A Justiça do Amazonas atendeu a um pedido da Defensoria Pública do Estado (DPE-AM) e autorizou que uma jovem removesse da própria certidão de nascimento e demais documentos os nomes do pai e dos avós paternos. O caso foi divulgado nesta quarta-feira, 9.
A solicitação foi fundamentada pela DPE-AM com base no histórico de abusos sexuais cometidos pelo pai desde que a vítima tinha 12 anos, o que lhe causou sérios traumas psicológicos. O caso ocorreu em uma cidade do interior do Estado.
“O abusador não pode ser encarado como um pai, pois esta última figura tem o dever de proteção, cuidado e amparo material e afetivo”, argumentou Mila do Couto, defensora pública no processo. “Esse homem, em sentido contrário, sem qualquer tipo de eufemismo, conseguiu destruir a vida da autora, deixando marcas que acompanharão a vítima até o fim da sua existência.”
O autor dos abusos foi sentenciado a mais de 30 anos de prisão pelos crimes de violência sexual cometidos ao longo de dois anos. Na época, ele tinha a guarda dos filhos. A vítima conseguiu buscar ajuda com vizinhos. Segundo Mila, a alteração no registro civil representa uma reparação simbólica, mas fundamental para que a jovem possa reconstruir sua vida.
“A formação desse precedente é muito importante para vítimas de abusos sexuais”, disse a defensora. “É claro que a exclusão do sobrenome paterno e da linha de ascendência paterna na certidão de nascimento não vai ser capaz de apagar os traumas e as dores da vítima, mas é uma forma de tentar garantir um recomeço, livre de um vínculo registral com seu algoz.”
Situações semelhantes já foram reconhecidas por tribunais de outros Estados, como o Tribunal de Justiça de Goiás, que autorizou medida similar em 2015. Além disso, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) afirmou que o direito ao nome “diz respeito à propriedade identidade pessoal do indivíduo, não apenas em relação a si, como também em ambiente familiar”.
Em Goiás, Justiça decidiu caso parecido
A juíza Coraci Pereira da Silva, da Vara de Família e Sucessões de Rio Verde (GO), reconheceu judicialmente o vínculo de paternidade entre uma jovem de 21 anos e seu padrasto em novembro de 2015. Com a decisão, o nome do padrasto foi incluído na certidão de nascimento da moça, e os nomes do pai biológico e dos avós paternos foram retirados do registro.
Segundo a magistrada, todos os requisitos legais para a adoção foram cumpridos, como a diferença mínima de 16 anos entre adotante e adotada, a concordância expressa das partes e o consentimento formal do pai biológico. A mãe da jovem, companheira do adotante, também manifestou anuência, como determina o Estatuto da Criança e do Adolescente.
Coraci destacou que não houve vínculo afetivo entre o pai biológico e a jovem, o que justificaria a substituição da filiação. Para a juíza, a paternidade socioafetiva — construída com base no cuidado e na convivência — deve prevalecer sobre o vínculo meramente biológico.

A magistrada fundamentou sua decisão no artigo 16 do Código Civil, que garante a toda pessoa o direito ao nome, como a possibilidade de adequá-lo à sua identidade social e afetiva. Ela entendeu que a alteração no registro civil reflete a realidade vivida pela jovem, que considera o padrasto como verdadeiro pai desde os sete anos de idade.
Em sua sentença, Coraci ressaltou a evolução do Direito de Família, que passou a reconhecer como legítimas as relações fundadas no afeto e não apenas na consanguinidade. Ela afirmou que “pai é quem cria”, e que a adoção vai além de preencher lacunas biológicas, uma expressão concreta de amor e convivência.
Por fim, a juíza concluiu que a adoção de pessoa maior e capaz dispensa estágio de convivência e destituição do poder familiar. A decisão reforça o papel da Justiça em garantir dignidade e pertencimento a quem constrói laços afetivos verdadeiros dentro de um núcleo familiar.