Bicampeão mineiro pelo Cruzeiro e segundo maior artilheiro do clube no século, Wellington Paulista publicou nesta semana uma emocionante carta no site The Players’ Tribune, na qual repassa toda a sua carreira no futebol.
Além da passagem pela Raposa, o ex-atacante, que se aposentou ao fim de 2023, atuou por Juventus-SP, Santos, Botafogo, Palmeiras, Internacional, Fluminense, Chapecoense e Fortaleza, entre outros.
“Eu joguei futebol profissional por vinte anos. Dezessete times, umas oitocentas partidas, duzentos e tantos gols de tudo quanto é jeito. E vou falar uma coisa pra você: tenso, tensão braba mesmo, de ficar com nó na garganta, perder o sono e tal, eu só senti uma vez”, afirmou Wellington na carta.
“Foi na semana daquele Cruzeiro x Atlético-MG em 2011. Era a última rodada do Campeonato Brasileiro e… vamos dizer a verdade, né? Os dois times estavam muito mal. Os dois! Uma draga lascada. O Atlético um pouco menos porque já tinha se livrado do rebaixamento. Nós ainda não. Na partida anterior, bastaria ter vencido o Ceará pra ficarmos tranquilos. Mas empatamos. E aí carregamos aquela angústia filha da mãe pro clássico”, prosseguiu o agora ex-jogador, recordando a briga do Cruzeiro contra o rebaixamento naquela temporada.
Wellington Paulista disputou 150 jogos pelo clube mineiro ao longo de duas passagens e marcou 77 gols com a camisa celeste.
Eu joguei futebol profissional por vinte anos. Dezessete times, umas oitocentas partidas, duzentos e tantos gols de tudo quanto é jeito. E vou falar uma coisa pra você: tenso, tensão braba mesmo, de ficar com nó na garganta, perder o sono e tal, eu só senti uma vez.
Te juro por Deus.
Foi na semana daquele Cruzeiro x Atlético em 2011. Era a última rodada do Campeonato Brasileiro e… vamos dizer a verdade, né? Os dois times estavam muito mal. Os dois! Uma draga lascada. O Atlético um pouco menos porque já tinha se livrado do rebaixamento. Nós ainda não. Na partida anterior, bastaria ter vencido o Ceará pra ficarmos tranquilos. Mas empatamos. E aí carregamos aquela angústia filha da mãe pro clássico.
Passei a semana inteira ouvindo palhaçada da torcida dos caras. Que vão cair, que o Galo vai ciscar vocês pra Segundona, que não sei o quê… Teve um sujeito que toda noite, todas as sete noites seguidas, sem falta, o miserável soltou rojão na porta da minha casa. Foi osso.
Eu só pensava em entrar logo em campo, meter um golzinho, um só, 1 a 0 tava bom, e acabar logo com aquilo. Mas os dias se arrastavam. Eu chegava na Toca da Raposa de manhã pra treinar e sentia o clima pesado por todo lado, principalmente na cara dos funcionários do clube. E ó, nesses anos todos de bola, nessas minhas andanças de norte a sul, leste a oeste, se tem uma coisa que eu aprendi é que, quando os funcionários do clube deixam de brincar, de sorrir, de fazer piada no dia a dia, quando tudo isso desaparece de uma vez, bom, é porque a situação é terrível. A gente precisava vencer de qualquer jeito. Um empate não adiantava.
Hoje em dia, com quarentinha de idade nas costas e recém-aposentado, é nesse Cruzeiro x Atlético dramático que eu penso quando vou jogar com meus amigos no nosso time de várzea, o Terror da Mooca.
São duas coisas bem diferentes, eu tô ligado, mas sinto que de alguma forma elas estão conectadas, sabe? O Cruzeiro e minha querida Mooca, bairro onde eu nasci, cresci, de onde, no fundo, nunca saí e pra onde eu sempre voltei.
Porque, cê conhece esse papo, né, mano?
Dizem que eu rodei o Brasil e o mundo jogando futebol. Muitos times. Verdade. Eu me orgulho da minha caminhada, porque sempre caminhei com humildade. No Brasil, só não defendi clube das regiões Norte e Centro-Oeste. De resto, é nóis de Fortaleza a Porto Alegre. Mas no Cruzeiro eu parei, véi. Fiquei quatro anos lá. E desde o primeiro dia eu saquei algo diferente ali. Uma coisa confortável de casa, um carinho moquense com sotaque mineiro… Uma tarde de chuva em que a gente come cannoli, toma um café e bate papo em família na mesa da cozinha. Foi gostoso passar um tempo grande no Cruzeiro.
E quando eu digo “desde o primeiro dia” não é só jeito de falar, não. Aconteceu mesmo. É que quando o Cruzeiro me contratou eu resolvi ir de carro me apresentar. Saí de São Paulo e fui bem, sozinho, viagem boa, tranquila, mas me atrapalhei na entrada de BH. Como ainda não existia essas paradas de GPS no celular, achei melhor pedir ajuda pra não ficar rodando e chegar atrasado na minha própria apresentação.
Parei no farol, abri a janela e perguntei pro cara do carro ao lado: “Ei, irmão, belezinha? Como é que eu chego na Toca da Raposa do Cruzeiro?”
O rapaz começou a explicar, mas notou que eu estava confuso e falou assim: “Cê quer ir na Toca, né? Do Cruzeiro? Me segue que eu te levo”. E ele me conduziu até a porta, mano! Sem pedir nada em troca. Nem me reconheceu, pra falar a verdade. Foi só um gesto legal de uma pessoa boa disposta a ajudar.
Carai, véi, isso aqui é que nem a Mooca!, eu pensei, enquanto procurava um lugar pra estacionar.
Pô, cheguei pra ser jogador do Cruzeiro como se estivesse chegando em casa. Amor à primeira vista, tá ligado?
Então, meu camarada, como eu digo: rodei pelo Brasil inteiro jogando bola? Rodei. Mas até hoje, aonde quer que eu vá, seja lá em que parte do mundo eu esteja, o meu coração é um motorista bondoso de Belo Horizonte: ele sempre vai me conduzir pro Cruzeiro ou pra Mooca, o que pra mim dá quase no mesmo.
Ah… Mooca é Mooca, bello! Foi onde tudo começou.
O pessoal do bairro nem me chama de Wellington. Muito menos de Wellington Paulista. Na Mooca eu sou o Tom.
O Tom que pintou um círculo na parede do quintal da avó e passava horas chutando a bola ali, de direita e de esquerda, de direita e de esquerda, direita, esquerda… e quando acertava dez com cada pé pintava um círculo menor, depois menor e cada vez menor.
O Tom que treinava driblando a pastora alemã da família.
O Tom que só ganhava bola de presente de aniversário e dormia com todas elas na cama.
O Tom que treinava cabeçada na frente de uma lâmpada acesa, pra se acostumar a cabecear de olho aberto e estar pronto pro sol e pro refletor do estádio quando chegasse a hora.
O Tom filho do seu Walter, o seu Walter do caminhão, que levava ele pra correr nos parques e nas praças e, brabo que só vendo, não permitiu que ele desistisse do sonho de ser jogador.
Ah, véi, se não fosse meu pai eu acho que em vez de ciganar pelos campos do mundo hoje eu estaria plantado — e infeliz — num escritório. Porque aos 17 anos eu já tinha sido reprovado em quinze peneiras. Quinze! Chegou uma hora que deu pra mim, tá ligado? Fui trabalhar numa empresa de cobrança no centro de São Paulo. Trampava de manhã e de tarde, e de noite ia pra escola.
O pessoal do bairro nem me chama de Wellington. Muito menos de Wellington Paulista. Na Mooca eu sou o Tom.
No primeiro dia, corri feito um maluco e cheguei no colégio em cima da hora. No segundo dia, perdi a primeira aula. No terceiro, de tão atrasado, não me deixaram entrar e fui pra casa.
— Tá fazendo o que aqui a essa hora?, meu pai perguntou.
— Muito serviço. Cheguei atrasado na escola e não pude entrar.
— Então amanhã você vai pedir demissão, porque a tua vida é correr atrás da bola, não atrás de caloteiro. Você veio pro mundo pra ser jogador de futebol, Tom. Então é jogador que você vai ser.
Fiz o que o meu pai mandou. Pedi demissão por telefone e comecei a procurar peneira outra vez. Achei uma no Benfica da Vila Maria, e dessa vez, a décima-sexta!, passei. O técnico de lá me levou pro Juventus, ó, o clube do meu bairro, vê se pode! E no Juventus eu comecei a me aprimorar.
Porque antes eu era doidão, né? Tipo mucho loco varzeano. Queria estar em todo lugar do campo, queria correr, queria fazer gol, marcar, tomar a bola, queria ajudar de qualquer jeito. Uma parada de nunca deixar os companheiros na mão, tá ligado?, de sempre me esforçar pra contribuir. Acho que carreguei isso ao longo da minha carreira inteira e hoje é o que me dá paz de espírito. Sempre batalhei pra caramba.
E isso é muito Mooca, muito seu Walter!
Minha confiança pra entrar em campo vinha daí, de saber que, se chovesse granizo ou fizesse um sol de rachar coco, eu levava na alma uma p*** convicção de dar tudo pra ajudar o time.
À certa altura quase mataram isso em mim. Eu tinha saído do Juventus pra jogar no Mirassol, onde me escalavam de lateral, volante, meia, ponta, zagueiro, centroavante e me mandavam buscar café e lavar o carro dos veteranos. Depois fui pro Paraná Clube, meu primeiro time médio. Joguei umas três ou quatro partidas, machuquei o púbis e ia ficar sete meses parado. É duro quando a gente ainda tá batalhando por espaço e sofre uma lesão grave. Parece que é o fim do sonho.
Mas eu, no meu espírito varzeano-confiante, seguia acreditando. Na Mooca o sonho não tem fim, velho. Talvez eu precisasse só dar um passo atrás, pra depois dar dois pra frente de novo. Então fui pedir pro diretor do Paraná Clube me dispensar, pra eu voltar pro Juventus. Eu estava triste, queria ficar mais perto da minha família e dos meus amigos. O Juventus seria o lugar ideal pra me recuperar. Mas o cara me falou umas besteiras que eu nunca perdoei e fiz questão de carregar comigo até conseguir provar que ele estava errado.
— Ô, moleque, você chegou aqui e não fez nada, nem marcou gol e já quer voltar pro seu timinho pequeno de bairro? Pode voltar pro Juventus. Volta lá. Você não vai virar jogador de futebol em canto nenhum.
Eu só não saí destroçado da sala dele porque senti raiva. Muita raiva. Achei uma baita de uma injustiça, uma insensibilidade tremenda do cara. Eu não estava acostumado com aquele tipo de escrotidão.
Fui criado num ambiente em que você não destrata as pessoas desse jeito, do nada. Ainda mais se a pessoa estiver por baixo, precisando de ajuda. Mas aí pra você ver como são os anjos do futebol… Voltei pro Juventus, me recuperei, fui vice-artilheiro do Campeonato Paulista e acabei contratado pelo Santos.
Uma das minhas primeiras partidas foi contra quem? Paraná Clube. Não deu outra. Marquei um gol e comemorei em direção ao diretor que tinha me menosprezado e estava sentado no camarote:
— Olha eu aqui, seu babaca! Eu tô no time do Pelé, na casa do Pelé e marquei um gol contra você. E é só o começo.
Besteira, né? Hoje me arrependo. Mas eu precisava arrancar aquele sentimento ruim do meu coração pra seguir em frente.
Durante muito tempo esse gol foi uma das maiores emoções que eu senti na vida. O duro foi manter a cabeça no lugar depois. Passei a fazer gol pra caramba pelo Santos. Na época eu tinha um Fiat Palio usado, chegava pra treinar com ele e os caras, de Mercedes, BMW, Volvo, me zoavam: “Lá vem o nosso artilheiro com o Paliozinho dele”. Me constrangia um pouco. Aí, na falta do meu pai por perto, quem me sacudiu foi o Luxemburgo. Um dia ele me chamou e falou:
— Teu Paliozinho te leva aonde você precisa ir?
— Leva, professor.
— Te traz pro treino e depois de volta pra casa?
— Na subida ele cansa um pouco, mas me leva e me traz tranquilinho, sim.
— Então é tudo o que você precisa agora. Se concentra em jogar bem, se dedica a aprender cada vez mais, que o carro melhor logo vem.
Foi um chacoalhão fundamental pra mim ali naquele comecinho. Pra eu não perder rumo, não perder a Mooca de vista, não esquecer da minha essência. Porque eu cresci com meu pai falando que eu tinha que correr mais que os outros, chutar melhor que os outros, cabecear melhor que os outros, tudo pra não desperdiçar chance de gol. Eu tinha que estar bem preparado, confiante e humilde pra, na hora H, conseguir ganhar dos goleiros. E acho que assim foi.
Poucos meses depois o Santos me negociou com o Alavés, da Espanha, eu pude fazer um bom contrato e a parte financeira ficou legal. Imagina que estreei fazendo gol de cavadinha contra o Barcelona em pleno Camp Nou?! Afemaria, séloko! Barcelona de Ronaldinho Gaúcho, Puyol, Rafa Marquez, Xavi. E o Tom lá cavando! Perdemos de 3 a 2, mas foi emocionante pacas, inesquecível.
Um dia a Mooca me chamou de novo. Recebi um telefonema do meu pai contando que a minha mãe estava muito doente.
Câncer no útero.
E fazia tempo. Eles esconderam de mim até onde deu, pensando em não me atrapalhar na Espanha.
Mano, eu não pensei duas vezes. Abri mão de três anos e meio de contrato, uma grana!, e voltei pro Brasil. Nada era mais importante do que ficar do lado da minha mãe. Fui pro Botafogo e, no Rio, eu pude cuidar dela, do meu pai, dar uma força pra eles. A torcida do Botafogo foi super legal. Cuidou de nós três. Eles adaptaram pra mim uma música que cantavam pro Túlio Maravilha, carregavam meu pai nos ombros na arquibancada do Engenhão, abraçavam a minha mãe carequinha, de lenço na cabeça…
Coisa bem bonita de ver e viver. Sou grato aos botafoguenses também. Porque, vou te falar, eu não sou um cara confiante por natureza, nunca fui. Eu não nasci confiante. Eu aprendi a ser. A minha confiança pra jogar, como eu disse, vinha da minha família, dos meus amigos, do lugar onde eu nasci. Sem eles eu não era nada.
Por isso eu passei a comemorar meus gols batendo no peito. Era pra mostrar que a minha galera da Mooca estava comigo. Todos têm um espacinho nos gols que eu fiz. Eles sempre correram do meu lado, essa que é a verdade.
E no caso do meu pai e da minha mãe, pô, eles correram MESMO.
Meu pai, que é caminhoneiro, começou a pegar carga pras cidades onde eu ia jogar. Ele programava a semana de trabalho dele assim. Minha mãe sarou, graças a Deus, ficou boa, aí o seu Walter botava ela na boleia do caminhão e os dois apareciam de surpresa. Muitas vezes, longe de São Paulo, longe pra chuchu.
Jogo em Criciúma, eles iam.
Curitiba, eles iam. Brasília, eles iam.
Salgueiro, interior de Pernambuco, iam também.
Uberlândia, estavam lá.
Numa dessas os dois gênios tiveram a ideia de mandar fazer uma faixa escrito WELLINGOOL pra levar pros estádios. No começo, ela tinha um metro de comprimento. No ano passado, meu último como jogador profissional, estava com seis kkkk….
E entre uma medida e outra da faixa moravam a minha gratidão e a minha esperança. Fosse qual fosse o clube que eu estivesse defendendo, em qualquer estádio do país, eu não via a hora de entrar em campo pra poder olhar pra cima e procurar a faixa pendurada em algum pedaço da arquibancada.
A bem dizer, não era só uma faixa.
O que os meus pais abriam ali pro mundo inteiro ver eram as nossas raízes, a nossa origem, o nosso amor, o nosso sonho, a nossa união. Era a confiança que enchia o meu peito e me fazia querer correr mais que os outros, chutar melhor que os outros, cabecear melhor que os outros. A confiança pra sempre tentar fazer o certo — o que é bem diferente de acertar o tempo todo.
Foi nessa pegada que eu cheguei naquele preocupante Cruzeiro x Atlético de 2011. O universo conspirava contra nós e pesava toneladas, isso parecia nítido no semblante aflito dos funcionários.
Eu estava tenso como nunca tinha me sentido. Mas, ao mesmo tempo, confiava que era capaz de fazer um golzinho só e poupar a torcida cruzeirense da gigantesca tristeza de ser rebaixado pelo maior rival.
Pô, não dava… Eu sabia direitinho o quanto dói uma tristeza cruzeirense. Dois anos antes, em 2009, a gente perdeu a final da Libertadores pro Estudiantes da Argentina dentro do Mineirão. Foi um baque absurdo. Talvez seja a minha maior dor nesses vinte anos de futebol profissional. Eu tinha um entrosamento show com o Kléber Gladiador e vinha disputando a artilharia da competição com oito gols até ali. Tudo corria bem.
No comecinho do segundo tempo, nós fizemos 1 a 0 num chute do Henrique de fora da área e ali eu pensei: Mano, a gente não perde esse título hoje. Setenta e dois mil cruzeirenses cantando e rodando as camisetas. Tava de arrepiar.
Mas tudo ruiu em dez minutos. Eles empataram num cruzamento da direita e viraram num lance surreal. A bola estava na nossa mão. Era um lateral nosso!, que cobramos mal, aí eles inverteram o jogo lá pro outro lado, conseguiram um escanteio e acabou. O Boselli marcou de cabeça, despejando silêncio e tristeza no Mineirão, e ainda por cima me tirou a artilharia. A minha vontade era arrancar a medalha de prata do pescoço e tacar nos argentinos. Porra!
Levei meses pra me recuperar, se é que um dia eu consegui. Não queria passar por uma frustração daquele tamanho nunca mais.
Então, pra mim e pra todo mundo no Cruzeiro, o último jogo do Brasileiro de 2011 contra o Atlético era uma final. Jogo de vida ou morte, não tinha definição melhor.
A única coisa que eu carregava no peito era gratidão por estar vivendo um momento tão especial.
Quando o nosso ônibus estacionou na Arena do Jacaré naquele domingo, dia 4 de dezembro, eu me perguntava se meu pai e minha mãe estariam lá, se tinham ido de caminhão me ver no que talvez fosse o jogo mais importante da minha carreira.
Fiquei aliviado e a confiança subiu assim que eu pisei no campo, dei uma espiada em volta e vi. Ela estava lá. A faixa WELLINGOOL num cantinho. “Oba! A Mooca presente! Hoje é dia do mucho loco varzeano!! Ninguém me segura. Se eu tiver que morrer aqui pro Cruzeiro não cair, eu vou morrer.”
O que eu não sabia era que todos os meus companheiros estavam nessa gana também. Porque nessas situações pesadas, de muita tensão, a gente evita tocar no assunto. Ninguém sabe como é que o outro tá sentindo realmente a pressão.
Se a gente fala demais periga o cara espanar. Então fica uma situação de sentimentos à flor da pele, mas em silêncio. Só que, quando a partida começou, ficou claro que do nosso lado só ia ter mucho loco varzeano. Tava todo mundo a fim de correr, marcar, pegar, impedir qualquer chance do adversário de se aproximar do nosso gol.
E aí foi loucura total: o primeiro tempo acabou 4 a 0 pra nós! Os caras não viram a cor da bola. No segundo, um pouco mais relaxado, eu até já tinha desencanado.
“Ah, porra, já era. Vamo ficar na Série A!”
Mas aí o Roger foi à linha de fundo pela direita, botou a bola no segundo pau e eu cumprimentei de cabeça. De olho aberto, enxergando tudo, por cima e no contrapé do goleiro: 5 a 0!
Corri batendo no peito e berrando pra nossa torcida que “só faltava o meu! só faltava o meu!”. Foi uma explosão de alegria tão maravilhosa quanto o gol que marquei contra o Paraná, lá no meu começo no Santos. Com a vantagem de que agora eu não precisava xingar ninguém. Eu não sentia raiva. Eu não me sentia injustiçado. Pelo contrário. A única coisa que eu carregava no peito era gratidão por estar vivendo um momento tão especial. E por poder compartilhar ele com cada cruzeirense ali arquibancada ou em casa.
No final, 6 a 1 pra nós — a maior goleada da história do clássico!
Até hoje, quase treze anos depois, eu ainda trombo com torcedor que me pede pra tirar foto fazendo o 6 com as mãos. Eu acho engraçado, a gente ri junto, relembra os lances do jogo, mas deixo a provocação só pra torcida.
Eu faço questão de lembrar dessa vitória porque ela resume o Wellington, o Tom e o Wellingol.
“Com coração e muito amor.”
Do jeito que me ensinaram no lugar de onde eu venho. Do jeito que aprendi com os mineiros e os cruzeirenses, desde o primeiro dia.