Demitido depois de revelações sobre possíveis irregularidades no leilão de arroz importado pelo governo Lula, o ex-secretário do Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa), Neri Geller, afirmou que o leilão foi um erro político, mas não de sua autoria. Segundo ele, as denúncias ganharam proporção para atingi-lo diretamente.
Responsável pela área de Política Agrícola, Geller destacou, em entrevista à Folha de S. Paulo, que não participou da elaboração do leilão e, portanto, não poderia ser responsabilizado por supostas irregularidades. Ao contrário do que afirmou o ministro Carlos Fávaro, ele disse que não pediu demissão e que seu ex-superior não o atendeu quando tentou corrigir a informação sobre sua saída.
“A forma com que foi conduzido [o leilão para a importação de arroz] foi um equívoco, gerou uma reação muito forte da oposição e do setor produtivo, instabilidade no Congresso”, afirmou Geller à Folha. “Se eu pedisse demissão, estaria assumindo uma parcela de um erro político que não é meu”.
Anulação do leilão
No dia 11, o governo do presidente Lula (PT) anunciou a anulação do leilão de importação de arroz. O pregão levantou suspeitas por incluir entre os vencedores uma loja de leites e um empresário que confessou propina. Surgiram ainda suspeitas de favorecimento que respingaram em Geller.
A saída do secretário ocorreu simultaneamente à anulação do leilão, sendo interpretada como uma tentativa de associá-lo ao fracasso da medida. Reportagem do site The Agribiz revelou que a Bolsa de Mercadorias de Mato Grosso (BMT) e a Foco Corretora de Grãos, criadas pelo ex-assessor de Geller, Robson Luiz de Almeida França, intermediaram a venda de quase metade do arroz importado leiloado pela Companhia Nacional de Abastecimento (Conab).
Suspeitas de conflito de interesses
De acordo com a Folha, o filho de Geller, Marcelo Piccini Geller, é sócio em outro empreendimento de França. Questionado sobre um possível conflito de interesses que envolve seu filho, Geller afirmou que “concorda 100%”.
“O que eu fiz de errado?”, questionou. “Com certeza tomou proporções muito grandes por causa disso”, disse.
Geller explicou que França deixou de ser seu assessor em 2020 e já atuava no setor antes de sua entrada no ministério. A empresa do ex-auxiliar com seu filho foi aberta, mas nunca operou.
“É justo que os órgãos de controle fiquem de olho, mas não tem uma vírgula errada”, garantiu. “Não posso coibir um ex-assessor meu de realizar a atividade dele. O erro deles, do meu filho também, foi nunca ter dado baixa na empresa, aí não teria dado todo esse imbróglio”.
Discussões sobre o leilão
Geller evitou apontar quem foram os principais defensores do leilão de importação de arroz, mas mencionou que defendeu uma abordagem mais cautelosa, como a redução da Tarifa Externa Comum (TEC) do Mercosul, com apoio do Ministério da Fazenda.
Segundo ele, já era possível prever que a maior parte da produção do Rio Grande do Sul não seria afetada pelas chuvas, pois já havia sido colhida.
Embora evite apontar responsabilidades, aliados de Geller indicam que a proposta de importação foi defendida pela Casa Civil da Presidência e pelo próprio ministro da Agricultura. Geller afirmou que conversou com Fávaro antes da reunião entre o ministro e o presidente Lula, no dia 11, e se colocou à disposição para defender sua posição.
Após o encontro, Fávaro anunciou sua saída. Geller tentou conversar com seu superior, mas foi ignorado. “Ele mandou a carta pedindo a minha exoneração a pedido. Eu não consegui falar com ele, ele não me atendeu. Aí pedi a correção, que a exoneração não foi a pedido”, disse Geller.
Relação com o ministro
Questionado sobre a relação com Fávaro, Geller não quis comentar. Também evitou dizer se foi tratado como “bode expiatório” para a crise do arroz, afirmando apenas que “não teve esse intuito por parte do presidente Lula, não”. Durante a conversa com o jornal, Geller, filiado ao Progressistas, destacou seu papel como interlocutor do presidente Lula no agronegócio, tanto durante a campanha quanto no governo.