Em 1997, o filme “Contato”, inspirado no livro homônimo de Carl Sagan, apresentou a cientista Ellie Arroway, interpretada por Jodie Foster, explorando um buraco de minhoca criado por alienígenas e chegando perto da estrela Vega, onde encontraria uma densa tempestade de detritos.
Quase três décadas após essa o lançamento dessa produção cinematográfica, astrônomos da Universidade do Arizona, nos EUA, confirmaram algo similar: usando os telescópios espaciais Hubble e James Webb, da NASA, eles analisaram um vasto disco de detritos em torno de Vega, revelando uma estrutura intrigante e suave, sem indícios de planetas em sua órbita.
“Entre os telescópios Hubble e Webb, você tem essa visão muito clara de Vega. É um sistema misterioso porque é diferente de outros discos circunstelares que observamos”, disse Andras Gáspár, membro da equipe de investigação, em um comunicado.
Segundo Kate Su, autora principal de um dos artigos relacionados à descoberta, a ausência de planetas massivos atravessando o disco de Vega contradiz o padrão comum em outros sistemas, onde mundos gigantes tendem a moldar e interferir nos discos ao seu redor. Essa diferença ressalta a diversidade dos sistemas de exoplanetas e sugere que a formação planetária pode ocorrer de maneiras ainda pouco compreendidas.
Diferenças de capturas dos telescópios Hubble e James Webb
Enquanto Webb capturava o brilho infravermelho de partículas minúsculas, do tamanho de grãos de areia, girando em torno de Vega, o telescópio Hubble observava uma camada externa desse disco, composta por partículas finas, parecidas com fumaça, que refletem a luz da estrela.
Segundo os cientistas, a distribuição dessas partículas em camadas ocorre porque a pressão da luz de Vega empurra os grãos menores para mais longe, enquanto os maiores permanecem mais próximos. “A forma como essas partículas se organizam por tamanho nos ajuda a entender as forças que atuam nos discos de detritos”, explica Schuyler Wolff, autor principal de outro artigo que relata parte da pesquisa.
Curiosamente, o disco de Vega apresenta uma lacuna sutil a cerca de 60 unidades astronômicas (UA) da estrela, algo em torno de nove bilhões de km, que é quase o dobro da distância entre Netuno e o Sol.
Além disso, sua suavidade até as regiões mais internas indica a ausência de planetas com massa netuniana ou superior. Em comparação, discos como o de Fomalhaut, uma estrela de características parecidas com as de Vega, possuem anéis formados por partículas atraídas pela gravidade de planetas. A ausência desses efeitos em Vega levanta a questão: o que torna esse sistema tão diferente?
Para entender melhor essa diferença, George Rieke, membro da equipe de pesquisa, quer investigar se fatores específicos da estrela ou do ambiente ao seu redor poderiam estar interferindo na formação de planetas ao redor de Vega. Ele comenta que, apesar de as mesmas leis físicas atuarem em Vega e Fomalhaut, os resultados são notavelmente distintos.
Estrela Vega desperta interesse científico há décadas
Ao longo das últimas décadas, cientistas vêm coletando indícios de que Vega possui um ambiente propício à formação planetária. Em 1984, o satélite IRAS detectou uma emissão infravermelha incomum, interpretada como um disco de poeira ao redor dessa estrela, sugerindo a presença de materiais capazes de formar planetas.
Posteriormente, em 2005, o Telescópio Espacial Spitzer, da NASA, revelou um anel de poeira em torno do objeto, observação confirmada pelo ALMA, no Chile, e pelo Telescópio Espacial Herschel, da Agência Espacial Europeia (ESA). No entanto, essas observações careciam de detalhes mais precisos sobre a estrutura do disco.
A combinação das imagens capturadas pelos telescópios Hubble e Webb trouxe uma compreensão inédita sobre o disco de Vega. Segundo Rieke, essas novas informações revelam aspectos até então desconhecidos do sistema e de como ele se diferencia de outros discos circunstelares.
As observações sugerem que, ao contrário de estrelas maduras como o Sol, cujos planetas gigantes preservam uma organização particular do material ao redor, Vega parece compor um sistema mais “livre”, sem grandes planetas moldando seu disco.
Essa complexidade no sistema de Vega demonstra como os ambientes circunstelares variam amplamente entre as estrelas e como essas diferenças influenciam a formação planetária.
Para os astrônomos, o estudo do disco de Vega é uma janela para entender as diversas formas de arquitetura planetária e abre portas para revisões nos modelos atuais de formação de planetas. Os dois artigos que detalham as descobertas foram aceitos para publicação pelo periódico científico The Astrophysical Journal.