Separada da Vila de Jericoacoara por dunas e por longas faixas de areia à beira-mar, a Praia do Preá (CE) ficou por muito tempo na sombra de “Jeri”, mas agora ganha tração como um destino à parte. Considerada a meca do kitesurf, a praia atrai adeptos do esporte há algum tempo, mas os atuais canteiros de obra frente-mar apontam para uma nova direção.
Condomínio de alto padrão, clube de kitesurf com parte hoteleira, unidade do resort Anantara e hotéis de bandeiras internacionais fazem parte de investimentos que podem chegar a R$ 4 bilhões pelos próximos 10 anos. O Grupo Carnaúba está por trás da iniciativa, que deseja desenvolver o Preá como “o primeiro destino turístico planejado do país”.
E tudo começou com um empurrão da natureza, justamente o kitesurf. Julio Capua, um dos sócios-fundadores da XP Investimentos, saiu da corretora em 2020 e viu na Praia do Preá, que frequentava desde 2014, uma oportunidade de empreender.
“Era uma confusão: tinha que ir para Fortaleza, demorava cinco horas de carro para chegar lá, não era um lugar fácil. Praticamente não tinha pousada com ar-condicionado”, lembra o cofundador do Grupo Carnaúba. As coisas começaram a mudar com a chegada do aeroporto de Jericoacoara, em junho de 2017.
“Acabei ouvindo de alguns urbanistas que o maior vetor de crescimento urbano de qualquer cidade chama-se aeroporto. Mesmo que a gente não faça nada, a região vai crescer muito”, diz. E ele fez: comprou um terreno de mais de 500 mil m² na frente da praia e a 15 minutos do aeroporto.
Estava plantada a semente do grupo, que se estabeleceu em 2021 com a compra de 12 milhões de m² de terras, sendo 4,2 km à beira-mar, após levantar cerca de R$ 170 milhões com outros investidores.
Hotel e condomínio no Preá
O resumo do plano é implantar na praia uma série de produtos imobiliários e hoteleiros para também mirar o desenvolvimento da região. “Eu percebi que, se a gente não controlasse a maior quantidade possível das terras, não conseguiríamos controlar e organizar o desenvolvimento da região. E como é tudo mato, não tem nada ainda, você pode fazer bem ou mal feito”, explica Julio.
A primeira aposta é o Vila Carnaúba, condomínio com a primeira fase lançada no fim de julho. Ele ocupa aquele primeiro terreno de 500 mil m² e terá 230 lotes, com 160 na fase inicial — 80% desse número já foi comercializado. As casas variam de dois, três ou quatro quartos e têm valores entre R$ 3,5 e 6,5 milhões. Elas podem ser compradas prontas, incluindo móveis e eletrodomésticos, ou erguidas do zero seguindo protocolos.
Dentro dele há oito lagoas artificiais, que reproduzem as lagoas de chuva da região, e funcionam como piscinas para as casas ao redor. As ruas são de areia, como nos vilarejos do Preá e de Jericoacoara, o paisagismo é com vegetação nativa, incluindo as carnaúbas, e veículos a combustão são limitados a emergências.
Para este segundo semestre, mais uma inauguração: a 20 minutos do aeroporto serão abertas as primeiras villas do Carnaúba Wind House, proposta descrita como “stress free” que une títulos vitalícios e hospedagens.
“Percebemos que muita gente não quer ter mais uma casa para gerenciar, então o clube vem como uma solução”, diz Julio. Interessados compram títulos e desfrutam de bangalô privativo, de até quatro suítes, com comodidades de hotel cinco estrelas. Uma parte das 170 acomodações será voltada exclusivamente a hospedagens para o público geral e o Rancho do Kite operará a escola de kitesurf. O beach club deve abrir totalmente em 2025 e já tem o chef Felipe Bronze como embaixador.
Juntos, os empreendimentos têm investimento de cerca de R$ 500 milhões em infraestrutura, que envolve desde paisagismo até hidráulica e parte elétrica, por exemplo.
Anantara e bandeiras estrangeiras
Para 2026, espera-se que o Anantara Preá Ceará Resort abra as portas, resort cinco estrelas de 70 acomodações e 30 residências que ficará dentro do condomínio Vila Carnaúba. O projeto arquitetônico está 100% fechado e, segundo Julio, as obras podem começar ainda neste ano.
A estimativa atual é que o hotel seja erguido por R$ 180 milhões. “Eles deixaram bem claro que não querem um hotel com cara de Ásia. Querem nos dar total liberdade de fazê-lo com cara de Ceará”, declara.
Outros hotéis de bandeiras internacionais também estão na mira do grupo para os próximos anos. “Estamos em conversas avançadas com o Club Med, que já tem mais de 20 resorts de esqui no mundo, e o kite é considerado o esqui do verão; e tem ainda o hostel da Accor, o Jo&Joe”, revela Julio.
Queremos que a praia tenha bandeiras legais, especialmente marcas internacionais que tragam o cliente gringo, e isso ajuda para que as pessoas tenham coragem de vir para o Ceará, especialmente o americano, que tem muita dificuldade de sair do México e do Caribe
Julio Capua, cofundador do Grupo Carnaúba e ex-sócio da XP Investimentos
Um time percorreu destinos no mundo que deram certo e outros que, na visão deles, nem tanto, para que fosse moldada uma inspiração de projeto urbanístico e de desenvolvimento sustentável. Mesmo não planejada, Tulum, no México, é exemplo que Julio destaca, além de St. Barth e ilhas de ocupação francesa no Caribe, assim como casos orgânicos no Mediterrâneo, como Grécia, Ibiza, e ilhas na Itália. “Queremos que as pessoas batam o olho e saibam que isso é Ceará”, categoriza.
Viabilização dos planos
Com todos os projetos previstos, estima-se que 10 mil empregos sejam gerados a longo prazo, mão de obra que precisa de moradia. Atrás dos empreendimentos à beira-mar, o desejo é criar um bairro ou uma minicidade planejada com casas do Minha Casa, Minha Vida e até residências para classe média baixa e alta.
Cursos profissionalizantes entram em jogo e os alunos formados terão prioridade nas vagas de emprego do grupo. Hotelaria, construção civil, manutenção e técnicas de pintura são alguns dos cursos oferecidos pelo Instituto Camboa, braço educacional do Grupo Carnaúba, em parceria com a Federação das Indústrias do Estado do Ceará (FIEC), SESI e SENAI.
As aulas são ministradas na Casa do Instituto, aberta oficialmente em agosto ao lado da Vila Carnaúba. É um espaço também para oficinas e exposições, além de ter um viveiro de mudas. Ali estão catalogadas 90 espécies nativas, com 76 reproduzidas no viveiro, o qual é um berçário da carnaúba, árvore símbolo da região.
Por meio de iniciativas, o instituto já reciclou cerca de 24 toneladas de materiais na comunidade entre 2022 e 2023 e criou um posto médico na alta temporada que atendeu moradores pelo SUS.
Sobre a pesca, prática enraizada no Preá, Julio afirma que ela não vai parar, mas pode ser que diminua um pouco. “Quanto mais rápido conseguirmos desenvolver a gastronomia, mais demanda teremos por pescado fresco e melhor a renda dos pescadores”, diz.
Melhorias regionais
Um projeto urbanístico e hoteleiro dessa dimensão também encontra certos empecilhos. Segundo Julio, é necessária a ajuda do poder público para questões básicas, como saneamento, energia, saúde e um trabalho organizado do Ministério do Turismo. Para o empresário, a região necessita de uma nova subestação parruda de energia e há uma demanda reprimida de uma melhor infraestrutura de saúde, o que daria mais segurança também para os visitantes.
“Seria muito bem-vindo um trabalho organizado do Ministério do Turismo para que pudesse embelezar as vilas de pescadores da costa do Ceará, que acho que não é obrigação nossa. Não tem como você querer ser um grande destino turístico e não ser bonito. Ninguém vai para Ibiza ou Barcelona se não for bonito, tem que ter um pouco de capricho e tentar organizar as coisas”, afirma o empresário.
A intenção é construir um destino brasileiro que possa ser um case. “A gente vive falando que Barcelona sozinha recebe mais gente do que o Brasil inteiro, acho que isso é porque o Brasil nunca investiu de verdade em ser um destino mundial. Demos a sorte de ter o kitesurf e de ter essa região ainda muito virgem, com tudo a ser desenvolvido, e que ganhou de presente esse aeroporto, que foi feito para ser internacional”, arremata.
Hotelaria no Brasil: Investimento de R$ 5,7 bi e marcas internacionais
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