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Entalhe em ponte mudou a matemática há quase dois séculos

Há exatos 181 anos, em 16 de outubro de 1843, o matemático irlandês William Rowan Hamilton teve uma inspiração durante uma caminhada ao longo do Canal Real de Dublin, na Irlanda. Ele ficou tão entusiasmado que, usando um canivete, talhou a descoberta na Ponte Broome.

O grafite, que se tornou famoso na história da matemática, continha esta equação: i² = j² = k² = -1

Embora pareça simples, ela foi responsável por transformar a maneira como os matemáticos representam informações e simplificou diversas aplicações técnicas, que vão desde o cálculo de forças na engenharia até o funcionamento de máquinas de ressonância magnética, turbinas eólicas e a programação de robôs em Marte.

Uma placa na ponte Broome, em Dublin, celebra a epifania de Hamilton. Crédito: William Murphy via Flickr / Creative Commons

O que a fórmula quer dizer

De acordo com um artigo publicado no site The Conversation pela historiadora Robyn Arianrhod, professora afiliada da Escola de Matemática da Universidade Monash, na Austrália, a epifania de Hamilton estava ligada a um problema matemático: como descrever a relação entre diferentes direções no espaço tridimensional. A representação de direções é crucial para descrever forças e velocidades, mas ele também queria entender rotações em 3D. 

Enquanto os matemáticos já tinham coordenadas (x, y, z) para representar a posição de um objeto, compreender as alterações nessas coordenadas ao girar o objeto envolvia uma geometria esférica complexa. E Hamilton buscava um método mais simples.

Ele se inspirou em uma técnica que utilizava números complexos, que possuem uma parte real e uma parte imaginária. A parte imaginária é um múltiplo do número iii, que representa a raiz quadrada de menos um (definida por i2=−1i² = -1i2=−1). 

No início do século XIX, matemáticos como Jean Argand e John Warren descobriram que números complexos podiam ser representados por pontos em um plano. Warren também demonstrou que girar uma linha em 90° nesse plano era simples como reverter o ponteiro de um relógio. Isso ocorre quando um número é multiplicado por iii.

Impressionado com a conexão entre números complexos e geometria, Hamilton começou a aplicar essa ideia em três dimensões. Ele idealizou um plano complexo 3D, introduzindo um segundo eixo imaginário, representado por jjj, perpendicular aos eixos existentes. Após meses de trabalho, percebeu que para estender a rotação 2D de multiplicar por iii, precisava de números complexos quadridimensionais, com um terceiro número imaginário, kkk.

Nesse espaço matemático 4D, o eixo kkk seria perpendicular aos outros três. Assim, kkk seria definido como k2=−1k² = -1k2=−1 e também como k=ij=−jik = ij = -jik=ij=−ji. Ao juntar essas definições, chegou à formulação que mudou a matemática: i2=j2=k2=ijk=−1i² = j² = k² = ijk = -1i2=j2=k2=ijk=−1.

Hamilton nomeou seus números 4D de quatérnios e os utilizou para calcular rotações no espaço 3D. Essa técnica é fundamental para a movimentação de robôs e a orientação de satélites. A parte imaginária de um quatérnio representa o que Hamilton chamou de “vetor”.

Segundo ele, um vetor codifica simultaneamente dois tipos de informação: magnitude e direção. Por exemplo, para descrever a posição de um objeto (x, y, z) em relação à origem, Hamilton visualizou uma seta apontando da origem até a localização do objeto, representando o vetor de posição xi+yj+zkxi + yj + zkxi+yj+zk. Os componentes desse vetor são as distâncias ao longo dos eixos x, y e z.

Meio século depois, o telegrafista inglês Oliver Heaviside modernizou a análise vetorial, substituindo a estrutura imaginária de Hamilton por vetores unitários reais, mas os componentes continuaram os mesmos.

Hamilton definiu duas formas de multiplicar vetores: uma que resulta em um número (produto escalar) e outra que resulta em um vetor (produto vetorial). Essas operações atualmente são bastante utilizadas em aplicações como a fórmula da força eletromagnética.

Embora o matemático francês Olinde Rodrigues tenha criado uma versão semelhante desses produtos pouco antes de Hamilton, foi o irlandês quem unificou os componentes em um único objeto matemático, o vetor. Antes dele, matemáticos como Isaac Newton não tinham esse conceito, com exceção de Hermann Grassmann, que desenvolveu um sistema vetorial independente, embora menos claro.

Hamilton mudou para sempre a matemática e a engenharia

Hamilton também criou uma notação compacta para suas equações, utilizando letras gregas para denotar quatérnios e vetores, que hoje são frequentemente representados com letras latinas em negrito. Essa notação transformou a forma como quantidades físicas são representadas no espaço tridimensional.

Um exemplo dessa nova linguagem matemática é uma das equações de Maxwell que relacionam os campos elétrico e magnético: ∇×E=−∂B/∂t.

Essa equação simples ilustra como um vetor de campo elétrico (E) se propaga em resposta a mudanças em um vetor de campo magnético (B). Sem a notação vetorial, a equação exigiria três expressões separadas, complicadas e longas.

Embora Hamilton não tenha vivido para ver o reconhecimento de seu trabalho por Maxwell, sua determinação em inovar e a crença em suas ideias mudaram para sempre a matemática e a engenharia. 

Em homenagem a essas contribuições do matemático, 16 de outubro é considerado o Dia de Hamilton, como uma maneira de reverenciar seu legado, que permanece presente em uma variedade de tecnologias modernas.

Via Olhar Digital

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