Após fazer história no Counter-Strike ao integrar a primeira equipe 100% feminina a alcançar a série A da Liga Gamers Club, tradicional liga brasileira de CS, Gabriela Freindorfer, jogadora e streamer da Furia, quer mais. E não só para a carreira dela, mas para todo o cenário feminino de Esports.
“Eu conversei com as meninas de outros times: ‘A gente está aqui na série A, mas mês que vem eu quero que vocês também estejam’. A série A tem 10 times, que cinco desses sejam femininos, a gente quer isso”, conta Gabriela, mais conhecida como Gabs.
Segundo a jogadora, as equipes femininas têm conquistado mais espaço no cenário e, fora das competições, as mulheres de diferentes times se apoiam.
“O cenário feminino está caminhando pra uma crescente, a gente tem contato com outros times femininos, somos amigas das meninas. Quando a gente conseguiu o acesso à série A, as meninas deram parabéns, elas estavam tão felizes como se fizessem parte do time, porque sabem o quão difícil é”, contou.
Após dois anos fora do competitivo em uma tentativa de aposentadoria, Gabs explica o motivo para ter deixado os campeonatos de lado.
“Eu avisei as meninas do time um mês antes: ‘Acho que estou pensando em parar de jogar, quero experimentar outras coisas, abrir o leque de possibilidades da minha vida’. Eu treinava o dia inteiro e streamava a noite. Era mais rentável streamar. Eu queria testar, precisava experimentar”, conta.
A streamer reconhece que o tempo longe dos torneios foi importante, mas o amor pelo jogo a fez voltar sem grandes dificuldades.
“Via as meninas do meu time no palco e pensava: ‘Eu amo muito esse jogo, quero voltar a jogar’, sentia falta disso. Quando as meninas me pediram para voltar ao time, eu tive que pensar, mas nem tanto. Falei: ‘Será? Estou ruim, estou há dois anos sem jogar’. Voltei, corri contra o tempo e deu tudo certo”, contou.
A equipe agora se prepara para o mundial feminino de Counter- Strike da ESL Impact League Season 4, na Espanha, no dia 8 de dezembro. Gabs garante que quer continuar no competitivo, mas sabe que as atualizações no jogo podem impactar a decisão.
“Vou continuar, por enquanto quero continuar. Mas ninguém sabe o dia de amanha. O Counter-Strike já quer se atualizar para o CS 2, se eu vou me atualizar, não sei”, conta.
A gente está conseguindo conquistar esses espaços porque começamos a criar respeito dos outros times. A maioria das equipes é masculina. Os times bons estão começando a dar espaço para a gente nos treinos, antes a gente não conseguia nem treinar com times muito bons.
A gente estava treinando sempre com times um pouco mais fracos, então a gente melhorava, mas o resultado não era tão rápido. A gente começou a criar um pouco mais de respeito, os times começaram a dar chance da gente treinar contra eles pelo menos.
Acho que isso é muito de dar chance, mesmo. Como você vai saber se é ruim se nunca treinou contra? Existe aquele preconceito só por ser feminino “ah, é ruim”, você nem sabe, nunca jogou. Demorou, mas conquistamos esse respeito com os times.
Acredito que a nossa conquista de subir para a serie A abre as portas para todos os times femininos.
Tem muito time feminino com potencial, mas que o psicológico atrapalha, bate o nervosismo e afeta no jogo. Acho que isso (equipe feminina na série A) deixa as meninas mais relaxadas: “Se elas conseguiram a gente também consegue”. Acho que dá confiança pra todo mundo, principalmente para os times os femininos.
Acho que subir pra série A é muito difícil, mas nem tanto. Um recado que posso falar para as pessoas, principalmente para as mulheres que estão começando, é que não é difícil. Dá, muito trabalho, mas o difícil é se manter lá.
Essa era a nossa meta: subir para a série A. Mas antes da meta de subir para a série A, nossa meta já foi subir para a Série B. Antes, nem isso a gente estava. Daí a gente conseguiu subir e caiu, subiu de novo e começou a se manter, o mais difícil é você ganhar e se manter. Não é difícil chegar ao top 1, difícil é se manter lá.
Quando eu me aposentei, a gente estava ganhando tudo, então eu não queria voltar perdendo tudo. E isso aconteceu. Eu voltei, a gente perdeu, mudou de campeonato, comecei a ficar triste, comecei a me culpar, colocar tudo nas minhas costas, pensei: “Chamem outra menina melhor”.
Mas eu pensei “quer saber, só vou me empenhar e jogar direito”. Vou tentar e se não der certo, não sei o que eu faço, mas tentei não deixar isso me abalar tanto. Claro que me abalou, quando começamos a perder os jogos, mas não deixei isso me afetar tanto e comecei a correr e me dedicar.
Se você pensar somente no bolso, vc vai querer ser streamer/criador de conteúdo. Muitas pessoas focam nisso, mas quem tem aquele sentimento competitivo dentro de você, vai sempre querer vencer, vai se estressar na live mesmo na brincadeira porque quer vencer.
Normalmente quando a pessoa tem esse fundinho competitivo, ela vai voltar de alguma forma. Seja coach, analista, fazendo live sobre jogo, mas vai tentar entrar nisso.
Quem deixa o CS viver é a comunidade, ela que pega plataformas para fazer campeonatos. As plataformas que fazem os campeonatos, não é igual a outras desenvolvedoras, como a Riot, que eles fazem os campeonatos ou outros jogos. A Valve (desenvolvedora do CS) não tem tanto carinho pelo CS, mas a comunidade gosta tanto que continua deixando vivendo.
Quando eu tinha 13 anos, já existia o cenário feminino na Europa, eu via e pensava: “Quero jogar um dia esses campeonatos, quero ir pra fora, viajar”. Aos18 anos, tive minha primeira viagem, fui à França jogar, Suécia e assim foi. Nessa época, o salario não era bom, 400 reais, mas eu já pensava “Existe esse mundo, posso entrar nele”.
Eu tive muitas inspirações de players femininas na Europa, só de ver jogar bem e ganhar. Dois nomes de que sempre gostei muito: Zaz e Juliano, duas meninas que sempre ganharam todos os mundiais femininos que haviam.
Cursei faculdade, mas fiz só 3 anos de engenharia na FEI, em São Bernardo, eu gostava muito, só que fazia os dois ao mesmo tempo. Eu entrei na faculdade e vi que era muito difícil, foi quando eu parei de jogar. Ou eu fazia as duas coisas meia bomba, ou ia fazer uma coisa direito. Então escolhi a faculdade, porque era paga e não ia ficar jogando dinheiro no lixo.
Quando lançou o CSGO, comecei a jogar brincando. Mas veio o mundial, eu joguei, comecei a viajar, vieram marcas, contratos e pensei que tinha que escolher uma coisa só. Fiz 3 anos de faculdade em paralelo.
Tranquei a faculdade e foquei no CS. E deu certo, mas eu falo pras pessoas: “Não recomendo largarem os estudos, faça, e, se der certo, você vai ter que escolher em algum momento, mas não largue”.
A gente vive o jogo 24 horas. Quando a gente não está jogando, está vendo alguém jogar, estamos sempre com a cabeça no jogo. É importante conseguir levar a nossa vida e não só viver o jogo. A gente tem que ter a nossa relação com a família, almoçar na mesa com a mãe, não ficar só comendo em frente ao computador.
Tem muita gente que se prende muito ao jogo e acaba se esquecendo da vida paralela, acho que não é assim que funciona. Tem que ter folga no fim de semana, a gente precisa se desprender um pouco disso.
Aí entra a parte do psicólogo, porque ajuda a trabalhar um pouco isso, ajuda a falar sobre os seus problemas, às vezes você está tão estressado no dia e no jogo, não sabe nem por quê. Acha que é porque está perdendo, mas às vezes nem é isso, é porque teve um problema pessoal e não sabe falar sobre isso.
Normalmente, as pessoas que estão no jogo usam o jogo como válvula de escape. “Ah, estou bravo com a minha mãe, com a minha família, vou jogar depois do treino”. A mente começa a se perder e se fechar tanto, de um jeito que você começa a perder o controle.