Quando tive a ideia de dirigir de Tbilisi, na Geórgia, até Ulaanbaatar, na Mongólia – uma jornada que me levaria por Azerbaijão, Cazaquistão e Rússia – o mundo era um lugar diferente.
Os países estavam começando a se recuperar da pandemia global e, poucas semanas depois de colocar meu plano em prática oficialmente – começando com a compra de um Toyota Land Cruiser, de 1978 – a guerra na Ucrânia havia acabado de começar.
“Sem problema”, pensei. Eu não planejava dirigir pela Ucrânia. No entanto, teria que dirigir pela Rússia sozinha – uma mulher americana, em um carro Land Cruiser vintage que podia ser tudo, menos discreto.
Logo percebi que não seria a expedição divertida que imaginei. Com o avanço rápido da guerra, decidi adiar meus planos até a situação se acalmar. Só um ano depois, em abril de 2023, finalmente me senti confortável o suficiente para colocar meus planos em ação novamente.
Primeiro passo: visto de turista russo
Ainda havia um grande obstáculo a superar antes de pegar a estrada: precisava solicitar um visto russo – difícil de conseguir como cidadã americana, tendo ou não uma guerra. Lembrando que o Departamento de Estado dos EUA emitiu um aviso de “não viajar” de Nível 4 para a Rússia.
Não tive problema em solicitar o visto, foi simples. Encontrei uma agência de viagens russa para me fornecer uma carta de convite e itinerário, comprei um seguro de saúde e médico russo e localizei um centro de vistos onde poderia solicitar pessoalmente em Tbilisi.
Tudo enviado e já fora do meu controle, achava que meu visto de três anos não seria aprovado – principalmente depois de ter várias conversas com outros viajantes que tiveram o visto negado.
As coisas não pareciam positivas, sendo que a preocupação de amigos e conhecidos aumentava a cada passo que eu dava no meu planejamento.
Para meu alívio e surpresa, o visto foi aprovado. Se foi porque apliquei em Tbilisi, ou por algum outro motivo desconhecido, ainda não posso dizer com certeza. Mas, naquele momento, minha viagem foi oficialmente iniciada e não havia como voltar atrás.
Planejando uma viagem de 7.000 quilômetros
Com o visto russo em mãos, era hora de planejar o roteiro, fazer os preparativos finais do veículo e arrumar as malas. Afinal, não era uma viagem comum.
Eu me mudei de Tbilisi para Ulaanbaatar, onde trabalhei como escritora freelancer de viagens – ou seja, minha vida precisaria caber em um único veículo.
Sentada na frente do meu computador e olhando o Google Maps, percebi que a jornada seria de cerca de 7.000 quilômetros no total – 90 horas se eu dirigisse direto, sem paradas ou atrasos.
Imediatamente, me deparei com dois problemas. Primeiro, a fronteira terrestre entre a Geórgia e o Azerbaijão fechou na pandemia e ainda não reabriu. Isso me deixou com apenas uma opção de rota.
Eu teria que seguir a rota ao norte de Tbilisi, cruzando para a Rússia a partir da cidade georgiana de Kazbegi, um trajeto que passaria por um corredor da Rússia com as regiões, às vezes, inquietas da Chechênia, tendo o Daguestão de um lado e a Ucrânia do outro. As cidades ucranianas de Mariupol e Donetsk, e uma guerra ainda em fúria, estariam a apenas 600 quilômetros (360 milhas) de distância.
Enquanto isso, as sanções à Rússia direcionavam passageiros para essa rota. Cidadãos russos, supostamente, entravam na Geórgia, obtendo o que não podiam em seu país de origem e voltando de carro. Muitas dessas compras eram veículos, trazendo mais atenção sobre quem dirigia o quê e para onde.
Com um carro do meu tamanho, com placas georgianas, dirigido por uma americana que não fala russo, eu ficava cada vez mais nervosa.
Tomei a decisão cara de mudar meus planos – uma semana antes da minha partida planejada de Tbilisi. Em vez de entrar na Rússia pela Geórgia, eu despacharia meu carro.
Finalmente, tinha um trajeto e um plano com os quais me sentia confortável. Embalei meu Land Cruiser em um caminhão em Tbilisi e reservei um voo para Baku, a capital e maior cidade do Azerbaijão.
Nove dias depois, em abril, meu agente de transporte me buscou no meu hotel em Baku para ajudar a agilizar o processo de alfândega. Foi uma hora de carro até o porto de Alat onde, depois de dormir no carro em um terminal de carga, embarquei em uma balsa nas primeiras horas da manhã para cruzar o Mar Cáspio.
A travessia leva cerca de 24 horas, mas os atrasos no porto significaram que o tempo a bordo foi mais próximo de 48 horas. Felizmente, eu tinha uma cabine privativa com banheiro, além de companheiros de viagem amigáveis, incluindo um casal que estava viajando de carro da Europa para o Japão e também estava transportando seu veículo.
O chef do navio percebeu esses passageiros incomuns e se esforçou para nos oferecer pratos dos quais ele se orgulhava. As refeições estavam incluídas no navio e, embora a comida fosse modesta e nem todos os aspectos do barco fossem quentes e confortáveis, a gentileza dele melhorou a jornada. Clique na postagem acima, do Instagram, para ver a comida e as acomodações na balsa.
Desembarcamos na cidade portuária de Kuryk, no Cazaquistão, e subi no meu Land Cruiser. Agora, eu teria que atravessar o Cazaquistão, famoso por suas paisagens montanhosas e acidentadas.
Isso limitaria meu tempo na Rússia a cerca de 1.000 quilômetros através da região de Altai. De lá, eu poderia entrar na Mongólia ocidental na fronteira de Tsagaannuur, na província de Bayan-Ölgii, e fazer a viagem de três dias até Ulaanbaatar.
Durante toda a viagem, confiei muito no iOverlander e no Caravanistan como fontes para conselhos sobre cruzamento de fronteiras, dicas de rotas e para encontrar locais de acampamento e abastecimento ao longo do caminho.
Dias ansiosos
A jornada trouxe muitos desafios. No Cazaquistão, corri para encontrar um hotel em Astana, já que um campeonato mundial de xadrez havia lotado a cidade inteira.
Um conserto de luz de freio traseira queimada me atrasou e me impediu de sair da cidade antes do anoitecer (eu tinha uma regra de não dirigir no escuro), e com as temperaturas rapidamente caindo para -14°C (7°F), eu precisava de um lugar para ficar.
Eu estava cansada e ansiosa para conseguir um quarto de hotel. Quando finalmente encontrei um, esqueci que o diesel congela e acordei em pânico no meio da noite.
Soltei um suspiro de alívio pela manhã quando o carro ligou, mas só consegui andar uma milha (cerca de 1,6 km) antes de ele parar completamente quando cheguei a um posto de gasolina. Meu combustível havia, de fato, congelado na noite anterior.
Depois de bombear manualmente diesel novo para o motor, consegui voltar à estrada rapidamente. Crise evitada, defini minhas coordenadas para Semey, onde passaria duas noites e teria um dia inteiro de descanso antes do “grande” cruzamento de fronteira.
Nesse ponto, a fadiga de dirigir era inevitável. Dirigir um veículo de 2,5 toneladas, totalmente carregado e com câmbio manual, por 12 horas por dia, é cansativo, não importa quão emocionante seja a jornada.
Quando cheguei em Semey naquela noite, muito atrasada após os contratempos da manhã, imaginei que fosse uma cidade como qualquer outra nesta parte do mundo.
Mal sabia eu que, durante a era soviética, Semipalatinsk, ou Semey como é chamada hoje, era uma “cidade fechada”. Era necessário um visto especial para viver lá, não aparecia nos mapas e o que acontecia dentro era um mistério para a maioria.
O público descobriu o motivo de tanto segredo após a queda da União Soviética: era a cidade mais próxima do principal local de testes nucleares soviéticos.
Entre 1949 e 1989, oficiais realizaram supostamente 456 testes nucleares lá, incluindo 340 subterrâneos e 116 atmosféricos.
Os efeitos sobre a população local são evidentes. Mesmo hoje – não há nada convidativo ou sequer confortável na cidade.
Após um breve descanso, o dia que eu mais temia durante toda a viagem finalmente chegou: cruzar a fronteira para a Rússia.
Com o incentivo de um amigo pelo telefone, deixei o Cazaquistão sem problemas. No momento no qual entreguei meu passaporte ao agente de imigração na fronteira russa, as perguntas começaram.
Entendo por que estavam suspeitos. Uma garota americana, viajando sozinha, dizendo que está se mudando para a Mongólia, dirigindo um carro com placas georgianas. Isso, apenas semanas depois que o jornalista americano Evan Gershkovich foi preso e acusado de espionagem.
Eles não pareciam saber o que fazer comigo. Com cada um de nós falando nossos próprios idiomas, eventualmente me disseram para sentar e esperar. Foram mais 45 minutos até que um agente veio me buscar, me levou a outro prédio, onde eu tive que esperar novamente. Uma tática para me deixar ainda mais inquieta, eu suspeitava.
Eventualmente, um agente que falava inglês me levou para uma sala dos fundos. Acho que qualquer pessoa nessa situação ficaria nervosa, e não fui exceção.
Mantendo a calma o máximo possível, o agente e eu conversamos por mais de uma hora. Falamos sobre tudo; onde eu morava na Geórgia, por que eu estava indo para a Mongólia, meu estado civil (era algo que confundia os agentes, uma mulher de 37 anos e não casada), onde fiz faculdade, quem eram meus familiares, o que eu fazia para trabalhar – tudo isso enquanto ele digitava minhas respostas.
O agente, vestido à paisana, foi severo, mas paciente durante todo o processo. Descobri que ele também era entusiasta de fotografia (uma vez que ficou claro que ele havia examinado minuciosamente meu Instagram) e começamos a conversar sobre as paisagens incríveis em seu país natal, o que felizmente ajudou a aliviar o clima.
Breanna Wilson, escritora
No final, meu passaporte foi carimbado, meu carro foi mais uma vez minuciosamente revistado e eu estava a caminho de atravessar a Sibéria. Todo o processo levou cerca de seis horas. Eu já temia passar pela mesma situação em dois dias.
Acontece que eu estava certa em estar ansiosa sobre minha saída. Após uma longa viagem ao longo da Chuyskiy Trakt – uma das estradas mais bonitas que já percorri – percebi que havia perdido um documento necessário para o carro, causando todo tipo de confusão e atenção desnecessária enquanto eu tentava sair do país.
Fui novamente levada para uma sala dos fundos para um interrogatório – este não tão agradável, o agente formalmente vestido analisando minhas respostas com muito mais detalhes.
Novamente, houve muitas perguntas sobre meu estado civil e como é “estranho” para alguém da “minha idade” não estar casada e com filhos, além de comentários sobre como é perigoso viajar sozinha (mas não na Rússia, é claro), e como ele não conseguia entender por que alguém gostaria de viver na Mongólia.
Folheando as páginas do meu passaporte repetidamente, eventualmente ele ficou sem perguntas e eu pude ir embora. Ele até me acompanhou até o carro – acho que foi mais por interesse em ver o Land Cruiser do que qualquer outra coisa. Eu não diria que ele ficou impressionado quando finalmente o viu, mas estava certamente curioso.
Com a Rússia no meu espelho retrovisor, era hora de voltar para casa. Eu havia chegado à Mongólia.
Mongólia ou nada
Finalmente, ao cruzar para a Mongólia em Tsagaannuur, na província mais ocidental da Mongólia, Bayan-Ölgii, o alívio e a alegria de ter atravessado três países – Azerbaijão, Cazaquistão e Rússia – foram avassaladores.
Enfrentei alguns outros problemas, incluindo um atraso de dois dias devido à neve em Ölgii, além de uma dura lição sobre os efeitos de encher o carro com diesel sujo no Cazaquistão. Felizmente, eu havia levado filtros de combustível sobressalentes para esse fim.
Mas foram experiências como essas na estrada que provaram que eu era mais capaz do que eu imaginava. Afinal, sou uma mecânica experiente? Não. Tinha vasta experiência em overlanding? De jeito nenhum.
A minha preparação intensiva para a viagem, a mentalidade de que “tudo é solucionável” e as interações gentis e respeitosas com estranhos me ajudaram a passar por cada dia da viagem.
Eventualmente, três semanas após deixar a Geórgia, cheguei a Ulaanbaatar, cansada mas não derrotada, e levei o carro à minha oficina local Toyota Top Motors para um serviço muito necessário após ter exigido tanto do Land Cruiser.
Em breve, precisaria voltar à estrada. Afinal, tinha um verão cheio de expedições e aventuras pela Mongólia e uma nova vida em Ulaanbaata pela frente.
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