Por mais de três décadas, cientistas canadenses monitoraram a vida marinha do Atlântico Norte sem nunca encontrar um tubarão-branco morto. No entanto, em apenas um ano, cinco carcaças foram descobertas, levantando um mistério preocupante.
Casos semelhantes já haviam ocorrido nos EUA, totalizando nove tubarões encontrados sem sinais aparentes de ferimentos ou desnutrição. A causa foi revelada após análises microscópicas: meningoencefalite, uma inflamação do cérebro e das membranas que o envolvem, afetando a função cognitiva dos animais.
A inflamação cerebral pode comprometer a capacidade dos tubarões de nadar e se alimentar corretamente, tornando-os mais propensos a encalhar. Ocorre que a meningoencefalite não é uma doença propriamente dita, mas um sintoma. E os cientistas querem saber o que está causando esse quadro.
Uma doença pouco compreendida
Em entrevista ao site IFLScience, Harley Newton, cientista-chefe e veterinária da OCEARCH, organização conhecida pelo monitoramento de tubarões, destacou a falta de conhecimento sobre doenças naturais em tubarões e raias selvagens. “Encontrar vários indivíduos da mesma espécie, com sinais semelhantes de inflamação cerebral, ao longo de alguns anos, é algo preocupante”, afirmou, ponderando, no entanto, que sem um panorama mais amplo sobre a saúde dos tubarões é difícil medir a real gravidade do problema.
Foi ela quem primeiro identificou a meningoencefalite em um tubarão-branco em 2022, analisando amostras de tecido cerebral de um animal encontrado em Long Island, Nova York. Desde então, outros casos surgiram em locais distantes, como a Ilha do Príncipe Edward, no Canadá, e a Carolina do Sul, nos EUA. E a origem da doença continua desconhecida.
O impacto para os tubarões e o ecossistema
O surgimento dessa condição representa um novo desafio para os grandes tubarões-brancos, que já enfrentam riscos devido à pesca excessiva e à degradação do ambiente marinho. Segundo David Shiffman, estudante de pós-graduação em ecologia e conservação de tubarões, cerca de um terço das espécies conhecidas de tubarões e seus parentes – como raias e quimeras – estão ameaçados de extinção, conforme avaliado pela Lista Vermelha da União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN).
Embora os EUA sejam um dos países com melhores práticas de conservação de tubarões, a população do Atlântico Norte ainda é pouco estudada. De acordo com Shiffman, esses tubarões começaram a reaparecer na região recentemente, após um período de declínio populacional. O surgimento de uma doença misteriosa e potencialmente fatal pode representar um risco ainda maior.
No momento, não há evidências de que a meningoencefalite esteja se espalhando em larga escala. No entanto, se sua causa for infecciosa, há o risco de que a condição atinja um número maior de indivíduos. “É importante estudar sinais de alerta de doenças emergentes”, orientou Shiffman.
Como desvendar o enigma?
Para tentar solucionar o mistério, Newton enviou amostras de tecido cerebral de um dos tubarões para o Laboratório de Diagnóstico de Doenças Animais de Washington. A análise genética pode identificar possíveis vírus ou bactérias responsáveis pela inflamação. No entanto, a cientista não acredita que uma resposta definitiva surgirá rapidamente.
Enquanto isso, especialistas enfatizam a importância de estudar tubarões encalhados para entender melhor as doenças que podem afetá-los. Segundo Shiffman, a preservação desses predadores é essencial para manter o equilíbrio do oceano. “Se você quer um ecossistema saudável, precisa de uma cadeia alimentar equilibrada – e isso inclui um topo forte”.