O tempo passou, claro que passaria, como diria uma letra do próprio Gessinger. Licks, que também é jornalista e hoje com 67 anos, diz que a saída da banda em 1993 foi um choque de realidade e ele precisou de um longo período afastado para se reorientar.
“Lá por 2007, a minha filha com seus sete anos chegou pra mim e falou: ‘papai, a sua música é como um pássaro, tem asas, então precisa voar’. Naquele momento senti imediatamente a necessidade de retomar a música na minha vida”, conta. Ele fez, então, algumas aparições no cenário musical.
Já Carlos Maltz teve projetos próprios, se envolveu com astrologia e chegou a ter reaproximações com Gessinger fazendo participações em discos. Mas discordâncias ideológicas o separaram.
Gessinger nunca confirmou, mas fãs dizem que “Toxina”, uma das músicas de seu último trabalho, teve o ex-baterista como uma das inspirações. Parte da letra diz: “Tiozão tóxico, esteta da treta, vive nas cavernas de outro planeta, agarrado nos últimos centavos do passado”.
No meio de tudo, os fãs. Que, como eu, nunca tinham entendido muito bem a saída do Licks ou a banda sem o Maltz. Sabe aqueles sucessos dos Engenheiros que você, se tiver mais de 40 anos, sabe cantar até hoje, como “O Papa É Pop”, “Pra Ser Sincero”, “Parabólica”?
Todas essas músicas, que fizeram do Engenheiros uma banda referência do cenário do rock nacional, têm a energia desses dois ex-integrantes. E foi isso que vimos no palco do bar Opinião, a mesma energia, mas sem um dos tripés, sem o vocalista e o principal compositor, Humberto Gessinger, que foi convidado para a apresentação, mas não aceitou.
“Sempre deixei claro que as portas estavam abertas caso o Humberto mudasse de ideia. Não aconteceu, e só resta respeitar a vontade dele”, diz Licks.
Fãs de todos os cantos do país, como Manaus, Fortaleza, Recife, Rio de Janeiro e São Paulo, fizeram caravana para Porto Alegre neste final de semana. Tudo para ver Maltz e Licks juntos. O vocal ficou por conta de Sandro Trindade, da banda cover Engenheiros sem CREA, que foi o grande responsável por unir os dois, como conta Licks.
“Em 2023, ele me procurou e me explicou o seguinte: ‘olha, não existe mais Engenheiros do Hawaii, só que existe uma massa enorme de fãs que sentem falta de ouvir o que a banda fazia na época GLM, e pedem insistentemente, sonham com uma reunião dos integrantes da banda”, diz. GLM é um disco icônico dos Engenheiros, de 1992, e são as iniciais de Gessinger, Licks e Maltz.
Licks fez alguns shows com o Engenheiros sem CREA e viu a resposta do público. “Ficou ali escancarada a constatação de um reencontro de uma ou mais gerações com o que foi a trilha sonora de suas vidas.”
O show
A apresentação começou exatamente às 20h deste domingo. E com “Toda Forma de Poder”, do disco “Longe Demais das Capitais”, o primeiro da banda, de 1986. Nesse álbum, o guitarrista era Marcelo Pitz – que, aliás, também estava presente no domingo, no bar Opinião.
O show teve músicas com “Revolta dos Dândis”, “Ando Só” e “Alívio Imediato”, além de algumas que só fãs mesmo conhecem e têm participação de Licks, como “Variações sobre um Mesmo Tema”.
Perguntado se não seria estranho tocar músicas de Gessinger sem Gessinger, Licks responde. “Por qual motivo iria ser problema? Maltz e eu tocarmos as músicas que tocávamos quando éramos Engenheiros do Hawaii, a banda que construiu esse repertório”.
E o sentimento geral, vendo a força da guitarra de Licks, foi o de redenção. O guitarrista que foi “saído”, mostrou que sempre esteve ali, com seu foco e seus acordes perfeitos. E com a humildade de falar com todos os fãs, querer saber todos os nomes e emanar uma energia única. Na entrevista à CNN, ele citou uma “tag” de “Queen Of Knives”: “Nunca se é velho demais para crescer”. E os fãs sentiram exatamente isso.
“De certa forma, talvez tenha sido uma redenção, sim. Mas de qualquer maneira, me pareceu uma redenção para toda uma plateia de gente de toda parte do país que recebeu a devolução de alguma coisa que lhes tinha sido tirada, afirma Licks.
Maltz também era o mesmo da década de 1990 atrás das baterias. Falando com o vento, marcando suas batidas, fortes. Esqueçam as divergências ideológicas ou políticas, o que estava lá era a música.
“Foi difícil de tocar porque o ar estava pesado, né? De tanta emoção que tinha, as pessoas vieram de todos os cantos do Brasil. A gente já sabe, já conhece tudo, mas ainda me surpreendo com a importância que o Engenheiros tem na vida das pessoas.”
Ele fala também do passado com Licks. “Isso é para poder se reconciliar e ficar numa boa. Passando a limpo, afinal de contas, a gente merecia isso, né? A gente viveu muitas coisas maravilhosas juntos e tivemos aquele final desastroso. Então, graças a Deus, estamos podendo passar um pano aí e seguir em frente.”
E agora?
Engenheiros fará 40 anos em 11 de janeiro de 2025. Será que Gessinger participaria de uma turnê nacional com shows em estádios, assim como Titãs fez? “Não nos cabe comparações com o belo reencontro dos Titãs e de outros artistas. O show de 21 de abril foi uma história que envolveu nós e a massa das pessoas que querem esse show com a gente. O que acontecer depois, se acontecer, é algo que ainda não nos pertence, nem nos preocupa”, diz Licks.
Já Maltz mostra otimismo. “A gente não sabe o que vai acontecer, se isso vai continuar ou não, mas eu espero que sim, porque eu vejo que o Engenheiro é uma banda que tem um dom de unir as pessoas”, afirma. Ele fala sobre unir gerações numa plateia, o pai, o avô e o filho, e que isso tem que continuar.
“Eu espero que a gente consiga reunir os três (Gessinger, Licks e ele) para fazer uma turnê de comemoração aí dos 40 anos da banda no ano que vem e levar essa força da união, da superação, do perdão, da conciliação que estamos vivendo entre nós.” E aí, Gessinger? O espaço aqui está aberto para sua resposta.