Durante um encontro com o magnata e fundador da Microsoft, Bill Gates, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) alegou ter “acabado com a fome” em 2014. Ele também disse que retirou 24,5 milhões de brasileiros da fome em apenas oito meses de seu governo, em 2023.
No encontro com Gates, Lula prometeu erradicar a fome até 2026 e mencionou ter assumido seu terceiro mandato com 33 milhões de brasileiros passando fome em 2023.
Esses dados são provenientes do 2º Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil, divulgado em junho de 2022 pela Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Pessan).
“Nós conseguimos acabar com a fome em 2014, e depois que eu voltei à presidência, agora em 2023, nós encontramos 33 milhões de pessoas com fome outra vez”, disse. “Já tiramos 24,5 milhões de pessoas [da fome]. E, até 2026, eu quero outra vez apresentar ao mundo o Brasil sem fome.”
No vídeo, Lula citou que o Brasil saiu do “Mapa da Fome” em 2014, durante seu segundo mandato, conforme dados da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO). O país voltou a ser citado em 2019. A FAO, no entanto, não usa mais o “Mapa da Fome” para divulgar informações sobre subalimentação, adotando outras abordagens.
Pesquisa tem erros estatísticos
Conforme exposto pela Edição 152 de Oeste, a pesquisa que cita o número de 33 milhões de pessoas com fome possui erros estatísticos. Para afirmar que o Brasil tem 33 milhões de famintos, a Penssan comparou dois inquéritos encomendados a ela mesma.
O primeiro levantamento aconteceu em dezembro de 2020, no início da pandemia, em 2.180 lares em todo o Brasil. Ele mostrou que 9% da população, ou 19 milhões de brasileiros, enfrentavam insegurança alimentar.
A segunda pesquisa, mais ampla, foi feita entre novembro de 2021 e abril de 2022, com 12.745 domicílios visitados. O resultado mostrou que 15% dos brasileiros estavam passando fome, totalizando 33 milhões de pessoas.
Realizada durante a pandemia de covid-19, a pesquisa usou oito perguntas focadas no que os entrevistados sentiram nos últimos três meses. No entanto, a representatividade da amostra é questionável, já que o documento publicado não traz informações detalhadas. A pedido de Oeste, o cientista de dados Leonardo Dias analisou a amostra.
De acordo com o especialista, houve uma sucessão de erros. “Em primeiro lugar, foi usada a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) de 2015, sendo que já está disponível a PNAD 2021, que tem uma proporção de amostra de salário bem diferente”, afirmou Dias. “Na edição mais recente, 38% da população ganhava até dois salários mínimos; 40%, de dois a cinco; e 22%, acima de cinco salários”, diz.
Os dados indicam a possibilidade de uma amostragem superestimada nas Regiões Norte e Nordeste, onde a situação da insegurança alimentar é mais grave, e subestimada nas Regiões Sul e Sudeste, onde o problema é menor.
“Não houve um recorte estatístico adequado para chegar a esse resultado”, afirma Dias. “De certa forma, o que aconteceu é muito similar ao que foi feito por algumas pesquisas eleitorais, embora ainda pior”, diz. “É de esperar esse tipo de pergunta, ainda mais sendo uma pesquisa com um forte viés ideológico.”
Relatório da ONU desmente Lula
No Brasil, cerca de 8,4 milhões de pessoas enfrentaram a fome entre 2021 e 2023, de acordo com um estudo de cinco agências da Organização das Ações Unidas (ONU). O relatório também revela que 39,7 milhões de brasileiros viveram em insegurança alimentar durante o mesmo período, sendo 14,3 milhões em estado severo.
As informações são do relatório O Estado da Segurança Alimentar e Nutrição no Mundo, da FAO e agências parceiras, divulgado em 24 de julho.
Globalmente, a fome permaneceu estável nos últimos três anos, depois de um aumento durante a pandemia. Em 2023, entre 713 milhões e 757 milhões de pessoas podem ter passado fome, equivalente a uma cem cada 11 pessoas no mundo. A insegurança alimentar global (moderada ou severa) afetou 28,9% da população mundial.
De acordo com a FAO, a desnutrição no Brasil foi de 3,9% entre 2021 e 2023, enquanto a insegurança alimentar atingiu 18,4%.