A Resolução nº 258, do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda), foi publicada nesta quarta-feira, 8, no Diário Oficial da União. O texto estabelece novas diretrizes para o atendimento de crianças e adolescentes vítimas de violência sexual e regulamenta o acesso ao aborto para esta população.
O texto enfatiza que a interrupção da gravidez nos casos previstos em lei — estupro, risco de vida para a gestante e anencefalia – deve ser assegurada com rapidez, sem a imposição de barreiras burocráticas. Segundo a resolução, deve ser respeitado o “desejo ou a vontade da criança ou adolescente”.
Uma das principais mudanças está na eliminação da necessidade da elaboração de um boletim de ocorrência para a realização do aborto, assim como a dispensa de decisão judicial ou comunicação ao Conselho Tutelar.
A resolução também estabelece que os profissionais de saúde devem informar a vítima sobre todas as possibilidades antes da realização do procedimento, para que “a criança ou a adolescente compreenda todas as implicações de cada opção antes de tomar uma decisão”.
Além disso, a resolução reforça que a ausência dos pais ou responsáveis não pode impedir a realização do procedimento. “A criança e o adolescente possuem direito à autonomia, à privacidade e à confidencialidade no atendimento”, afirma o documento.
A resolução também considera a recusa em realizar a interrupção da gestação com base “meramente na descrença” em relação à palavra da vítima de violência sexual como uma conduta discriminatória.
A normativa determina que as unidades de saúde devem garantir que haja profissionais disponíveis para a realização do procedimento e que deve ser evitada “a presença de profissionais objetores de consciência em equipes destinadas à prestação do serviço de interrupção legal da gestação”.
A objeção de consciência é o direito do profissional de saúde de se recusar a realizar determinados procedimentos, como o aborto ou a eutanásia, com base em suas crenças pessoais ou religiosas, mesmo que a prática seja permitida por lei.
Por fim, o texto reforça que qualquer ato que vise a constranger, humilhar ou intimidar a criança ou a adolescente que busca o acesso à interrupção da gestação será considerado violência institucional e poderá acarretar responsabilização dos envolvidos.
Decisão sobre aborto foi autorizada pela Justiça
A resolução foi publicada depois da autorização da Justiça Federal nesta terça-feira, 7. A decisão foi proferida pelo desembargador Ney Bello, do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1), em resposta a uma ação judicial que questionava a Resolução nº 02/2024, do Conselho Federal de Medicina.
No documento, o desembargador defende a ideia de que a medida garante os direitos das adolescentes e respeita a legislação brasileira, que permite a interrupção da gravidez em casos de estupro. “A exigência da autorização parental pode, muitas vezes, inibir ou até impedir que a vítima busque auxílio médico, expondo-a a riscos maiores”, disse Bello na decisão.
A resolução estabelece que, para a realização do procedimento, a menor deve manifestar a sua vontade de maneira expressa. A adolescente deve ser acompanhada por uma equipe multidisciplinar composta de médicos, psicólogos e assistentes sociais, que avaliarão sua capacidade de discernimento.
O desembargador também afirmou que a medida está em conformidade com o Estatuto da Criança e do Adolescente e com a Constituição Federal. “A proteção integral da criança e do adolescente não pode ser comprometida por barreiras burocráticas que desconsiderem o contexto de extrema vulnerabilidade em que se encontram”, afirmou Bello.
A ex-ministra dos Direitos Humanos e senadora Damares Alves (Republicanos-DF), autora da ação na Justiça que havia barrado a medida, criticou a decisão e disse a Oeste que vai recorrer. “Isso é um retrocesso”, protestou. “Vou continuar essa luta, vou recorrer. Essa resolução passa pano para pedófilo.”
A proposta foi debatida por meses e enfrentou resistência dentro do governo Luiz Inácio Lula da Silva por causa do potencial desgaste político. A resolução foi aprovada por 15 votos favoráveis de representantes de ONGs e movimentos sociais, enquanto os 13 votos contrários partiram de conselheiros indicados pelo governo federal.