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‘É desagradável viver no Brasil de Alexandre de Moraes’

(J. R. Guzzo, publicado no jornal O Estado de S. Paulo em 28 de agosto de 2024)

É desagradável, como nos conta o presidente Lula em relação à vida no regime da Venezuela, viver no Brasil do ministro Alexandre de Moraes — sobretudo para quem dá o azar de cair numa das suas listas negras. Essas listas, como o universo, estão em expansão contínua. Quer dizer: quem está dentro não sai, mas quem está fora pode entrar a qualquer hora do dia ou da noite, na base do pega um pega geral.

Acontece o tempo todo, e está acontecendo de novo agora. O ministro anda agitado com a revelação das conversas entre seus assessores, no horário de trabalho, falando uma porção de coisas que juízes de Direito simplesmente não podem falar nunca — como mandar jagunços para sequestrar um jornalista-desafeto nos Estados Unidos, já que a Interpol não fornece esse tipo de serviço, ou usar a “criatividade” para inventar provas que o ministro estava querendo.

Em vez de mandar pararem com isso, porém, Moraes abre um novo inquérito — não para apurar o que os seus juízes fizeram, mas para ir atrás de quem vazou as conversas e aumentar os seus fichários de “procura-se”. Põe desagradável nisso. Como escreveu o jornalista Francisco Leali no Estadão: “Se a PF vai investigar o vazamento, quem vai apurar o que está declarado nas conversas?” Obviamente, é isso o que conta para o interesse público: o que os juízes falaram está certo ou errado?

A última barbeiragem de Alexandre de Moraes

O STF não vai responder nunca a essa pergunta — ao contrário, já “formou maioria”, ou unanimidade, para declarar oficialmente que não houve nada de ilegal do episódio. Na verdade, não há nada de legal. Moraes não apenas se recusa a investigar o conteúdo das conversas, mas nomeou a si próprio como comandante-em-chefe do inquérito do “vaza Toga”, no qual é ele o principal interessado. O ministro acha que nunca está bom. Tem 2 mil casos na sua vara criminal, a “maior do mundo”, como ele mesmo se orgulha; agora põe mais um ingrediente nesse Xis-Tudo.

Ao mesmo tempo em que toca a polícia em cima de novos inimigos da democracia, o ministro não deixa sair nenhum dos que já meteu no seu camburão permanente — principalmente quando fica provado que não fizeram nada de errado e que é ele, o próprio Moraes, que tem de dar explicações sobre a sua conduta. É a epopeia da “agressão” que o ministro e família teriam sofrido no Aeroporto de Roma. O caso já tem mais de um ano, e nesse tempo o Estado brasileiro, com todas as suas polícias e os seus bilhões em recursos, não conseguiu apresentar uma única prova de que houve o que Moraes diz que houve.

O caso deveria ter ido há muito tempo para o arquivo morto, mas não vai. Os suspeitos, a quem nem a PF e o Ministério Publico queriam acusar — poderia ser, no máximo dos máximos, um caso de injúria, e o STF não tem nada a ver com isso — mas foram indiciados como uma ameaça para o “Estado Democrático de Direito”. Os vídeos das câmeras de segurança do aeroporto, que não provam agressão nenhuma, foram postos em sigilo. Está tudo errado, mas não para.

A última calamidade é a perícia apresentada pela defesa, afirmando que foi o filho de Moraes, pelo que mostra o exame detalhado dos vídeos, quem agrediu o principal acusado — o exato contrário do que alega o ministro. Pelo cheiro da brilhantina, nada disso vai ajudar a posição legal dos suspeitos. Nada ajudou até agora. Por que um detalhezinho desses iria ajudar?

E o caso de Filipe Martins, ex-assessor do ex-presidente Bolsonaro? Martins ficou seis meses inteiros à disposição da polícia e de Alexandre de Moraes, trancado numa cela de cadeia, sem que fosse encontrado o mais miserável fiapo de prova das acusações feitas a ele. Pior: numa inversão do princípio elementar do ônus da prova, foi ele, o preso, quem provou materialmente que não fez o que foi acusado de fazer. Diante do que tinha se tornado um escândalo, teve de ser solto — mas está algemado a uma tornozeleira eletrônica. Por que, se ele não fez nada? São essas coisas desagradáveis que acontecem no regime do ST.

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Via Revista Oeste

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