O Estado de São Paulo destinou R$ 789 milhões para atender a ordens judiciais de fornecimento de medicamentos em 2023, um crescimento de 18% em comparação a 2022 e de 34% em relação a 2021, conforme dados da Procuradoria-Geral do Estado (PGE) e da Secretaria de Estado da Saúde (SES).
Em 2021, os gastos com essas demandas foram de R$ 588 milhões, subindo para R$ 669 milhões em 2022. As novas ações seguiram a mesma tendência: de 6.333 em 2021 para 7.097 em 2022, atingindo 8.476 em 2023, que envolve todos os processos em que o Estado de São Paulo foi réu.
A Secretaria de Saúde de São Paulo informou que há recursos orçamentários previstos para demandas judiciais, com uma previsão de R$ 2,6 bilhões para compras de medicamentos e insumos nos últimos dois anos, e R$ 2,5 bilhões em 2021.
Esses recursos também incluem equipamentos de proteção individual (EPIs), materiais de enfermagem e medicamentos, tanto os judicialmente requisitados quanto aqueles da lista do Ministério da Saúde. As informações são do jornal Folha de S. Paulo.
Compra de medicamentos não incorporados ao SUS em São Paulo
Cerca de 75% das compras em São Paulo envolvem medicamentos não incorporados ao Sistema Único de Saúde (SUS). Uma menor parte está relacionada a remédios já incorporados pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS e não disponíveis no órgão, segundo a PGE.
Os medicamentos mais solicitados nos processos, de acordo com a SES, são a insulina/lispro e a insulina/glargina, ambos disponíveis no SUS para tratamento de diabetes, e a rivaroxabana, indicada para prevenção de derrames e coágulos em pacientes com arritmia cardíaca, mas não incorporada.
A disponibilização dos medicamentos pelo SUS depende da aprovação da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), da incorporação pela Conitec e da decisão do Ministério da Saúde. Após a publicação da decisão de incorporar a tecnologia, as áreas técnicas têm até 180 dias para efetivar a oferta.
Esse processo pode ser demorado, levando muitos a recorrerem ao Judiciário. Edna Barbosa, 57, diagnosticada com alcaptonúria aos 13 anos, enfrenta dores intensas e rigidez nas articulações devido à doença rara.
“Meu sonho é que as dores passem”, afirmou. “Se o remédio ajuda a não progredir a doença, eu quero. Quero ter direito a experimentar, ver se meu corpo aceita.”
Opinião dos especialistas
Para Ramiro Sant’ana, defensor público e professor do IDP, a judicialização é reflexo do subdesenvolvimento econômico do país. “O Brasil é um país desigual que não desenvolveu a sua economia na área de saúde, principalmente a indústria”, disse.
“O acesso à saúde depende da classe social, da renda. Boa parte das pessoas que judicializam estão lutando contra a desigualdade social e a situação de subdesenvolvimento do país. É um instrumento de afirmação cidadã.”
Fernando Aith, professor da Faculdade de Saúde Pública da USP, acredita que a judicialização é uma característica dos sistemas de saúde e justiça brasileiros. Ele aponta que as compras via judicial são mais caras e que o Judiciário, muitas vezes, não tem capacidade de entender a real necessidade do paciente. No entanto, a judicialização pode induzir melhorias na política pública. “A partir dela, é possível identificar falhas na prestação de serviço”, afirmou.
A visão da procuradoria-geral
Inês Coimbra, procuradora-geral do estado de São Paulo, vê a judicialização como problemática. “Como é necessário fazer a aquisição no âmbito do cumprimento de uma decisão judicial, a compra não é planejada”, declarou. “Não há licitação, não se compra pelo menor preço.”
A questão foi pauta no Supremo Tribunal Federal (STF) no ano passado, quando o ministro Gilmar Mendes convocou uma comissão especial para discutir o fornecimento de medicamentos ausentes no SUS.
A definição de onde essas demandas devem ser julgadas, se na Justiça estadual ou federal, e quem deve assumir os encargos do fornecimento, entre União, estados ou municípios, impactará ao menos 16.807 casos suspensos, segundo o Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
“Foram meses de conversa e de negociação” disse a procuradora-geral. “Ao fim, todos estão de acordo: a judicialização como acontece hoje é insustentável, porque ela não só onera demais os cofres públicos, sem muito controle de se aquilo uma política pública de qualidade ou não, como traz um custo a mais, que é o custo para o Judiciário.”