A viúva e as duas filhas de Cleriston Pereira da Cunha, o Clezão, preso do 8 de janeiro que morreu na penitenciária da Papuda em 20 de novembro do ano passado, entraram com uma ação penal contra o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Morares. Elas acusam o magistrado de prevaricação, maus-tratos, abuso de autoridade e tortura. A pena mínima para os crimes é de 13 anos e três meses de prisão e a máxima chega a 33 anos.
Assinada pelo advogado Tiago Pavinatto, a ação é endereçada ao ministro Luís Roberto Barroso, presidente do STF, e foi protocolada nesta sexta-feira, 2. A ação também pede o afastamento cautelar de Moraes e indenização por danos morais à viúva e às filhas de Clezão.
Em regra, a ação penal é uma atribuição do Ministério Público (para a maioria dos crimes), mas, nesse caso, o advogado afirma que há competência subsidiária dos parentes da vítima em razão da inércia da Procuradoria-Geral da República (PGR).
Clezão morreu há 70 dias, e, segundo Pavinatto, a causa da morte ainda não foi esclarecida. Ele teve um mal súbito enquanto estava no pátio de banho de sol.
Na ação, o advogado da família de Clezão afirma que a responsabilidade de Moraes fica evidente, porque o ministro ignorou sistematicamente os pedidos de liberdade feitos pela defesa, acompanhados de laudos médicos que comprovaram o delicado estado de saúde de Clezão. Ainda em fevereiro uma médica reumatologista alertou que havia risco de morte.
Preso em flagrante em 8 de janeiro de 2023 nas proximidades da Praça dos Três Poderes, Clezão nunca mais deixou a prisão. Ele tinha sido denunciado por crimes de associação criminosa, golpe de Estado, abolição violenta do Estado Democrático de Direito, dano e deterioração de patrimônio tombado.
Moraes não analisou pedido de liberdade nem parecer favorável da PGR
A prisão foi convertida em preventiva, e, mesmo com o parecer favorável da PGR para a liberdade, Clezão permaneceu preso. “O término das audiências para oitiva das testemunhas de acusação e defesa e a realização do interrogatório de Cleriston Pereira da Cunha configuram importante situação superveniente que altera o cenário fático até então vigente, evidenciando que não mais se justifica a segregação cautelar”, afirmou a PGR.
Em regra, quando o preso não oferece riscos e é primário, o juiz o coloca em liberdade depois de concluída a instrução processual — oitiva das testemunhas e interrogatório do réu.
Entretanto, Moraes não analisou os três pedidos de soltura formulados pela defesa. Em 3 de agosto, por exemplo, o advogado de Clezão “esclareceu e comprovou ao ministro relator a gravidade da sua condição clínica — da sua saúde frágil a requerer, antes mesmo do seu recolhimento em flagrante, acompanhamentos e procedimentos médicos especializados –, a liberdade provisória ou, subsidiariamente, a conversão da prisão preventiva em domiciliar”, lembrou Pavinatto.
Petições e laudos médicos alertavam sobre risco de morte de Clezão
Na ação a Barroso, o advogado também lembra que Moraes já tinha sido alertado sobre o risco de morte de Clezão. “O risco de morte com a prisão de Cleriston, aliás, já havia sido alertado poucos dias após o seu recolhimento pela médica reumatologista do Hospital Regional de Taguatinga, Dra. Tania Maria Leite Antunes, que, formalmente, registrou em dois relatórios (logo em 30 de janeiro e, após, no dia 27 de fevereiro de 2023)” o risco de morte.
“Em resumo, Cleriston morreu torturado, porque o ministro Alexandre de Moraes, abusando do seu poder, assumiu, independentemente de ter querido esse resultado morte, o risco dessa morte indigna”, escreveu Pavinatto, na ação em favor da esposa e das filhas de Clezão. “Cleriston, provavelmente, ainda estaria vivo e ao lado da sua esposa e das suas duas filhas se gozasse do privilégio de um juiz justo, imparcial, empático e conhecedor do direito.”
O processo de Cleriston também mostra que antes mesmo do 8 de janeiro ele já tinha sido diagnosticado com vasculite múltiplos vasos e miosite secundária. Para o advogado da família de Clezão, está evidente, portanto, a falha de Moraes, que não analisou o caso do réu. “Todavia, qualquer que tenha sido a causa da sua morte, ela não importa: ‘A morte ocorreu em prisão preventiva manifestamente ilegal e sob a inteira responsabilidade do Ministro Alexandre de Moraes’”, afirma a ação.
“Depois de 311 dias como um preso provisório ao qual foi negado, por 3 vezes, o reexame da sua preventiva. Morreu!”, escreveu o advogado Tiago Pavinatto. “Após longos e injustificáveis 81 dias do parecer dado pela PGR favorável à liberdade provisória requerida. Morreu! Porque lhe foi negado o direito de ter direitos pelo ministro Alexandre de Moraes, que, negando vigência ao direito, desafiou, assim, a ordem jurídica nacional.”