A Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) autorizou empresas distribuidoras de energia a descumprirem limites para a duração e a frequência de apagões, conforme previstos em contrato.
Essa permissão se aplica apenas a algumas áreas onde essas empresas operam. A decisão, emitida por meio de uma nota técnica em março de 2023, é contestada pelo Ministério Público de São Paulo e por defensores públicos, que a consideram ilegal.
O questionamento surgiu em uma ação judicial que exige melhorias nos serviços da empresa Enel, responsável pela distribuição de energia em 24 municípios da Região Metropolitana de São Paulo.
Essa ação foi motivada pelo apagão ocorrido em 3 de novembro de 2023. Uma forte ventania na capital paulista deixou 2 milhões de residências atendidas pela Enel sem luz. O serviço só foi restabelecido uma semana depois.
Nota técnica da Aneel estabelece índices de interrupções de energia
A nota técnica estabelece metas para que as empresas cumpram os índices de duração e frequência das interrupções de energia. Esses índices, conhecidos como duração equivalente das interrupções (DEC) e frequência equivalente das interrupções (FEC), são utilizados pela Aneel, junto com outros critérios, para avaliar a qualidade do serviço prestado pelas concessionárias.
No centro da capital paulista, por exemplo, a Aneel exige que o limite seja de três horas de falta de luz por ano, com no máximo duas interrupções no mesmo período. Em Juquitiba (SP), no entanto, a tolerância é muito maior, permitindo até 15 horas de apagão por ano e nove interrupções. Além disso, os índices não consideram interrupções de menos de três minutos causadas por situações de emergência, como eventos climáticos extremos.
Entretanto, a nota técnica da Aneel permite que as concessionárias descumpram esses limites em algumas áreas atendidas. As regras estipulam que 27 empresas distribuidoras de energia têm até 2026 para cumprir esses limites regulatórios em 80% das regiões que atendem. Isso significa que, em 20% dos casos, é permitido exceder os limites sem que haja penalidades para as prestadoras de serviço.
A Enel, por exemplo, pode ultrapassar o limite de duração dos apagões em 29% de suas áreas atendidas neste ano. No ano passado, esse percentual era de 34%. Em outubro de 2023, a área de concessão da Enel contava com 7,7 milhões de unidades consumidoras. Isso significa que cerca de 2,2 milhões de clientes podem ser impactados pela permissão para extrapolar os limites de duração e frequência de apagões.
Justiça diz que Aneel não pode criar normas que diminuam proteção do consumidor
A Promotoria de Justiça do Consumidor e a Defensoria Pública afirmam que a Aneel não pode criar normas ou metas que diminuam a proteção dos consumidores, assegurada pela Constituição Federal. Eles criticam a agência por desproteger os consumidores com essa decisão.
A nota técnica permite que se excedam os limites em 20% das regiões, enquanto o contrato de concessão, que o governo federal assinou em 1998 com a Eletropaulo e a Enel herdou, estabelece uma tolerância de apenas 5% para os índices de DEC e FEC.
Ao jornal Folha de S.Paulo, a Aneel respondeu que a regra estabelece a taxa de 80% como um mínimo a ser cumprido, e não como um teto. A agência afirmou que a mudança na metodologia ocorreu porque os limites só eram cumpridos em 59% dos casos, e essa taxa subiu para 64% atualmente.
“A metodologia foi construída para conciliar melhoria da qualidade, sem onerar demasiadamente as tarifas”, afirmou a Aneel.
Limites regulatórios de distribuição de energia elétrica estão cada vez mais exigentes
Além disso, os limites regulatórios se tornam mais exigentes a cada ano, e o desempenho das empresas é monitorado trimestralmente. Se as metas intermediárias não forem cumpridas, as distribuidoras estarão sujeitas a penalidades.
A nota técnica provocou uma disputa legal entre a Enel e a Aneel de um lado, e a Promotoria do Consumidor e a Defensoria Pública de outro. Promotores e defensores exigem que a concessionária respeite os limites de duração e frequência de apagões em 100% da área de concessão.
Caso contrário, a empresa poderá enfrentar multas significativas e será obrigada a reduzir o tempo de resposta às reclamações dos consumidores.
Os defensores afirmam que a Enel usa a nota técnica da Aneel para justificar práticas que violam princípios constitucionais e normas legais. A Aneel, que supervisiona as concessionárias de distribuição de energia, solicitou à Justiça a possibilidade de atuar como assistente da Enel no caso.
A agência sustentou que a promotoria e a defensoria pretendem estabelecer regras que vão além das determinadas por ela e deseja evitar a usurpação de suas atribuições regulatórias e de fiscalização. A Justiça de primeira instância negou a participação da Aneel na ação.
Tanto a Aneel quanto a Enel recorreram dessa decisão, afirmando que ela vai contra o entendimento do Supremo Tribunal Federal. O Ministério Público e a defensoria alegam que a Aneel impediu o progresso do processo, que já poderia ter sido julgado.
Quarto dia de apagão
O apagão que começou em 11 de outubro chegou ao quarto dia, com milhares de imóveis ainda sem luz. No último fim de semana, o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, criticou a Aneel.
Ele sugeriu que a agência não havia dado andamento a processos que poderiam levar à anulação do contrato da Enel. A Aneel, por sua vez, afirmou que fiscaliza a concessionária de maneira sistemática.