“Nós todos somos admiradores do regime chinês de Xi Jinping”. Como testemunhou uma sociedade cada vez mais debilitada por doses cavalares e diárias de radioatividade juristocrata, essa frase foi proferida no plenário do STF, por ninguém menos que Gilmar Mendes, decano da nossa mais alta (e cada vez mais baixa) Corte.
Abordando a discussão sobre o famigerado artigo 19 do Marco Civil da Internet, o tiete de ditador resolveu, como é de seu feitio, fazer o papel de mentor político, filósofo moral e porta-voz de seus pares. Ocorre que, pelo silêncio destes últimos, podemos inferir que concordam com o colega, cuja atribuição de consensualidade à referida opinião parece, portanto, correta.
Que o leitor releia e torne a apreciar a fala repugnante: “Nós somos todos admiradores do regime chinês de Xi Jinping”. Sim, o sujeito não se vexou em qualificar adequadamente de regime — e não de um reles governo — o objeto de sua admiração. Não se trata, portanto, de uma metáfora mal colocada ou de um comentário tirado de contexto. O que foi dito está dito. E não apenas dito: celebrado.

Em suma, o homem que ajudou a moldar o ativismo político-judicial da última década presta homenagem aberta à tirania tecnológica que vigia mais de um bilhão de almas, censura qualquer dissidência, aprisiona minorias, destrói igrejas e controla a internet como um demiurgo totalitário.
Mas Gilmar Mendes foi apenas coerente com o projeto de poder de sua casta. Há anos, sob o pretexto tragicômico de “proteger a democracia”, a corte vem reproduzindo — com verniz jurídico e pose de superioridade moral — os mecanismos que fazem da China o exemplo máximo do Leviatã digital moderno. De censura judicial escancarada a mandados de remoção sem base legal, passando pela criminalização seletiva da palavra, o STF não esconde mais sua vocação: substituir o Estado de Direito pelo estado de vontade dos covers de Xi Jinping.
Na China, não há separação de Poderes. Também aqui, ela é cada vez mais ficcional. Lá, não existe liberdade de expressão. Por aqui, ela dá seus últimos suspiros, enquanto Alexandre de Moraes decide — como um mandarim de toga — o que é “discurso de ódio” e o que é “manifestação democrática”. E enquanto o maoísta Flávio Dino, em novilíngua castiça, pontifica que “liberdade regulada é a única liberdade”.

A frase de Gilmar foi, ao mesmo tempo, um escárnio e uma confissão. Escárnio porque zombou, sem disfarce, da inteligência dos brasileiros. Confissão porque revelou, em poucas palavras, aquilo que muitos intuíam, mas hesitavam em crer: que o projeto da Suprema Corte brasileira não é salvar a democracia — é substituí-la por uma Nomenklatura togada.