Desde tempos imemoriais, o problema da concentração de terras nas mãos de poucos no Brasil, para fins de especulação, condena à miséria milhões de posseiros que são expulsos de suas pequenas propriedades e terminam engrossando as correntes migratórias rumo à periferia das grandes cidades, onde vão morar nas ruas, debaixo de pontes e viadutos, vivendo de bicos, muitos como pedintes, aliciados por traficantes de drogas, levando uma vida precária e sem perspectivas.
Essa questão da grilagem vem sendo negligenciada por governantes de direita e de esquerda ao longo dos anos, como bem coloca o poeta Paulo Gustavo em seu cordel
“A GRILAGEM DE TERRAS NO PIAUÍ”.
Formado em Agronomia pela Universidade Federal do Piauí e doutor em Desenvolvimento e Meio Ambiente pela mesma universidade, Paulo Gustavo de Alencar é funcionário do INCRA. Nascido na cidade de Pio IX, na região Leste do Piauí, o poeta é apaixonado por temas agrários e pela cultura sertaneja. É autor do livro de poesias “Territorialidades Poéticas”, lançado em 2021.
Este cordel, como o próprio autor revela, é uma lembrança de sua defesa de Tese de Doutorado intitulada “Da posse fictícia ao latifúndio desmedido: sistemas de administração fundiária, apropriação desigual do território e insurgências coloniais no Piauí. Paulo Gustavo destaca em seus versos que o problema da grilagem começou nos primórdios da colonização. Confira o cordel:
“Nossa sociedade
Sofre com o latifúndio
O alimento vem de fora
Parece até um gerúndio
O camponês que produz
É preso no minifúndio
Causa empobrecimento
A tal grilagem histórica
Desde a modernização
Só existe uma retórica
A terra vai para o rico
Em expansão meteórica
A prioridade da terra
Desde a colonização
Foi dada pra “os de fora”
Numa inferiorização
E obtendo vantagem
Trocam propina por chão
Nas Fazendas Nacionais
Deu-se terra ao coronel
E o Estado de fato
Nunca cumpriu seu papel
De controlar a ganância
Do especulador cruel
Sobre o governo Alberto Silva, diz o poeta
“Nas chapadas dos gerais
terra foi alienada
Pelo alienado Alberto,
De visão equivocada
Entregou tudo ao grileiro
E ninguém produziu nada
Mas vi taxá-lo esquerda
Em campanha eleitoral
Contra o povo da Arena
De onde veio esse tal
Só o povo não entendeu
Que era mau contra mau”
Dos governos da Arena ao PDS, o poeta destaca que
“Foram gestões de exclusão
Titularam com o INTERPI
Tudo que foi de babão
Mas sempre ignoraram
Os pretos lá do sertão”
Em seguida, é a vez do governo Mão Santa
“Na sequência o Mão Santa
Com diabo na mente
Titulou terra sem lastro
Inescrupulosamente
Deu ao posseiro a fraude
E saiu impunemente
Retirou o tal INTERPI
de seu prédio sem razão
E o acervo fundiário
Sem pena foi ao porão
Tudo que é mapa de terra
Se extraviou no lixão”
Sobra também para os Cartórios e a Justiça
“Cartório nesse ambiente
Passou longe de critério
Registraram até expansão
De terra de cemitério
Vai de palmo para légua
Tudo que é despautério
E quer dizer de juízes
Que fazem leis movediça?
Atende amigo grileiro
Ignorando a Justiça
Posse e direito de fato
Se faz botando “puliça”
Nem a esquerda escapa da língua afiada do poeta. Vejam o que ele diz de Wellington Dias (PT)
“Surge em dois mil e três
Um profeta salvador
Desde o primeiro governo
Foi um bom enrolador
E na tal questão de terras
Só do agro é a favor
O INTERPI vem bolando
Passando de mão em mão
Até a corja da Arena
Voltou à instituição
Na prioridade de sempre
Deu a grilagem caução
De dois mil e três pra cá
A orientação mudou
Se descobre um grilinho
O governo dá cobertor
E o jurídico do INTERPI
Advoga a seu favor
A defesa da produção
É a retórica bradada
Ou compra de boa fé
Da nossa terra roubada
Como se na questão da terra
Ética fosse utilizada
No combate a grilagem
Corrupção é rotina
E escritório agrarista
De uma ponta de esquina
Compra servidor barato
Por uma mixa propina
No governo do PT
Falar em lei é gerúndio
A cada ano é uma regra
Pra titular minifúndio
Mas é foco de verdade
Regularizar latifúndio”
“A grilagem por aqui
Na história é o normal
Expulsaram indígena
Para implantar o curral
Era o gado indo a frente
Da carta sesmarial
O latifúndio e a pobreza
Fez um acordo sem trégua
O grileiro abarca a serra
Que só se mede na légua
E a terra pra o feijão
Mede até com uma régua
Hoje não é diferente
Da tal colonização
A fraude vira registro
Para especulação
Mercado imobiliário
Agradece a expansão
Grilagem para alguns
É coisa lá do Cerrado
Ms o caso por aqui
É muito mais complicado
Ela domina o espaço
Estado desprezado
Tem fraude no sudoeste
Nas chapadas do Cerrado
Nas nascentes do Punaré
Na parque mal implantado
Mas não para por ai
Se alastra por todo lado
Segue ao lado da Bahia
No sudeste do Estado
vai seguindo as divisas
Ao Pernambuco alinhado
Não escapa uma chapada
É mal generalizado
Há cantos nessa chapadas
Que nem se sabe o que são
É Piauí? Pernambuco?
Ou Ceará meu irmão?
Há terra de todo jeito
Registrado em trocação
Na chapada Ibiapaba
Que começam no sertão
Pio IX e Pimenteiras
E sobem rumo a Assunção
Tem tanta terra grilada
Verdadeira assombração
Mas não para por ai
Se acha em todo canto
No litoral ter grilagem
Não é razão para espanto
Lá nas terras da União
Especular tem um manto
Se pensou que Teresina
Se livrou da maldição
Chegue na Santa Tereza
Patrimônio da União
Veja a riqueza das chácaras
Lá quem domina é barão”
Dessa prática criminosa
Se tem o diagnóstico
Se faltam boas medidas
E até bom prognóstico
Em relação ao seu povo
O governante é agnóstico
Se conhece com clareza
Os mecanismos de fraude
Se conhece os lugares
Onde tem grilos ao “balde”
Falta mesmo nesse estado
É quem as ações respalde
Cova Donga, em Pio IX
Fraude na minha terrinha
Em Uruçui, nas Ribeiras,
Consolo, Prata e Pratinha
Chapada Grande, de Tanque,
Regeneração e vizinha
Em Bom Jesus, o Quilombo
Laranjeiras, em Currais, Serra Vermelha, em Leal
Mundo Novo, nos Gerais
Se tiver gerais no nome
Já são fraudes viscerais
De Bom Jesus a Bonfim
São Raimundo, do Parque
Se tem confusão na serra
Vem de grileiro o ataque
Em Caracol, o cartório
Registra até almanaque
Em Queimada de Sessé
Não há registro de terra
Nas Fazendas Estaduais
Para posseiro é guerra
E titulação de quilombo
Isso nunca se encerra
O governo prometeu
Acabar esse lamento
Introduzindo na lei
O georreferenciamento
Mas o sistema Sigef
Acata bem o aumento
A terra que era imóvel
Move atrás de reserva
Para abarcar o baixão
Fazendo a terra serva
Em favor do grilo verde
Como regra de minerva
A grilagem é, portanto,
Uma mancha na história
Que desde o colonizador
Foi encoberta com glória
E gora o deus mercado
Enaltece a tal escória
Ainda sonho com o dia
Ver posseiro titulado
E os povos dos baixões
Sem ser mais incomodado
por grileiro ou veneno
Os demônios do cerrado
Tenho cá a esperança
De ver isso resolvido
Que o povo ampare a luta
Do camponês oprimido
Pra fazer desse Estado
Um chão melhor dividido.