Um possível ataque nuclear conjunto entre China, Rússia e Coreia do Norte levou o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, a aprovar uma nova estratégia de defesa secreta. O The New York Times revelou nesta terça-feira, 20, a existência de um plano norte-americano criado em março.
De acordo com o jornal, o documento, conhecido como Orientação de Emprego Nuclear, é tão secreto que só existem algumas cópias impressas distribuídas para funcionários de segurança nacional e comandantes do Pentágono. Os termos precisaram ser assinados antes do fim do mandato presidencial de Biden, em janeiro de 2025.
A estratégia bélica ocorre enquanto o Pentágono prevê que os arsenais nucleares da China possam rivalizar com os dos EUA e da Rússia na próxima década. Em discursos recentes, altos-comandos mencionaram essa nova orientação, mas detalhes serão apresentados ao Congresso antes de Biden deixar o cargo.
“O presidente emitiu recentemente uma orientação atualizada sobre o emprego de armas nucleares para levar em conta múltiplos adversários com armas nucleares”, disse Vipin Narang, estrategista nuclear do Instituto de Tecnologia de Massachusetts, que atuou no Pentágono. “E, em particular”, acrescentou, a orientação considera “o aumento significativo no tamanho e diversidade” do arsenal nuclear da China.
O que dizem autoridades sobre o preparo para um possível ataque nuclear
Em junho, Pranay Vaddi, diretor sênior do Conselho de Segurança Nacional para Controle de Armas e Não Proliferação, mencionou o documento. Ele destacou a necessidade de dissuadir simultaneamente Rússia, China e Coreia do Norte.
No passado, a coordenação de ameaças nucleares por adversários dos EUA parecia improvável, mas a parceria emergente entre Rússia e China, além das armas fornecidas pela Coreia do Norte e pelo Irã para a Rússia na guerra na Ucrânia, mudou esse cenário.
A Rússia e a China realizam frequentemente exercícios militares conjuntos, e as agências de inteligência estão investigando se a Rússia ajuda os programas de mísseis da Coreia do Norte e do Irã.
O novo documento revela que o próximo presidente vai enfrentar um cenário nuclear muito mais volátil, segundo avaliação do NYT. O presidente Vladimir Putin, da Rússia, ameaçou repetidamente usar armas nucleares contra a Ucrânia, inclusive durante uma crise em outubro de 2022, quando Biden e seus assessores temeram que a probabilidade de uso nuclear pudesse aumentar.
Biden, juntamente com líderes da Alemanha e do Reino Unido, conseguiu que China e Índia declarassem publicamente que não havia espaço para o uso de armas nucleares na Ucrânia, o que conteve, ao menos temporariamente, a crise.
Richard N. Haass, ex-alto-comando do Departamento de Estado e do Conselho de Segurança Nacional, comentou:
“Estamos lidando com uma Rússia radicalizada; a ideia de que armas nucleares não seriam usadas em um conflito convencional não é mais uma suposição segura”, explicou.
Para Haass, a expansão nuclear da China está acontecendo mais rapidamente do que o previsto, com o presidente Xi Jinping descartando a estratégia de “dissuasão mínima” para alcançar ou superar os arsenais de Washington e Moscou. O complexo nuclear da China é agora o de crescimento mais rápido do mundo.
O ex-presidente Donald Trump previu que Kim Jong-un entregaria suas armas nucleares, mas o oposto aconteceu. Ele intensificou seus esforços e agora possui mais de 60 armas, com capacidade para muitas mais. Essa expansão mudou a natureza do desafio norte-coreano, e o arsenal do país está próximo do de Paquistão e Israel, grande o suficiente para possíveis ameaças coordenadas com Moscou e Pequim. Oficiais norte-americanos dizem que um ambiente nuclear diferente começou a alterar os planos e a estratégia de guerra dos EUA.
Opiniões sobre a nova realidade nuclear
Vipin Narang afirmou: “É nossa responsabilidade ver o mundo como ele é, não como esperávamos ou desejávamos que fosse. É possível que um dia olhemos para trás e vejamos o quarto de século após a Guerra Fria como um interlúdio nuclear.”
Ele destacou a “possibilidade real de colaboração e até conluio entre nossos adversários com armas nucleares”.
Até agora, os novos desafios à estratégia nuclear norte-americana não foram tema de debate na campanha presidencial. Biden, que sempre defendeu a não proliferação nuclear, não falou publicamente em detalhes sobre como está lidando com as forças expandidas da China e da Coreia do Norte.
Histórico de estratégias nucleares dos EUA
Desde Harry Truman, 33º presidente dos Estados Unidos, a estratégia nuclear do país se concentrou principalmente no arsenal do Kremlin. A nova orientação de Biden reflete a rápida mudança, com menção da China na última orientação nuclear emitida no final do governo do ex-presidente Donald Trump.
Desde então, as ambições de Xi Jinping se tornaram mais claras, e o Pentágono estima que a força nuclear da China se expanda para mil até 2030 e 1,5 mil até 2035. Os números são próximos aos dos EUA e da Rússia.
Interrupção das conversas sobre segurança nuclear
Outra preocupação é a interrupção de conversas sobre segurança nuclear entre EUA e China. Mallory Stewart, secretária-assistente para Controle de Armas, disse que o governo chinês está “ativamente nos impedindo de ter conversas sobre os riscos.”
Ela avaliou que é do interesse da China prevenir riscos de cálculo errado e mal-entendidos.