A temporada de ciclones tropicais no Atlântico neste ano foi prognosticada para ser uma das mais ativas e digna de figurar entre os registros históricos. O oceano tropical precocemente permaneceu bastante aquecido, apresentando vários setores com Temperaturas da Superfície do Mar (TSM) acima de 26,0 °C praticamente o ano inteiro. Contudo, até o meio da temporada, nada de excepcional aconteceu, mas a tensão para algo mais forte permanecia no horizonte, pois havia a possibilidade de uma elevação de ocorrências concentradas até novembro.
O meio da temporada ocorreu na data de 11 de setembro, momento no qual acompanhávamos ainda o furacão Francine que atingiu o continente nessa ocasião, entrando pelo sul do Estado de Louisiana. As informações indicaram que, naquele instante, ele registrava ventos médios pouco acima de 155 quilômetros por hora (km.h-1), o que permitiu sua classificação como CAT‑2 (“moderado”, com ventos entre 155 a 175 km.h-1), caindo rapidamente para a classificação de tempestade tropical, onde os ventos sustentados dentro de um minuto oscilam entre 63 a 117 km.h-1. Embora tenha trazido transtornos entre 9 e 14 de setembro, não foram registrados óbitos.
Vejamos que até aquele momento, estávamos com apenas seis sistemas nomeados, número bem aquém do esperado. A regra de avaliação para as temporadas, porém, não foi e nunca será o número de sistemas e quanto ela será ativa, mas qual sistema poderá potencializar em ser destrutivo. Isto envolve uma gama alta de variáveis, onde a maior parte delas é difícil de se estimar. Foi assim que chegamos ao furacão Helene no final de setembro.
Tudo começou quando o Centro Nacional de Furacões (National Hurricane Center — NHC) identificou o grande potencial de um distúrbio tropical, em 17 de setembro, na costa da Nicarágua, de frente ao mar do Caribe. Os valores de TSM estavam muito altos e todo esse setor apresentava significativos valores baixos no campo da pressão atmosférica em superfície, oriundos da estação chuvosa que toma a região neste período. A baixa pressão atmosférica indica que o processo vertical de ascensão das parcelas de ar na troposfera, a primeira camada da atmosfera de baixo para cima, está elevado.
Alguns meteorologistas também ressaltaram a possibilidade da conexão entre a modesta Oscilação Madden-Julian (MJO) que ocorre sobre o Atlântico e a intensificação rápida do ciclone tropical. Por se tratar de um processo conectivo entre as escalas meso (média) e sinóptica (grande), aparecendo de forma intrazonal na região tropical, ou seja, entre as estações, mas durando pouco, algo entre um a três meses, essa oscilação positivamente potenciaria o rápido desenvolvimento vertical das nuvens Cumuloninbus organizadas que compuseram o sistema, pois entrou em fase com ele. Em outras palavras, deixava o ambiente altamente favorável para o desenvolvimento vertical das nuvens, nada melhor para intensificar sistemas tropicais como Helene.
No dia 23 de setembro, com um cenário bastante promissor para o desenvolvimento de um ciclone tropical, o NHC incluiu o sistema observado na numeração serial da temporada.
Essa lista registra os distúrbios que têm potencial para maturação, aguardando o desfecho nas horas seguintes para a sua final nomeação ou abandono. Segundo o Boletim n.º 5 da NHC, o quadro se concluiu no dia seguinte, quando o sistema número nove passou a se chamar Helene, pois os ventos alcançaram 84 km.h-1 durante um minuto, permitindo classificá-lo como uma tempestade tropical, às 15:00Z.
Com ventos já alcançando 130 km.h-1, o NHC elevou o fenômeno para a categoria dos furacões CAT-1, no dia 25, enquanto o sistema se deslocava pelo interior do golfo do México, seguindo para o norte. Nesta corrida, alguns fatores auxiliaram para o aumento da sua potencialização de forma a alcançar a categoria dos furacões de alta intensidade (majors hurricanes) ou seja, CAT-3 a 5, segundo a Escala de Ventos de Furacões Saffir-Simpson.
O primeiro deles foi uma crista de alta pressão atmosférica em superfície próxima da Flórida que direcionou o sistema a se deslocar para o Norte, não permitindo que ele seguisse um fluxo de retorno em sentido ao Atlântico Norte, beirando o litoral da costa Leste diretamente e causando menos estragos. Essa crista serviu como barreira, mantendo o furacão sobre as águas aquecidas do golfo que no momento já registravam TSM de 30,0 °C.
Um significativo fluxo de vento de superfície proveniente do interior dos EUA atingiu o sistema pelo oeste. Esse vento continental, por estar muito seco, absorveu grande quantidade de umidade que evaporava sobre as águas do golfo altamente aquecidas. Como Helene era um sistema muito grande, as parcelas de ar quentes e secas oriundas desse fluxo de oeste absorveram toda a carga de umidade disponível sobre o ar do golfo, contribuindo na formação de várias células convectivas ao redor do centro do sistema. Isso proporcionou uma rápida intensificação do núcleo de baixa pressão do furacão, de forma que na manhã do dia 26, o NHC analisava a mudança de categoria, passando a registrá-lo como CAT-2 às 12:00Z, conforme Boletim nº13.
O baixo cisalhamento do vento horizontal em médias altitudes, ou seja, pouca variação no sentido dos ventos conforme se sobe na coluna vertical, permitiu que o desenvolvimento do sistema continuasse tomando grandes proporções. Essa condição é normalmente verificada quando o quadro de El Niño/Oscilação Sul — ENOS tende para uma condição de neutralidade, fato que se observava naqueles dias. Em situações de La Niña, geralmente o cisalhamento é mínimo, facilitando ainda mais a formação de furacões robustos.
No mesmo dia 26, apenas poucas horas depois, às 18h25, o NHC classificou o Helene como um CAT-3, entrando na categoria dos furacões de alta intensidade
Nesse momento, o olho do furacão, seu centro de baixa pressão, estava ainda sobre o golfo, aproximando-se da costa oeste da Flórida, mas as suas bandas exteriores já atingiam o continente. A intensificação do sistema continuava, e sua categoria mudou para CAT-4 poucas horas depois, às 22h30.
No dia 27, às 3h10, Helene atingia a costa oeste da Flórida com ventos de 220 km.h-1. O núcleo de baixa pressão em superfície do olho do furacão registrou 938 milibares.
Pelo seu imenso tamanho, os boletins de atualização informavam os problemas inerentes ao seu deslocamento para o norte, mesmo com o sistema regredindo para CAT-3, e logo nas horas seguintes, para CAT-2, quando chegava ao Estado da Georgia. No Boletim nº 16 do dia 27, relatou-se o rápido enfraquecimento enquanto passava sobre esse Estado, mudando para a categoria de tempestade tropical antes dos estados das Carolinas.
Nos seus momentos derradeiros, ainda no dia 27, o sistema passou por um processo de hibridismo, contribuindo para a formação de um sistema extratropical continental, dissipando-se totalmente no dia 29 de setembro.
A devastação de Helene veio pela força das águas, lembrando muito as ocorrências verificadas no Brasil. O número de óbitos, até o fechamento deste texto estava em 190. Centenas de pessoas ainda estão desaparecidas em decorrência da grande penetração do furacão na área continental. A maior parte das consequências da destruição e dos óbitos estão associadas às enchentes que ocorreram nos estados do Sudeste dos EUA. Até o dia 2 de outubro de 2024, 1,3 milhão de residências ainda estavam sem energia desde a Flórida até Virgínia. Diversas bases operacionais foram montadas para atender as demandas da população atingida, distribuindo água, comida e realizando atendimentos. Faltando pouco mais de um mês para o fechamento da temporada, prognosticada como digna de nota, certamente isto não acontecerá, por causa da quantidade de ciclones tropicais, mas a sua marca será dada por Helene.