Um grupo de orcas no Oceano Pacífico, próximo à costa do México, desenvolveu uma estratégia astuta para caçar e matar tubarões-baleia — o maior peixe do mundo, que pode crescer até 18 metros de comprimento — segundo uma nova pesquisa publicada nesta sexta-feira (29) no Frontiers in Marine Science.
Embora evidências anedóticas já sugerissem que orcas podem derrubar tubarões-baleia, cientistas marinhos agora documentaram o comportamento em detalhes pela primeira vez, analisando quatro eventos de caça registrados por câmeras.
As orcas caçam tubarões-baleia que se reúnem em locais de alimentação no Golfo da Califórnia e que ainda não atingiram a idade adulta. Os tubarões jovens têm tipicamente entre 3 e 7 metros de comprimento, tornando-os mais vulneráveis a predadores. Embora um confronto entre orca e tubarão-baleia possa parecer uma batalha épica, as orcas fazem um trabalho fácil com os gentis gigantes.
“O tubarão-baleia tem o menor cérebro em comparação com a massa corporal. O cérebro é do tamanho de um ovo”, diz Francesca Pancaldi, primeira autora do estudo e pesquisadora do Centro Interdisciplinario de Ciencias Marinas no México.
“É um peixe muito, muito grande que é muito lento comparado com outros tubarões. Tem dentes minúsculos que não usa como mecanismo de defesa”, acrescenta Pancaldi. “A única defesa que tem é agitar-se ou mergulhar. Pode mergulhar até 2.000 metros ou mais.”
As caças descritas no estudo ocorreram entre 2018 e 2024 e foram capturadas em imagens e vídeos feitos por cientistas e membros do público.
Os autores conseguiram identificar as orcas envolvidas observando características distintivas como nadadeiras dorsais ou cicatrizes nos corpos dos animais. Em três dos quatro eventos de caça, uma orca macho — apelidada de Moctezuma em homenagem ao imperador asteca — com cerca de 8 metros de comprimento estava presente.
Uma orca fêmea, previamente observada na presença de Moctezuma, participou de um evento também, sugerindo que eles poderiam ser parentes ou membros do mesmo grupo, segundo o autor sênior do estudo Erick Higuera Rivas, biólogo marinho da Conexiones Terramar, uma organização sem fins lucrativos.
Orca vs. tubarão-baleia
A análise dos pesquisadores revelou exatamente como as orcas, frequentemente caçando em grupo, subjugam o tubarão-baleia.
Primeiro, as orcas usam seus corpos para atingir o tubarão-baleia em alta velocidade. Depois, viram o tubarão-baleia de barriga para cima, impossibilitando-o de mergulhar para escapar. As orcas então mordem o abdômen de sua presa, permitindo que seu sangue flua antes de consumir seus órgãos internos.
“Você pode ver claramente como todos os membros do grupo de orcas estão tentando derrubar o tubarão-baleia”, diz Higuera Rivas. “Enquanto uma orca estava batendo nele no lado ventral (barriga), a outra estava batendo nele na cabeça. Então, eventualmente, o tubarão-baleia é colocado em uma posição de cabeça para baixo”, acrescenta.
Esta manobra coloca o tubarão-baleia em um estado visto em outros animais chamado “imobilidade tônica” — essencialmente uma paralisia temporária resultante de medo extremo.
Os autores do estudo acreditam que as orcas estão saqueando o fígado grande e rico em nutrientes do tubarão-baleia, que constitui uma quantidade significativa do peso corporal do tubarão, mas os pesquisadores não observaram as orcas consumindo o órgão.
“Como predadores do topo da cadeia alimentar, as orcas são conhecidas por caçar tubarões por seus fígados gordurosos”, afirma Sarah Teman, doutoranda na Escola de Ciências Aquáticas e Pesqueiras da Universidade de Washington.
“No entanto, o que torna esta descoberta empolgante é que é a primeira vez que vemos esse comportamento claramente documentado com tubarões-baleia, que são os maiores tubarões do planeta”, acrescenta Teman, que não participou do estudo, em um e-mail. “É uma descoberta incrível!”
Encontradas em todo o mundo, as orcas são os predadores do topo da cadeia alimentar dos oceanos. Elas se alimentam de uma grande variedade de criaturas: peixes, mamíferos marinhos como focas e golfinhos, tartarugas marinhas e cefalópodes como lulas.
Embora exista apenas uma espécie de orca, há múltiplos ecótipos, ou grupos que compartilham semelhanças em sua aparência e comportamento.
É possível que as orcas do Golfo da Califórnia possam formar um novo ecótipo que visa especificamente elasmobrânquios — tubarões e raias — segundo Pancaldi e Higuera Rivas, embora mais pesquisas sejam necessárias para comprovar essa hipótese.
Moctezuma, que foi avistada pela primeira vez em 1992, já foi vista caçando outras espécies de elasmobrânquios, como a raia-diabo-pigmeia de Munk, que tem 1 metro de largura, tubarões-touro e arraias. “Mais pesquisas são necessárias para entender onde este grupo especializado se encaixa em nosso conhecimento sobre ecótipos”, diz Teman.
Na África do Sul, as orcas desenvolveram técnicas para matar tubarões-brancos, um dos predadores mais temidos dos oceanos. O comportamento afastou os tubarões de algumas partes da costa próxima à Cidade do Cabo, no que alguns especialistas consideram uma preocupante mudança ecológica.
No entanto, Pancaldi explica que o apetite das orcas por tubarões-baleia não resultou em consequências significativas para a população de tubarões-baleia que se reúne no Golfo da Califórnia ou para o ecossistema mais amplo.
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