quinta-feira, setembro 19, 2024
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Lula e Ortega: os termos do divórcio

Há exatos dez dias, o presidente Lula expulsou a embaixadora da Nicarágua no Brasil, Fulvia Patricia Castro Matu, em reação à mesma ordem dada pelo ditador Daniel Ortega, que retirou do país o diplomata Breno de Souza. Ortega decidiu mandar Souza embora, em virtude do não comparecimento de Lula ao aniversário da Revolução Sandinista, celebrado em 19 de julho.

O comportamento mostra que a relação de Lula com os vizinhos do Foro de São Paulo não anda muito bem, a exemplo de Nicolás Maduro. Há poucas semanas, o chavista criticou o sistema eleitoral brasileiro e, em resposta a um comentário de Lula, o mandou “tomar chá de camomila”.

A relação de Lula e Ortega, contudo, nem sempre foi assim. Em julho de 1980, o petista, na condição de presidente de seu partido, embarcou em um avião rumo à Manágua, capital da Nicarágua, para visitar Ortega e participar da celebração do início do regime.

“Aqui, conheci Fidel Castro pela primeira vez”, lembrou Lula, em outra viagem que fez à Nicarágua, em agosto de 2007. “Vivi todo o trabalho que Daniel Ortega fez naquele momento, para consolidar a Nicarágua como país soberano.”

O guerrilheiro Ortega

Para entender o trabalho de Ortega ao qual Lula se referia, é necessário compreender a Revolução Sandinista. Trata-se da luta armada, encabeçada pela Frente Sandinista de Libertação Nacional (FSLN). O termo sandinismo faz menção a Augusto César Sandino — guerrilheiro que lutou contra a influência dos Estados Unidos em seu país durante as décadas de 1920 e 1930.

Posteriormente, durante esse processo, Ortega surge como um dos principais nomes da guerrilha. À época, Lula pareceu interessar-se pelo que estava acontecendo na Nicarágua.

Em 1984, a Polícia Federal (PF) fez um relatório, sobre as viagens de Lula à Nicarágua e a Cuba. De acordo com o documento, Ortega o teria recebido e levado para uma área de confronto. “Segundo Lula, durante a viagem deverá aprender novos métodos políticos para aplicá-los no Brasil”, informa o relatório da PF.

Lula defende Ortega

Os anos se passaram e a relação entre os dois se fortalecia. Lula se manteve fiel ao laço diplomático. Um exemplo disso foi a defesa que o petista fez do ditador diante do então presidente Jair Bolsonaro, durante o debate na Band, em 2022. O atual chefe do Executivo disse que sentiu orgulho de ter participado do primeiro aniversário da Revolução Sandinista. 

“Senti muito orgulho de, no dia 19 de julho de 1980, participar da comemoração do aniversário da Revolução Sandinista, em que derrubaram um ditador chamado Somoza, de 30 anos”, declarou Lula, ao ser perguntado por Bolsonaro sobre sua amizade com o ditador nicaraguense.

‘Não quis falar comigo’, lamentou Lula, depois de o ditador Ortega não atender suas ligações | Foto: Roosewelt Pinheiro/Agência Brasil
‘Não quis falar comigo’, lamentou Lula, depois de o ditador Ortega não atender suas ligações | Foto: Roosewelt Pinheiro/Agência Brasil

“Ortega é teu amigo, ou não?”, perguntou Bolsonaro. “Ele está lá prendendo padres e expulsando freiras, fechando canais de TV, como a CNN. Ele acabou de proibir a comemoração do Dia da Bíblia, proibiu procissões, fechou o país, um desrespeito com as religiões, e você o trata como amigo?”, perguntou o ex-presidente.

O petista, no entanto, recusou-se a responder sobre sua relação com o ditador. “Agora, o regime político da Nicarágua é uma coisa que depende deles”, declarou Lula. “Daniel Ortega sabe, você sabe, Chávez sabe, todo mundo sabe, que se eu quisesse acreditar em mandato perpétuo, teria feito o terceiro mandato quando me propuseram. Então, se Daniel Ortega está errando, o povo da Nicarágua que o puna, se Maduro está errando, o povo que o puna.” 

TSE proíbe de comentar a relação entre Lula e Ortega

Em virtude das publicações que revelavam a relação entre os dois, o ministro Paulo de Tarso Sanseverino, do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), determinou que o Twitter/X e o Facebook removessem 31 postagens que mostravam o apoio de Lula ao ditador Ortega. Em 12 de outubro de 2022, a coligação de Lula voltou ao TSE para fazer um novo pedido de censura contra o jornal paranaense Gazeta do Povo, que noticiava, com fatos históricos, a relação entre os dois.

Começo do atrito

A relação entre Brasil e Nicarágua, entretanto, começou a se deteriorar em junho de 2023. Na ocasião, o papa Francisco pediu a Lula para que conversasse com Ortega e pedisse a libertação do bispo católico Rolando Álvarez — preso no país latino-americano. Quando o presidente brasileiro tentou telefonar para o ditador da Nicarágua, contudo, não conseguiu falar com ele. O ditador não atendeu às ligações do petista. “Não quis falar comigo”, lamentou Lula.

O ditador Daniel Ortega surge como um dos principais nomes da guerrilha sandinista | Foto: Reprodução/Nicaraguainvestiga
O ditador Daniel Ortega surge como um dos principais nomes da guerrilha sandinista | Foto: Reprodução/Nicaraguainvestiga

Depois disso, o presidente do Brasil ordenou um discreto congelamento das relações com a ditadura nicaraguense. A união teve outro desgaste quando Breno de Souza da Costa, embaixador do Brasil na Nicarágua, não compareceu à celebração do aniversário da Revolução Sandinista, em julho deste ano. O ditador irritou-se com a ausência do representante brasileiro e decidiu expulsá-lo do país — ponto final na relação entre Brasil e Nicarágua. 

Lula, por sua vez, decidiu expulsar a embaixadora da Nicarágua no Brasil, Fulvia Patricia Castro Matu, em 8 de agosto. Para piorar, aliados de Ortega estão analisando a posição de Lula em relação às eleições na Venezuela. Embora o presidente brasileiro não tenha acusado o ditador Nicolás Maduro de fraude, ainda não reconheceu sua vitória e aguarda a divulgação das atas. Os nicaraguenses temem que Lula não reconheça o processo eleitoral no país.

Divórcio?

O convívio caminhava bem até Lula aceitar o pedido do papa e pedir ao ditador para libertar o bispo. O principal termo seria não contrariar o modus operandi de uma ditadura. Além de não ouvir Lula, Ortega intensificou a perseguição aos sacerdotes.

No domingo, 11, o ditador da Nicarágua, Daniel Ortega, prendeu mais um padre: Denis Martínez, da Diocese de Matagalpa. A Polícia Nacional sandinista abordou o religioso enquanto ele se deslocava para celebrar uma missa. A detenção se soma a incontáveis outras da mesma natureza que têm ocorrido sob o regime sandinista. Além da posição dúbia sobre a fraude na eleição da Venezuela, vai o Brasil silenciar também para as violações de Direitos Humanos na Nicarágua?

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Via Revista Oeste

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