O brasileiro Rafael Zimerman, aos 27 anos, deixou o Brasil para morar em Israel em busca de segurança. Em janeiro e em maio de 2023 ele foi assaltado em São Paulo, cidade em que nasceu, em 1996. Meses depois de deixar o Brasil, foi um dos brasileiros que viveram o drama dos ataques terroristas do Hamas em 7 de outubro.
Atualmente, aos 28 anos, morando de novo no Brasil, ele passou a utilizar sua experiência traumática para conscientizar. Tornou-se embaixador do movimento #PinForPeace, pela paz, contra o terrorismo e o antissemitismo, feito por meio da aquisição de um pin, virtual ou físico, com essa mensagem. Milhares de pessoas já aderiram pelas redes sociais.
Rafael demonstra clareza e consciência ao falar sobre os acontecimentos. Usa as palavras de forma fluente e transparente. Uma de suas missões agora é dar palestras em várias entidades, para contar o que sentiu e transmitir uma mensagem de paz.
Momentos de desespero
Rafael procura manter esse pensamento mesmo depois daquele dia, no sul de Israel. E fala com maturidade sobre os momentos de pânico.
“Lembro-me de tudo, dos brasileiros que estavam lá, sou o único que tem conseguido falar a respeito e por isso comecei a dar as palestras.”
Ele estava, perto das 6h30, com dois amigos brasileiros, Ranani Glazer e Rafaela Treistman (que também sobreviveu), namorada de Ranani, no festival realizado em Israel. A tenda erguida no meio do deserto ficava a alguns quilômetros da Faixa de Gaza.
“No exato instante, estava sozinho e de repente começo a ouvir estampido de fogos, vejo mísseis passando próximos e me abaixei”, lembra Rafael. A segurança começou a gritar, em hebraico, que era uma situação de código vermelho, um alerta máximo. O estampido era a ação do sistema de defesa Domo de Ferro aos projéteis lançados pelo Hamas.
“Vi gente correndo, deitando, cada um tinha uma reação. Então eu, o Ranani e a Rafaela saímos de lá correndo, tínhamos vindo de carona. Pedimos uma carona para um casal que também fugia, e eles nos deixaram em um dos vários bunkers que ficam pela estrada. Era um compartimento de cimento, com uma única entrada, onde cabiam 15 pessoas. Lá dentro entraram pelo menos 40.”
Sufocado, ele ainda pensava que se tratava somente de um ataque aéreo. Ficou encostado em uma das divisórias de cimento, dentro do bunker.
“Pela parede, senti a vibração de tiros nas minhas costas e ouvi a voz feminina, percebi que era de uma policial, era como se ela estivesse ao meu lado. Ela falava em código vermelho, que eram terroristas e que ela não estava aguentando, segundos depois senti que ela tinha morrido”, prossegue ele.
“Fiquei desesperado, eles começaram a atirar granadas, foi terrível. Comecei a rezar, em português mesmo, falando: ‘Meu Deus, me ajude, nos tire daqui.’Vi o Ranani morrer, ele tentou algo, buscou mudar de posição e vi quando foi alvejado, o seu semblante. Dos cerca de 40, sobreviveram nove. Desmaiei e então acordei embaixo de alguns corpos, os terroristas devem ter pensado que eu tinha morrido.”
Combate ao terrorismo
Ao falar sobre as cenas, Rafael não demonstra desejo de vingança. Mas quer combater, à sua maneira, o terrorismo. Por isso aderiu ao #PinForPeace. A iniciativa se encaixa à sua atual visão de mundo.
“Não deixei de viver”, observa o brasileiro. “Saí de tudo aquilo agradecido, só quem passa por aquilo sabe que não era para estar aqui.”
Para ele, a mudança, na verdade, foi o fortalecimento de uma convicção.
“Vi que o mal existe, que existem pessoas brutais e violentas, vi o pior do ser humano”, ressalta. “Mas continuo acreditando que existe um lado bom que deve prevalecer, acredito na paz, no amor, continuo saindo, conto piadas, celebro a vida, não quero vingança. Isso me fortalece, vejo como uma vitória. O terrorismo quer destruir, matar concretamente e psicologicamente, e se submeter a isso é ceder a esse objetivo.”
Quando ele se via sem saída, no bunker, várias imagens passaram pela mente de Rafael. No momento em que foi lançado o gás da granada, ele se sentiu como um judeu nos anos 1940 na Alemanha.
“Vi a imagem de alguém esquálido, nu, em uma câmera de gás, foi uma das imagens que me vieram à mente.”
Outra foi a de um de seus melhores amigos, Mahmoud, um árabe com quem trabalhava em Tel-Aviv.
“Voltei a Tel-Aviv depois de tudo e fui encontrá-lo”, conta Rafael. “Disse a ele que, no meio daquele caos pensei nele, via a imagem dele e, na minha mente, eu pedia, enquanto via uma cena em que eu era o único judeu entre muçulmanos, que ele me salvasse. Pensei que, pelo fato dele ser muçulmano, ele poderia ser poupado e ouvido pelos terroristas, mesmo não sendo um deles.”
Mahmoud, no entanto, o fez ver que o fato de ser muçulmano não evitaria que ele também fosse uma das vítimas.
“Ele me disse, então, que me salvaria se pudesse. Mas naquele momento, ele também seria morto, porque os terroristas estavam matando a todos que viam pela frente.”
Como novo embaixador da campanha #PinForPeace, Rafael se tornou um combatente, nesta guerra de informação travada depois dos ataques.
“Senti a necessidade de combater o terrorismo e o antissemitismo”, diz Rafael. “Esqueceram-se de que tudo isso teve início quando Israel foi invadido por terroristas. Por que não se questionou os Estados Unidos, quando eles foram atrás de Bin Laden, por causa do 11 de setembro? Não é vingança, é um direito de defesa de Israel.”
Como diferencial, o Hamas sequestrou centenas de pessoas, lembra ele.
“Além disso, há 130 reféns com os terroristas, imagine como estão pais, mães, parentes e amigos nesta situação, como Israel pode abrir mão deles? Foram propostos 17 acordos de cessar-fogo, nenhum aceito pelo Hamas. E a única condição de Israel para acabar com a guerra é que os reféns sejam libertados.”
Companheiros de bunker
No hotel em Tel-Aviv, Rafael tinha como colegas vários cidadãos árabes, incluindo palestinos vindos da Cisjordânia. Ele sempre defendeu uma solução de dois Estados, mas considera que, neste momento, não é isso o que está em pauta.
O brasileiro acompanha com atenção o noticiário sobre a guerra. Nesse esforço para superar o trauma, conta com a ajuda de um psicólogo especializado no tema, dentro de um programa do governo israelense. As consultas são semanais, de forma remota. Falta-lhe, ainda, coragem para saber o que houve com os outros nove sobreviventes daquele bunker.
“Isso eu não consigo ainda”, admite Rafael. “Aquele momento foi muito forte, o olhar daquelas pessoas, os gritos. Soube que um deles se tornou refém do Hamas, não sei como está. Não consigo falar muito a respeito.”
Isso, segundo ele, o remete a uma sensação conhecida somente por quem viveu o drama. A de se sentir aliviado e ao mesmo tempo culpado. Mesmo assim, ele segue na sua luta diária para não se render aos objetivos do terror. E se apega no único remédio que encontrou para isso.
“A forma de superar é continuar lutando pela paz.”