domingo, julho 7, 2024
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Diplomatas apontam falta de critérios em promoções e pressionam Itamaraty

Um movimento de diplomatas mais jovens se uniu contra o que consideram critérios obscuros e subjetivos no sistema interno de promoção de carreira. Eles pressionam a cúpula do Itamaraty por mudanças.

Neste mês, lideranças do grupo conseguiram aprovar na Associação dos Diplomatas Brasileiros (ADB) — na prática, o sindicato dos diplomatas — uma resolução com críticas ao sistema atual e uma proposta de mudança.

O documento diz que “a carreira de diplomata, na sua atual configuração, apresenta distorções no reconhecimento do mérito individual de seus integrantes que prejudicam o desempenho profissional e, destarte, a execução com máxima eficiência da política externa do país”.

Nele, ainda reivindicam “mecanismos para promover representação equitativa de gênero e raça no fluxo da carreira, sanar os efeitos do etarismo e criar cursos sobre assédio moral e sexual como condição para a progressão funcional”.

No dia 16 de novembro, um grupo de diplomatas levou a proposta em uma assembleia da ADB. A entidade tem 1.214 diplomatas ativos associados e 420 que estão já aposentados. Ao todo, a carreira tem 1.543 diplomatas ativos.

A presidente da entidade, a embaixadora Maria Celina de Azevedo Rodrigues, entendeu que não era possível pautar a resolução porque, segundo ela, o documento circulou duas horas antes da assembleia. O documento não só foi votado e aprovado como depois houve uma moção para aprovar uma comissão de assessoramento da diretoria, o que acabou levando à sua renúncia.

Houve bate-boca. Nem parecia assembleia de diplomatas. Acabou ocorrendo a votação e aprovação. E no final houve uma moção pedindo uma comissão de assessoramento da diretoria da ADB. Eu disse que se tratava de comissão de patrulhamento e que renunciaria ao cargo porque com aquilo eu e a atual diretoria não teria mais nenhuma utilidade

Maria Celina de Azevedo Rodrigues

Segundo a embaixadora, “há uma insatisfação generalizada dos jovens que estão demorando muito para ter ascensão na carreira”. “Mas isso só se faz através de diálogo, tanto da chefia quanto dos jovens. A diplomacia até maturar e amadurecer algo demora. Não dá para de repente dar cavalo de pau. E existe certa relutância de chefes com a proposta”.

A diretoria da ADB acompanhou sua renúncia em um processo que será finalizado na próxima segunda-feira (4). A partir daí, o estatuto prevê 30 dias para que seja agendada uma nova eleição.

A estratégia dos diplomatas mais jovens é montar uma chapa para ocupar a associação e levar à cúpula do Itamaraty a proposta aprovada na polêmica assembleia.

A CNN conversou sob reserva — há receio de retaliação — com uma das lideranças do movimento. Essa fonte conta que o maior problema da diplomacia é a falta de critérios claros para as promoções.

Por exemplo, diz que diplomatas que servem na Presidência da República, no gabinete do chanceler, na secretaria-geral e na secretaria de administração acabam passando na frente nas listas de promoção dos que servem em outras áreas e têm mais tempo de serviço.

Relata ainda que os chefes dizem que as promoções são mais fáceis de ocorrer para quem for chefe de divisão e estiver servindo em Brasília, mas que também há inúmeros casos de colegas com mais tempo de classe, em chefias e há muito tempo em Brasília que não são contemplados com a promoção.

Em suma, essa liderança aponta que as promoções ocorrem em um sistema pouco transparente e baseadas em critérios muito mais políticos do que técnicos. Detalha ainda que invariavelmente o processo afeta a saúde mental e a capacidade profissional dos diplomatas.

Sobre o movimento no sindicato, diz que a proposta votada e aprovada neste mês circula desde abril dentre os diplomatas. Considera ainda que o problema é estrutural e ressalva que não tem relação específica com este governo e lembra que como a atual gestão federal está tentando modernizar o serviço público, o Itamaraty se beneficiaria em participar desse movimento.

Uma mensagem que circula internamente no Itamaraty e foi obtida pela CNN expõe o cenário relatado por essa liderança.

O texto diz que “o total global, portanto, é estimado em 370 a 400 colegas, que estão atualmente nas classes de ministros de segunda classe a segundo secretário, sem chances estatísticas de completar a carreira, ou pelo menos subir de classe, nos próximos 10 anos, praticamente 1/3 do total da composição do quadro ordinário de hoje” e que “para os demais colegas, vale ressaltar, a chance de ser promovido não é de 100% (ela diminui toda vez que colegas que hoje estão em classe ou posição mais baixa de antiguidade forem promovidos rapidamente, na frente deles), e os tempos médios de permanência na mesma classe esperados para a próxima década é de 9 a 10 anos”.

A mensagem coloca ainda que, “se o fenômeno das ‘caronas’/promoções rápidas, no âmbito de qualquer classe, for muito generalizado, pode-se chegar tranquilamente a um nível de 50% dos componentes atuais dessa classe sem chance real de promoção”.

Diante da insatisfação, a possibilidade de uma greve não é descartada, mas é considerada como algo ainda distante. Para isso ocorrer, a chapa precisaria vencer a eleição interna na ADB e propor a paralisação, que precisaria ser aprovada em uma assembleia. A avaliação, porém, é de que isso não ocorreria sem um processo prévio de negociação sobre a proposta dos diplomatas com a cúpula do Itamaraty.

Os diplomatas mais jovens encontraram um importante aliado neste embate: o Movimento Mulheres Diplomatas. O grupo é presidido pela embaixadora Irene Vida Gala, uma das mais experientes diplomatas brasileiras. Ela afirmou à CNN que os dois movimentos têm os mesmos objetivos.

“Há dois movimentos que se encontram agora. Existe um movimento de mulheres do Itamaraty que é antigo, tem mais de dez anos, e existe porque as mulheres identificam problemas para alcançar estágios superiores da carreira. A gente reconhece que o sistema prejudica a ascensão a ponto de haver número mais expressivo de mulheres que se aposentam como conselheiras do que como embaixadoras. Não há transparência e os critérios são quase nada objetivos. É absolutamente aleatório e obscuro. E a gente quer mudar isso”, disse Gala à CNN.

Um episódio ocorrido há cinco meses aponta o crescimento desses movimentos. A embaixadora Ana Maria Bierrenbach fez um discurso na cerimônia de promoção de diplomatas. É tradição que a diplomata mais antiga discurse. E ela aproveitou para tratar dessa agenda. O chanceler Mauro Vieira e toda a cúpula do Itamaraty estavam presentes.

“É com satisfação que saudamos a nomeação da nossa Secretária-Geral, e a disposição das chefias em favor de uma instituição mais representativa da sociedade brasileira, em termos de gênero e raça. Mas, como temos debatido no âmbito da nossa Associação de Mulheres Diplomatas Brasileiras, quebrar o telhado de vidro exige transformar essa disposição em política pública, como têm feito muitas chancelarias pelo mundo. A meritocracia faz parte do ideário e também dos mitos desta Casa (e, sim, eu digo Casa, consciente das armadilhas dessa mistura entre o público e o privado. Mas passei grande parte da minha vida aqui dentro, então realmente posso dizer que me sinto em casa). Sabemos que a meritocracia esconde privilégios, desigualdades e injustiças. É urgente, Senhor Ministro, Senhora Secretária-Geral, que os processos de promoção, assim como os de remoção e lotação, sejam pautados por critérios objetivos e mais alinhados com o princípio constitucional da impessoalidade dos atos da administração pública”, disse.

O Itamaraty informou à CNN que, desde o início do ano, abriu diálogo com todos os movimentos e que há uma discussão em aberto para revisão da Lei do Serviço Exterior que trata das promoções.

Afirmou que o atual cenário decorre da ampliação de vagas na carreira durante os governos Lula 1 e Lula 2, que ampliou de cerca de 1.000 para 1.500 o número de diplomatas no país.

Além disso, há o impacto da chamada PEC da Bengala, que estendeu para 75 anos a idade de aposentadorias. Esse contexto acabou aumentando a base e dificultando o número de abertura de vagas.

Também informou que o sistema de promoções obedece a critérios técnicos e objetivos e com ampla participação de diplomatas. Afirma ainda que a prestação de serviços em postos chave acaba sendo considerada em uma promoção porque são cargos que envolvem alto risco e responsabilidades.

O órgão informou ainda que a atual gestão tem tomado diversas medidas para atender a demandas de gênero e raciais.

As mulheres representam 23% do total de diplomatas brasileiros, e nas duas promoções da atual gestão, se caminhou na direção de aumentar a representatividade, com promoções acima desse percentual, sobretudo na promoção de embaixador(a).

Das cinco vagas para embaixador(a) na promoção do segundo semestre, duas foram ocupadas por mulheres, ou seja, 40%. Nessa categoria, havia 7 candidatas elegíveis entre as mulheres e 36 entre os homens.

Enquanto a taxa de sucesso (relação candidato/vaga) entre as mulheres foi de 28%, entre os homens foi de 8% na promoção a embaixador(a). No total de classes, de 1º secretário(a) a embaixador(a), em um total de 59 vagas, a taxa de sucesso entre as mulheres foi de 28,8%, enquanto a dos homens foi de 19,9%.

Informa ainda que, na quantidade de embaixadas chefiadas por mulheres, o avanço em um ano foi considerável. Com o envio da mensagem, esta semana, da embaixadora Glivânia Oliveira chefiar a embaixada em Caracas (cargo vago desde 2019), uma das mais importantes na região, somente neste ano, além da escolha da primeira mulher na história para a Secretaria-Geral do Itamaraty, 10 mulheres assumiram ou foram indicadas e devem assumir brevemente chefias de embaixadas e missões junto a organismos multilaterais.

Via CNN

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