“O governo Lula acabou pondo a si próprio em uma enrascada”, resumiu Rubens Barbosa, ex-embaixador do Brasil em Londres e em Washington, sobre a crise que envolve a Venezuela. De acordo com Barbosa, o Executivo brasileiro errou em dois posicionamentos: o de enviar o assessor especial Celso Amorim para Caracas e o de aguardar a divulgação das atas de votação pelo Conselho Nacional Eleitoral (CNE), um órgão controlado pelo chavismo.
Para Barbosa, o Executivo está em uma “situação muito difícil”, inclusive, por “afirmações complicadas” ao declarar que não iria endossar a narrativa da fraude, mas que a eleição ocorreu com tranquilidade. “Resumidamente, o Brasil está prisioneiro da sua própria decisão de aguardar as atas para poder se pronunciar”, constatou o ex-embaixador.
A seguir, os principais trechos da entrevista.
Como o senhor avalia o processo eleitoral na Venezuela até agora?
Quando a Venezuela assinou o Acordo de Barbados, no ano passado, ela se comprometeu a fazer uma eleição transparente. Mas, logo depois da negociação, o regime começou a praticar uma série de abusos que sinalizavam um processo eleitoral turbulento. A ditadura prendeu opositores e inabilitou prefeitos que discordam do regime, incluindo a principal candidata da oposição, Maria Corina Machado. Já durante o processo eleitoral, venezuelanos que moram no exterior foram impedidos de votar. Portanto, não houve lisura. Com a proclamação do vencedor, logicamente, a oposição questionou o resultado. Nesse ínterim, Celso Amorim, assessor especial da Presidência para Assuntos Internacionais, estava em Caracas para acompanhar a disputa. Na sequência, o governo brasileiro adotou como política o reconhecimento do resultado da eleição apenas depois da divulgação das atas. Penso que essas duas medidas foram equivocadas por parte do nosso Executivo.
Qual a sua avaliação sobre a ida de Celso Amorim à Venezuela?
Ao pôr Amorim em Caracas, o Brasil ficou no olho do furacão. Foi o único país que fez isso. Sobre as atas, o presidente Lula disse que o CNE terá de decidir a contestação e o resultado terá de ser respeitado. Ora, o CNE é um órgão do regime. Depois disso, o Brasil vai se pronunciar sobre o resultado da eleição. Então, foi uma armadilha que o próprio governo montou. O Executivo está em uma situação muito difícil, inclusive, com afirmações complicadas ao declarar que não iria endossar a narrativa da fraude, mas que a eleição ocorreu com tranquilidade. Resumidamente, o Brasil está prisioneiro da sua própria decisão de aguardar as atas para poder se pronunciar.
Um posicionamento de Lula em prol da oposição poderia contribuir para a queda de Maduro? O que poderia derrubar o ditador?
O Brasil hoje não tem a força que tinha no passado para influenciar outros países. E, atualmente, as Forças Armadas estão no comando da Venezuela. Se Maduro saísse, os militares entrariam. A respeito do que poderia derrubar Maduro, não sei dizer. Isso é um problema interno da Venezuela.
“Ao pôr Amorim em Caracas, o Brasil ficou no olho do furacão”
Há possibilidades de Maria Corina e González serem presos?
Há um inquérito do Ministério Público contra ambos. Precisamos esperar o desfecho. Enquanto isso, o regime vai usar o suposto ataque hacker ao CNE, vindo da Macedônia do Norte, para não apresentar a atas. Vão inventar qualquer coisa.
Os protestos na Venezuela sugerem uma revolução popular?
Não, pois o povo não tem armas. O que veremos daqui para frente é mais repressão por parte do chavismo. Maduro já prendeu mais de 700 e já há mortos.
E como o senhor vê a postura dos outros países de não reconhecer o resultado?
Até o momento, tivemos manifestações contundentes dos sete países liderados pelo Uruguai, que disseram estar preocupados e que não aceitarão o resultado sem total transparência. Depois, tivemos o pronunciamento do G7 e da União Europeia. Tudo isso aconteceu sem o Brasil se pronunciar. Nosso país está a reboque aqui na região. Do ponto de vista da política externa, isso é grave.
A Venezuela tem solução?
É uma pergunta difícil, cuja resposta cabe à própria Venezuela. Penso que, nesse contexto, o Brasil tem de acompanhar o que acontece lá e ajudar. Temos de cumprir o que está na Constituição: defender a democracia e os direitos humanos. Faremos a política externa baseada nos interesses nacionais ou ideológicos? O PT já emitiu uma nota reconhecendo a vitória de Maduro. O governo acabou pondo a si próprio em uma enrascada.
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