O foguete Ariane 6 realizou com sucesso uma série de testes em um voo inaugural na terça-feira (9), mas a missão terminou com o lançador flutuando em órbita sem liberar seu último lote de cargas úteis.
Observado por um jato de combate Rafale, o mais novo foguete não tripulado da Europa decolou da Guiana Francesa por volta das 16h (horário de Brasília), restaurando o acesso independente do continente ao espaço após atrasos, contratempos políticos e debates sobre financiamento.
Embora não fosse uma missão comercial, o voo implantou três conjuntos de microssatélites para fins de pesquisa, levando os oficiais espaciais europeus a declarar a viagem inaugural um sucesso.
“A Europa está de volta ao espaço”, disse Philippe Baptiste, chefe da agência espacial francesa CNES, por meio de uma videoconferência para a sede da Agência Espacial Europeia (ESA) em Paris, onde funcionários e políticos aplaudiram a decolagem.
Em um marco muito aguardado, o motor Vinci que alimenta o estágio superior do foguete foi reiniciado no espaço pela primeira vez. Ele é projetado para reiniciar repetidamente, permitindo que a operadora Arianespace coloque cargas úteis em várias órbitas diferentes.
No entanto, um terceiro disparo teve que ser abandonado depois que uma unidade de potência menor se desligou por motivos não especificados, o que significa que o último lote de cargas úteis – duas pequenas cápsulas projetadas para testar as condições de sobrevivência na reentrada – permaneceu a bordo.
“Tivemos uma anomalia… Provavelmente não vamos concluir esta parte da missão como esperávamos”, disse Tina Buchner da Costa, arquiteta do sistema de lançamento Ariane 6.
A unidade de potência auxiliar afetada é um sistema crucial para a capacidade do foguete de colocar as cargas úteis na órbita pretendida.
Sua falha, embora tardia na missão, deverá motivar uma investigação de engenharia.
O Diretor-Geral da ESA, Josef Aschbacher, disse que a agência ainda está no caminho certo para realizar um segundo voo até o final do ano.
O Ariane 6 foi desenvolvido a um custo estimado de 4 bilhões de euros (cerca de R$ 23,5 bilhões) pela ArianeGroup, co-propriedade da Airbus e Safran. Seu primeiro lançamento, originalmente previsto para 2020, foi repetidamente adiado.
Desde que a agência aposentou seu foguete Ariane 5 há mais de um ano, a Europa não tinha meios independentes de enviar seus satélites ao espaço, enquanto a guerra na Ucrânia cortou os laços ocidentais com os foguetes Soyuz russos e o Vega C da Itália está paralisado.
“O Ariane 6 é fundamental para a ambição espacial da Europa”, disse Toni Tolker-Nielsen, diretor interino de transporte espacial da ESA, à Reuters da sala de controle do porto espacial europeu.
“Trata-se de acesso soberano ao espaço para missões institucionais e governamentais… e essa necessidade foi ainda mais enfatizada em vista da situação geopolítica.”
Corrida espacial
O isolamento temporário da Europa em um mercado cada vez mais global foi exposto no ano passado, quando suas agências foram forçadas a transferir algumas cargas úteis para o Falcon 9 da rival norte-americana SpaceX.
O Ariane 6 deve sua existência a uma decisão das 22 nações da ESA em 2014 de desenvolver uma família de foguetes diante da feroz competição da empreitada espacial privada de Elon Musk.
Os Estados Unidos e dezenas de outros países passaram a depender fortemente do Falcon 9 para alcançar a órbita, à medida que a vida cotidiana na Terra se torna cada vez mais dependente de links e dados de satélites.
O Ministro das Finanças da França, Bruno Le Maire, parte do governo centrista e pró-europeu do Presidente Emmanuel Macron, que ficou em terceiro lugar nas eleições de domingo, destacou o papel do programa Ariane como um símbolo da unidade europeia.
“Às vezes há preocupações e dúvidas sobre a capacidade da Europa de jogar na mesma liga que a China e os EUA – com o Ariane estamos provando que, por meio da determinação e da vontade coletiva, podemos operar no mesmo nível”, disse ele aos funcionários da ESA.
Mesmo assim, os oficiais europeus disseram que ainda levará algum tempo antes que o Ariane 6 se pague economicamente, após as nações patrocinadoras concordarem com uma nova rodada de apoio financeiro no ano passado.
“O Ariane 6 ainda não está lá em termos de competitividade, mas eles querem chegar lá”, disse Ian Annett, ex-vice-diretor executivo da Agência Espacial do Reino Unido.
No último revés, o operador de satélites meteorológicos da Europa, Eumetsat, disse no mês passado que lançaria seu próximo satélite em um Falcon 9 em vez do inicialmente planejado Ariane 6.
A decisão surpresa irritou os oficiais europeus e rompeu com os apelos para apoiar a indústria espacial local, revelando tensões que fervilham em relação às ambições espaciais da Europa.
A ESA lançou uma iniciativa para impulsionar projetos de pequenos lançadores que poderiam abrir caminho para um futuro agente privado.
O Ariane 6 tem 29 missões para lançar nos próximos anos e visa até 12 voos por ano.
Isso inclui 18 lançamentos para a constelação de internet Kuiper da Amazon.
A SpaceX lançou foguetes Falcon 96 vezes em 2023 e quase 70 vezes até agora em 2024, embora a maioria desses lançamentos tenha sido para implantar seus próprios satélites Starlink.
Ainda assim, analistas dizem que isso quebrou normas e gerou uma feroz competição da China, que teve 67 lançamentos em 2023.
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