços de saúde, as escolas e o socorro às enchentes do Rio Grande do Sul. As taxas de juros altas fazem parte de um plano, não definido nem explicado com coerência até agora, para o BC prejudicar os interesses nacionais. No último comício que Lula fez sobre ele, foi acusado de ter um “lado político”, de não agir com “autonomia” e de ser exatamente o oposto daquilo que realmente é. Segundo o presidente, “a única coisa desajustada” no Brasil de hoje é o BC — ou seja, bastaria tirar Campos Neto de lá para a economia brasileira voar.
Os ataques de Lula ao Banco Central
É 100% falso, como em tantas outras vezes em que Lula assume o papel de estadista que fala a sério. Quem nunca admitiu a autonomia do BC é o próprio Lula, que acha um absurdo ter na Presidência da instituição alguém que não obedeça às suas ordens. Tudo que está dando errado na economia se deve exclusivamente à baderna que ele e o seu governo criaram, e a inépcia das suas decisões, não a Campos Neto. Se “os empresários” não investem, como o presidente se queixa, não é por causa do BC — o BC, na verdade, é sua única esperança de racionalidade. As empresas não têm medo de Roberto Campos Neto; tem medo é dele, Lula. Suas agressões verbais contra o BC, além de mal-educadas, mesquinhas e desordeiras, é que criam problemas e instabilidade — não a política de juros. Os juros estão altos, no mundo das realidades, não porque o BC quer sabotar o governo da “esquerda”, mas porque o governo da “esquerda” faz uma administração ruinosa da economia e mantém o Brasil sob ameaça permanente de inflação, de caos nas contas públicas e de colapso no valor da moeda. Se tivesse um mínimo de competência, os juros estariam mais baixos.
A falsificação do debate fica óbvia quando se considera que durante todo o primeiro mandato de Lula a taxa de juros ficou nos dois dígitos. Em nenhum momento do seu governo esteve abaixo dos 13,7% de hoje — tendo chegado a passar de 25% e criado um juro real, descontada a inflação, de 10% ao ano. O que Roberto Campos Neto está fazendo que ele mesmo não fez, e muito pior? Há, também a agressão política grosseira, rancorosa ou simplesmente estúpida. O presidente do BC é acusado, nessa gritaria, de ter ido votar nas eleições de 2022 vestindo uma camiseta com as cores do Brasil — ou de ter jantado com uma autoridade pública em pleno exercício de seu mandato, o governador Tarcísio de Freitas. A presidente do PT entrou com uma ação contra ele na Justiça — não será acusada de litigância de má-fé, como aconteceu com quem recorreu da contagem de votos na eleição de 2022, mas deixa claro a postura de vale-tudo adotada contra Campos Neto. O presidente do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, por sua vez, juntou-se ao pelotão de fuzilamento, dizendo que a “política neoliberal” destrói a democracia e “joga água no moinho nazifascista”. O sujeito oculto da frase é Roberto Campos Neto. O que isso teria a ver com geografia, ou com estatística? Nada, como a ação judicial do PT não tem nada a ver com justiça. É apenas o modo de operar de um governo que não abre mão de fazer a coisa errada.