sexta-feira, novembro 29, 2024
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Interferência na Romênia pode ser tentativa de golpe da Rússia

A Rússia adotou uma estratégia inédita para interferir no processo eleitoral da Romênia: intensificou suas ações no TikTok, rede social chinesa usada geralmente por jovens e adolescentes. Em publicação no Twitter/X, Rodrigo da Silva, ex-diretor-geral do Spotniks, explica como o Kremlin busca ampliar sua influência na terra do Conde Drácula.

Antes, é importante trazer à superfície o contexto histórico da relação entre os dois países. Por décadas, no período da extinta União Soviética, a Romênia foi aliada de Moscou. Todavia, tornou-se pró-Ocidente a partir da execução do ditador Ceaușescu, no Natal de 1989. 

Por fazer parte da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) e da União Europeia, a Romênia é um país importante para o governo de Vladimir Putin. No último fim de semana, o país organizou o primeiro turno de suas eleições presidenciais. A Suprema Corte romena ordenou a recontagem dos votos na última quinta-feira, 28, por suspeitas de interferência russa. 

Líderes pró-Ocidente desafiam planos de influência da Rússia

Localizada no sudeste europeu, a Romênia fica na região dos Bálcãs — historicamente um ponto central de competição entre potências do Oriente e do Ocidente. O país tem uma costa de 245 km no Mar Negro e faz fronteira com cinco países: Ucrânia, Hungria, Bulgária, Sérvia e Moldávia. 

Há especulações de que a Moldávia, com quem a Romênia tem laços fortes, inclusive o idioma, seja o próximo alvo de invasão da Rússia. A justificativa seria a Transnístria, um território oficialmente moldavo, sob domínio russo, na divisa com a Ucrânia.

Transnístria pode ser a justificativa da Rússia para invadir a Moldávia
Em vermelho, a Transnístria, um território oficialmente moldavo, sob domínio russo | Foto: Reprodução/Rodrigo da Silva

“Se conquistar a Moldávia é uma ambição do Kremlin, a influência da Romênia é um grande obstáculo”, escreveu o editor do Spotniks. Esse desafio ocorre porque a terra do Conde Drácula apoia a integração da Moldávia à União Europeia.  

A presidente moldava, Maia Sandu, é pró-Ocidente. Ela estudou em Harvard e trabalhou no Banco Mundial. As eleições que a reelegerem, em outubro, também tiveram votação pela entrada do país na União Europeia. As duas pautas saíram vitoriosas, mas não sem o desafio da interferência russa. 

Segundo a Justiça da Moldávia, até o começo de outubro, mais de 130 mil eleitores do país — cerca de 10% do eleitorado — receberam pagamentos da Rússia para votar contra as duas pautas.

No total, as autoridades moldavas alegam que a Rússia gastou cerca de US$ 100 milhões em 2024 para influenciar os processos eleitorais. A Moldávia é um dos países mais pobres da Europa, com salário bruto médio de € 641 por mês. A polícia local também revelou a descoberta de um programa no qual pelo menos 300 moldavos foram levados à Rússia para passar por treinamentos para organizar tumultos e distúrbios civis.

A interferência russa deu errado, mas por pouco. Maia venceu o candidato pró-Rússia, com margem acima dos 10%, mas a adesão à União Europeia venceu por pouco, em um placar de 50,39% a 49,61%. Agora, a Moldávia espera aderir à União Europeia até 2030.

O Mar Negro consiste em uma rota vital para o comércio e a projeção militar russa no Mediterrâneo, e pode ser uma justificativa para invadir a Romênia
Configuração do Mar Negro | Foto: Reprodução/Rodrigo Silva

O possível papel da Romênia nos planos de Putin

A Romênia está numa posição privilegiada para o Ocidente e hoje é um dos pilares do escudo europeu oriental da Otan, ao lado de Polônia, Estônia, Letônia e Lituânia. O território romeno abriga a Base Militar Deveselu, que hospeda o Sistema de Defesa de Mísseis Balísticos Aegis Ashore, da Marinha norte-americana. 

Embora potências ocidentais insistam que esse sistema tem um caráter defensivo contra ameaças de fora da Europa, como o Irã, o Kremlin o acusa de ser projetado para neutralizar o poder militar russo na região.

Além de fazer fronteira com uma série de países, a Romênia é um país estratégico graças à sua posição no Mar Negro. A Rússia enxerga essa região como essencial para a segurança nacional e para capacidade de influenciar os Bálcãs, o Cáucaso e o Oriente Médio.

O Mar Negro consiste em uma rota vital para o comércio e a projeção militar russa no Mediterrâneo, por meio do Estreito de Bósforo, na Turquia. A Rússia hoje consolida presença na região através da Crimeia, território ucraniano anexado por Moscou em 2014. Fica na Crimeia a Base Naval de Sebastopol.

Sinais de interferência nas eleições da Romênia podem indicar tentativa de golpe da Rússia
Mapa da Romênia | Foto: Reprodução/Rodrigo da Silva

Já a Romênia abriga a Base Aérea Mihail Kogălniceanu, próxima ao Mar Negro, usada pelas forças da Otan. Durante a guerra na Ucrânia, essa base serve como um centro logístico e operacional — um ponto de apoio para tropas e equipamentos — e se tornou a maior base da Otan na Europa.

Contexto das eleições romenas 

O candidato pró-Rússia, Calin Georgescu, ficou em primeiro lugar no primeiro turno, com 22,94%. A grande questão é que a ascensão de Georgescu não faz sentido, diz Rodrigo da Silva. O candidato apareceu com 1% de intenção de votos em algumas pesquisas e ficou em quinto lugar na última pesquisa da AtlasIntel. 

Além de não ser filiado a nenhum partido, Georgescu concentrou sua campanha no TikTok, da chinesa ByteDance.

Georgescu viu seu número de seguidores no TikTok ultrapassar os 450 mil. Ele obteve milhões de visualizações e 5 milhões de curtidas em um país com 19 milhões de habitantes. Seus apoiadores on-line recebiam materiais pelo aplicativo de mensagens Telegram, prontos para serem compartilhados como comentários no TikTok e em outras redes sociais.

“Vi TikToks de futebol com comentários que diziam Vote em Calin Georgescu”, contou Catalin Olaru, um eleitor de 21 anos, à agência AFP.

Os vídeos de campanha de Georgescu no TikTok alcançaram mais de 52 milhões de visualizações em apenas quatro dias, de maneira a mobilizar o público jovem.

O Conselho Supremo de Defesa Nacional da Romênia afirmou que o TikTok deu a Georgescu “tratamento preferencial”, o que resultou em sua “exposição maciça”. O TikTok negou as acusações de ter favorecido Georgescu.

O Conselho Supremo de Defesa da Romênia acusou o TikTok de promover a candidatura de Georgescu. O Estado pediu a suspensão do aplicativo. 

A Romênia também diz ter sofrido ataques cibernéticos com o objetivo de influenciar a correção do processo eleitoral na votação do último domingo, 24. As autoridades romenas relataram um interesse crescente por parte da Rússia em influenciar a agenda pública na sociedade romena.

O segundo turno ocorrerá em 8 de dezembro. Se Georgescu vencer, colocará a Romênia ao lado de Hungria e da Eslováquia como uma força russa na região. E o país será mais um líder pró-Putin na União Europeia e na Otan, ao lado do húngaro Viktor Orbán.

Para o diretor do Spotniks, a situação mostra como as redes sociais se tornaram ativos políticos e geopolíticos extremamente poderosos. 



Via Revista Oeste

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