Entidades vão propor alterações nas propostas do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) para uso de inteligência artificial (IA) nas eleições.
O entendimento é que é preciso ajustar o texto para definir melhor em quais casos a tecnologia será proibida e especificar a quem cabe a responsabilização sobre o tema.
O uso da ferramenta nas eleições é uma das grandes preocupações do TSE pelo potencial que tem de desequilibrar o pleito, em caso de uma atuação maliciosa. Neste ano, os eleitores escolherão prefeitos e vereadores nos municípios do país.
O assunto será discutido, na manhã desta quinta-feira (25), em audiência pública com a participação de pesquisadores, especialistas, partidos e entidades. A vice-presidente da Corte, ministra Cármen Lúcia, comanda os trabalhos.
Parte dos especialistas que acompanha as discussões sobre regras para publicação de conteúdos nas eleições também entende que a Corte deveria ampliar o debate sobre desinformação e alcance da Justiça Eleitoral em derrubar posts considerados falsos ou descontextualizados.
No começo de janeiro, a Corte divulgou suas propostas de regulação sobre IA. O objetivo é disciplinar o uso da IA e estabelecer meios para evitar o uso com a finalidade de disseminar desinformação e conteúdo falso.
O tribunal poderá incorporar as sugestões da sociedade em suas resoluções. Para ter validade no pleito deste ano, os documentos precisam ser aprovados pelo plenário do TSE até 5 de março.
Nos últimos dois dias, o tribunal discutiu regras para outros temas das eleições, como fundo eleitoral e porte de armas.
Bruno Andrade, coordenador-geral adjunto da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (Abradep), disse à CNN que a entidade proporá que o uso de IA só seja proibido em situações que busquem “ludibriar” eleitores.
“Seja para benefício de partidos e candidatos seja para macular a lisura do processo eleitoral”, afirmou. “Da forma como proposta, a regulação da IA pode trazer prejuízos a modalidades de propaganda e não atingir o objetivo de impedir utilização para desinformação”.
Andrade também afirmou que é “extremamente elevado” o grau de risco de um uso malicioso da ferramenta. “Uma desinformação feita com extrema qualidade pode gerar mudança no comportamento do eleitorado e influenciar a escolha democrática”, declarou.
Uma das preocupações é com o potencial que a IA tem de desequilibrar as eleições, principalmente com as tecnologias conhecidas como “deep fake”, em que é possível substituir o rosto de pessoas em vídeos ou simular falas, com o mesmo tom de voz e com a sincronização com o movimento dos lábios.
Paloma Rocillo, diretora do Instituto de Referência em Internet e Sociedade (IRIS), afirmou à CNN que o TSE fez uso de categorias muito abrangentes em sua proposta de resolução, o que pode causar obrigações excessivas aos usuários.
Um exemplo é quanto à obrigação de informar sobre o uso de “tecnologias digitais” que tenham sido usadas para alterar imagens e sons de conteúdo político-eleitoral postado antes da campanha eleitoral.
“Isso é exigir que qualquer manifestação na internet seja informada. É uma obrigação muito excessiva. Você coloca no mesmo gargalo a pessoa que produz conteúdo político profissionalmente para algum candidato e aquela que é um micro-influenciador, que produz conteúdo na sua rede”, afirmou.
A proposta do instituto é vincular essa obrigação só à propaganda eleitoral que seja impulsionada nas redes sociais, deixando de fora o usuário comum das plataformas.
Para a diretora, o TSE tem atuado diante de uma “frustração regulatória” no tema, para evitar que a eleição seja impactada pelas novas tecnologias, mas que cabe ao Congresso uma regulação mais robusta.
“Esse é o momento de elaboração de uma resolução infralegal, não é o momento mais adequada de encaminhar obrigações. O momento mais adequado é do Legislativo. Foge do escopo do TSE dar obrigações mais robustas.
O assessor do Programa de Direitos Digitais da organização Artigo 19, André Boselli, disse à CNN que, apesar dos debates propostos, há uma necessidade de o TSE ampliar a discussão sobre desinformação.
Ele cita como exemplo a resolução aprovada seis dias antes do segundo turno de 2022, em que o TSE aumentou os próprios poderes para agir de ofício na derrubada de publicações com conteúdo “sabidamente inverídicos ou gravemente descontextualizados que atinjam a integridade do processo eleitoral”.
Essa resolução não foi colocada em discussão pelo TSE neste ciclo de audiências. Em dezembro, o Supremo Tribunal Federal (STF) concluiu que a norma é constitucional.
“Essa resolução foi editada no meio da eleição de 2022 e, diante das circunstâncias excepcionais do momento, dá para compreender as razões do tribunal em editar essa norma”, disse Boselli. “Mas, passado esse período, talvez fosse interessante trazer a discussão à tona”.
A necessidade de mais discussão, segundo o especialista, também se justifica porque trechos das minutas de resolução que estão sendo discutidas agora fazem menção a essa norma de 2022.
Um dos exemplos seria o dispositivo que estabelece como responsabilidade da plataforma a “adoção e publicização de medidas para impedir ou diminuir a circulação de conteúdo ilícito que atinja a integridade do processo eleitoral, incluindo a garantia de mecanismos eficazes de notificação, acesso a canal de denúncias e ações corretivas e preventivas”.
Conforme o especialista, uma interpretação possível dessa regra envolve dar mais poder às plataformas no monitoramento e moderação de conteúdo.
“O principal em relação a esse dispositivo é que se a gente entende que o poder político e econômico das plataformas é perigoso, com algoritmos e impulsionamentos que a gente não sabe como funcionam, talvez seja contraditório dar mais poder ainda às plataformas para elas monitorarem o que pode ou não ser postado”.
De acordo com a minuta de texto apresentado pelo TSE, o uso de IA na propaganda eleitoral só poderia ser feito se houver a divulgação “explícita e destacada” de que o conteúdo foi “fabricado ou manipulado e qual tecnologia foi utilizada”.
O descumprimento dessa regra, segundo a proposta, pode levar a detenção de dois meses a um ano ou pagamento de multa, além da possibilidade de “aplicação de outras medidas cabíveis quanto a ilicitude do conteúdo”.
A sugestão também prevê proibir a utilização de material manipulado que seja “sabidamente inverídicos ou gravemente descontextualizados” e que tenha potencial de afetar o equilíbrio e integridade do pleito.
Nesses casos, conforme a minuta, após notificação o provedor responsável pela circulação do conteúdo ficaria responsável por adotar providências para “apuração e indisponibilização”.
A minuta de resolução considera como fabricação ou manipulação de conteúdo político-eleitoral a criação ou edição de “conteúdo sintético que ultrapasse ajustes destinados à melhoria da qualidade da imagem ou som”.
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